O portal Comunique-se informa que todos os membros da Associação Nacional de Jornais, entre eles a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, o Globo, Correio Braziliense e Valor Econômico, decidiram deixar o agregador de notícias Google News, porque a empresa de buscas se negou a pagar pelo direito de exibir as manchetes dos jornais (ver, neste Observatório, “Jornais brasileiros abandonam o Google Notícias”, "Quem é o leitor?" e "Jornais vs. Google: a briga que ninguém ganha").
O desentendimento tem origem numa diferença de interpretação sobre possíveis benefícios da exposição dos títulos de reportagens: os jornais acham que deveriam ser pagos por ceder seus resumos e o Google entende que eles se beneficiam da exposição.
Dirigentes do site de busca alegam que os jornais levam grande vantagem ao ceder suas manchetes, porque os milhões de visitantes do Google são atraídos pelas notícias e migram para os sites jornalísticos. No entanto, um levantamento da Associação Nacional de Jornais (ANJ) teria demonstrado que o Google News se beneficia do conteúdo noticioso e não produz grande aumento no tráfego para os jornais. Como essa exibição não contribuía para aumentar a audiência dos jornais no meio digital, eles queriam uma compensação financeira, que o Google não está disposto a pagar.
Valor percebido
A discussão tem um aspecto adicional, citado marginalmente entre os comentários do representante da Associação Nacional de Jornais ouvido pelo Comunique-se: a veiculação de títulos ou pequenos resumos e reportagens no Google News estaria na verdade tirando leitores dos sites de jornais, porque, ao fornecer algumas linhas iniciais dessas reportagens, o agregador de notícias estaria satisfazendo a curiosidade básica da maioria dos leitores.
Com isso, ocorreria uma redução do interesse por ler a história inteira nos jornais.
Essa constatação revela que nem tudo pode ser previsto em relação ao comportamento dos leitores que preferem o meio digital. Imaginava-se, por exemplo, que o “aperitivo” oferecido gratuitamente era suficiente para direcionar a leitura para os jornais, mas acontece que a grande maioria dos leitores quer apenas a informação básica, que resolve seu problema imediato, e depois, provavelmente, com mais tempo, irá buscar os detalhes em qualquer outra fonte, ou simplesmente ouvir no rádio ou esperar o noticiário da televisão para complementar sua necessidade de informação.
Esse evento pode ser um tema interessante para quem estuda o fluxo de informações no ambiente digital, principalmente para os pesquisadores da ecologia da comunicação.
É do senso comum que a notícia tem um valor específico por instigar a curiosidade, ou seja, pela possibilidade de oferecer ao indivíduo novas janelas através das quais ele vai construir sua compreensão da realidade. Mas esse raciocínio tinha um valor reconhecido no tempo em que, para ter conhecimento dos fatos mais relevantes, era preciso contar com uma instituição mediadora, a imprensa, detentora da função de selecionar os acontecimentos e determinar o que era notícia.
Media literacy
No ambiente hipermediado que se criou com a expansão da internet e com o desenvolvimento de equipamentos de comunicação móvel, reduz-se a necessidade dessa mediação porque os indivíduos já estão imersos em informação.
Quanto mais familiarizado com aplicativos, aparelhos e fontes de dados, mais habilitado vai se tornando o usuário para decidir por si próprio aquilo que vale a pena saber, o que não lhe interessa e o que é mera curiosidade superficial.
Esse processo, conhecido como media literacy, em inglês, não tem uma tradução genericamente aceita em português, mas quer dizer, basicamente, uma qualificação para entender e usar a mídia.
Ao tornarem explícito que a leitura de resumos do noticiário no Google News não induz os usuários a buscar os sites da imprensa, os dirigentes de jornais estão reconhecendo, sem querer, a desvalorização da notícia como produto dos processos jornalísticos clássicos.
Associado a outros sinais de que não é preciso ter uma marca reconhecida para um site, blog ou portal ser aceito como fonte de informação confiável, o fato de que muitos usuários se satisfazem com um enunciado curto para tomar conhecimento de algum fato é mais um indicador do derretimento do conceito de mídia tradicional.
Junte-se a isso a constatação de que um número crescente de pessoas se informa basicamente por meio das redes sociais digitais, a partir de fontes diversas e da observação direta dos acontecimentos, e temos então um cenário extremamente desafiador para as empresas tradicionais de comunicação.