Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cala boca já morreu!

Nesses tempos de pré e pós-censura à liberdade de imprensa e de opinião, tenho lembrado dos velhos tempos de infância, quando tínhamos uma resposta na ponta da língua para tudo o que nos rodeava. Se alguém, autoritariamente, nos mandava calar a boca, imediatamente soltávamos uma frase tão afiada e provocadora quanto a ordem de nos calar: “Cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu!”

A espontaneidade e a coragem para falar o que pensa, com a franqueza por vezes constrangedora das crianças, vai se perdendo naturalmente ao longo de nossas vidas. Nem sempre é possível falar o que queremos, pelo menos não do jeito que gostaríamos de falar. O excesso de honestidade pode ser muito desagradável em determinadas ocasiões. É preciso saber o momento certo, os meios adequados e a linguagem ideal para manifestar nossos pensamentos, sob pena de sermos mal interpretados e até indesejados por determinados grupos sociais. Mas, apesar da prudência necessária que algumas ocasiões exigem, o que não se pode admitir é o silêncio.

No Amapá, a voz do “cala a boca” tem nome e sobrenome: José Sarney. A seqüência de ações movidas por esse cidadão e seu partido político tem tirado do ar blogs, sites, jornais e programas de rádio, numa tentativa clara e covarde de calar os que manifestam opiniões que lhe desagradam, impedindo o democrático debate entre os diferentes agentes da sociedade e o necessário confronto de idéias.

Para os que imaginam que aqui é terra de ninguém e que os jornalistas daqui não conhecem seus direitos e deveres, torna-se oportuno enumerar certos preceitos básicos da liberdade de imprensa previstos em nossa Constituição Federal que, salvo engano, foi escrita com a suposta ajuda do político supracitado. Comecemos pelas básicas:

“É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (IV, 5º CF), é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (IX, 5ºCF); é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (XIV, 5º CF); é livre a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, que não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto na Constituição (220º, CF)”.

O advogado eleitoralista da Bahia Luiz Viana Queiroz, em artigo onde interpreta a proteção ao nome previsto no Art. 17 do novo código civil, alerta ainda que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. Para ele, é clara a compreensão de que a liberdade de imprensa não é absoluta, mas, está vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (§2º, 220º, CF).

Democracia frágil

Os limites a essa liberdade já estão, por conseguinte, contidos no próprio texto constitucional. O advogado avança em suas análises, afirmando que “(…) o texto constitucional não permite, em nome da proteção à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, e deles decorrente ao nome, que seja censurado o exercício da liberdade de imprensa para informar.”

As interpretações de Luiz Viana decorrem da difícil tarefa de lidar, por um lado, com a liberdade de imprensa e o direito a informação, por outro com o direito à privacidade e exposição ao desprezo público. Sobre isso, o advogado é enfático:

Certas pessoas merecem, sim, o desprezo público por fatos que tenham tido a audácia de praticar, e a notícia dos fatos não pode ser impedida por força da tutela ao nome. Homens e mulheres que violaram e violam a todo dia aquilo que não pode ser violado, resumido na feliz síntese da expressão “dignidade da pessoa humana”, merecem ter seus atos expostos ao julgamento público de seus pares. Tornar certos fatos públicos é, portanto, um direito de todos, mesmo que afete o direito da preservação do nome.

O monopólio dos maiores veículos de comunicação no Amapá já não é suficiente, querem agora calar a todos, numa verdadeira caçada aos que ousam criticar, questionar e opinar. A falta de liberdade e o tratamento desigual dispensado por conglomerados de comunicação local nos colocam diante de um Estado em que a democracia é frágil, cujos poderes, inclusive a imprensa, gozam de pouca credibilidade, pois ecoam, quase sempre, as mesmas vozes e os mesmos discursos, como se estivéssemos vivendo isolados do mundo, numa ilha repleta de idiotas, incapazes de saber o que acontece no resto do país e do mundo. Para esses que insistem em tentar nos calar, volto a ser criança e repito mil vezes: cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou seu!!!

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Jornalista