‘Na segunda-feira e na terça-feira de Carnaval os assinantes e demais leitores do O Povo não tiveram como ler o jornal. Isso porque, seguindo um uso cujo início se perde no tempo, o jornal não circulou (como também não foram às ruas os demais diários de Fortaleza). Além dos dois dias no período de Carnaval, O Povo também não circula no dia 25 de dezembro (Natal) e no dia 1º (Ano Novo). Em quatro dias do ano, os leitores sofrem evidente prejuízo, ficando sem poder ler o jornal do qual gostam.
Não há motivo para um jornal deixar de circular em determinadas datas: os acontecimentos não param; um diário só se justifica ao transformá-los em notícias, oferecendo-as ao leitor. É criticável a ruptura da circulação, mas há uma justificativa, baseada em um costume nunca questionado em profundidade depois que seus motivos primordiais deixaram de existir ou transmudaram. Além disso, não resta dúvida, as empresas também reduzem seus custos ao suspender a impressão dos jornais em algumas datas.
Pergunto ao funcionário mais antigo da Casa, o gráfico Francisco Monteiro de Souza, o Chiquinho, há 52 anos no jornal (onde entrou com 11 anos de idade), se ele se lembra desde quando O Povo não circula em algumas datas. ‘Xiii, quando eu entrei acho que já era assim’. Mas ele arrisca uma explicação: ‘A dona Creuza (Rocha, presidente de 1968 a 1974) e a dona Albanisa (Sarasate, presidente de 1974 a 1985) eram muito católicas e achavam que nos feriados religiosos e na passagem do ano, os funcionários tinham de estar com a família’. (Chiquinho também se recorda que nestes períodos o jornal também não circulava nos dias que se seguiam à Quinta-Feira e Sexta-Feira da Semana Santa, pois não se permitia trabalho nestes feriados religiosos.) Quanto à falta de circulação nos dias do Carnaval ele diz: ‘É que parava tudo na cidade’.
O presidente do O Povo, Demócrito Rocha Dummar, ao ser abordado sobre o assunto, disse que ao assumir o comando do jornal, em 1985, manteve a tradição de suspender a circulação em determinados dias do ano. Ele também relaciona alguns problemas referentes ao período carnavalesco, como um grande número de faltas ao trabalho de gazeteiros encarregados de entregar o jornal na casa dos assinantes, provocando dificuldades na distribuição. Além disso, diz ele, ‘a maioria das pessoas deixava a cidade, em direção ao litoral e às serras’. Mas, diz o presidente do O Povo, ‘o assunto requer questionamento e precisamos debatê-lo pensando no leitor’.
Sendo esses os motivos que iniciaram a tradição de se suspender transitoriamente a circulação, não resta dúvida de que eles estão superados. Fortaleza não é mais uma cidade a ficar vazia no período carnavalesco; é cada vez mais forte a noção, com o devido respeito às religiões, de que estas não podem comandar a vida civil; e os problemas logísticos, a empresa já avançou a ponto de poder resolvê-los com competência. Os leitores têm o direito de receber O POVO todos os dias do ano.
A luta pela precisão das palavras
No comentário interno a respeito da edição de sexta-feira (11/2), anotei ter considerado equivocada a manchete ‘Presa gangue dos garçons’. Observei que, pelas informações divulgadas, não se podia afirmar que fora presa uma quadrilha, como se escreveu na primeira página e no texto de abertura da matéria, na página 3: ‘Uma quadrilha, especialista em roubos e lavagem de cheques, além de clonagem de cartões de crédito e bancários, foi presa na (sic) Delegacia de Defraudações e Falsificações (DDF)´. Seguia a informação de que três pessoas haviam sido presas, duas delas garçons, segundo a polícia. De acordo com o artigo 288 do Código Penal, é preciso a associação de pelo menos quatro pessoas para caracterizar a formação de quadrilha.
Se algum representante da polícia disse que com a prisão de três pessoas ‘desarticulou uma quadrilha de estelionatários’, o jornal poderia registrar com as devidas ressalvas (pois seria algo ainda se provar). Também poderia ter escrito: ‘Com a prisão das três pessoas, a polícia diz ter iniciado a desarticulação de uma quadrilha…´, se esta foi a declaração dos policiais. De qualquer maneira, seria pouco para o jornal fazer generalizações, repetindo por diversas vezes a expressão ‘gangue de garçons’, terminologia de responsabilidade da Redação, segundo Carlos Ely, editor interino do Núcleo de Cotidiano (inclui a editoria Fortaleza).
Sobre a expressão usada pelo jornal, afirmei ser a prisão de duas pessoas, que teriam a profissão de garçom (a polícia não soube ou não quis informar onde eles trabalham ou trabalharam), motivo insuficiente para caracterizar o suposto grupo de criminosos como ‘gangue dos garçons’, pois a generalização atinge toda a categoria desses trabalhadores.
O editor Carlos Ely reconhece ser minha observação ‘tecnicamente correta’ ao anotar que a prisão de três pessoas não caracterizava a detenção de uma quadrilha. Mas, argumenta ele, o texto trouxe também a informação de que o grupo teria ‘ramificação em outros estados, inclusive no eixo Rio-São Paulo’.
A editora-chefe, Fátima Sudário, diz não ver ‘nenhum equívoco na manchete, muito menos generalização. A polícia diz ter desarticulado uma gangue, responsável pelos crimes citados na matéria, comandada por dois garçons. Seria muito purismo não considerar essa uma gangue de garçons’. Ela diz ainda que agiria da mesma maneira se o crime envolvesse profissionais de qualquer outra categoria.
Tenho insistido sobre a necessidade da necessidade de usar as palavras com o máximo rigor e precisão possíveis. Isso originou o meu comentário interno e o debate em torno do assunto, tornado agora público.’