Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Abuso de confiança abala BBC

O governo do premier David Cameron fez um alerta ontem [quarta, 24/10] à BBC quanto ao impacto do escândalo de pedofilia envolvendo o DJ e apresentador Jimmy Savile, morto no ano passado, sobre a confiança da população na emissora, subsidiada pelo contribuinte com um imposto anual de US$ 231,80. A BBC, apelidada afetuosamente pelos britânicos de “tia”, é suspeita de ter encoberto a ação do funcionário, e indícios apontam a hipótese de o apresentador não ter agido sozinho, ao longo dos 40 anos em que teria abusado sexualmente de crianças e adolescentes, em alguns casos, dentro das próprias instalações da emissora. Em discurso ao Parlamento, o primeiro-ministro David Cameron disse que o governo britânico fará o necessário para impedir que episódios como este se repitam e anunciou a revisão das queixas levadas ao Ministério Público em 2009, que não se tornaram acusações formais por decisão da Promotoria.

– Estas alegações e o que parece ter acontecido são completamente apavorantes, e penso que chocantes para todo o país – disse. – Estas alegações deixam muitas instituições, talvez particularmente a BBC, com sérias questões a resolver e acima de tudo: como ele conseguiu se safar por tanto tempo?

Preocupações reais

Os comentários do premier foram feitos depois que a ministra da Cultura, Maria Miller, enviou uma carta ao presidente do órgão que controla a BBC, Lorde Christopher Patten, na qual disse existir “preocupações reais” com a confiança pública na BBC e pediu que as investigações independentes da emissora – sobre a cultura e o comportamento no período em que Savile trabalhava como apresentador e sobre o cancelamento do programa – sigam as provas seja qual for a direção que elas apontem. Em resposta, Patten disse que o órgão trata as acusações com seriedade, mas defendeu sua autonomia: “Sei que você não gostaria de passar a impressão de que está questionando a independência da BBC.”

Em seu site, a emissora tem dado amplo espaço à cobertura do escândalo. Outras nove queixas foram apresentadas contra nove funcionários da BBC desde que as revelações sobre o caso Savile foram divulgadas em reportagem exibida pelo canal rival ITV no início do mês. As alegações incluem linguagem imprópria, assédio e queixas de ataque sexual; os detalhes foram encaminhados para a polícia.

A credibilidade da BBC foi posta à prova com a revelação de que, no ano passado, uma investigação sobre as ações de Savile que seria exibida pelo programa “Newsnight” fora suspensa. O episódio repercutiu também do outro lado do Atlântico. Prestes a assumir o cargo de executivo-chefe do “New York Times”, o diretor-geral da BBC à época foi alvo de críticas da ombudsman do jornal americano.

Explosão de denúncias

O caso ocorreu num mau momento para a imprensa britânica, alvo de investigação após o escândalo dos grampos telefônicos ilegais do extinto tabloide “News of the World”.

A repercussão do episódio levou a uma explosão no número de denúncias de abusos sexuais contra crianças. Segundo a Associação Nacional para Crianças Alvo de Abusos na Infância neste mês foram mais de 2.500 telefonemas.

Em 2009, a falta de cooperação das próprias vítimas dificultou a tarefa de levar o caso aos tribunais. Agora, mais de 200 vítimas se apresentaram. Deste total, 60 acusaram outras pessoas pelos ataques, e a imprensa britânica afirma que a Scotland Yard estaria prestes a efetuar as prisões dos acusados.

O escândalo motivou pedidos de reparação na Justiça. Duas supostas vítimas de Savile iniciaram processos referentes a ataques cometidos nos anos 1970 contra o espólio do apresentador. Outras quatro estariam prestes a entrar com ações. Quando morreu, Savile deixou patrimônio estimado em US$ 12,4 milhões. Parte da fortuna foi destinada a obras de caridade, que decidiram agora fechar as portas porque avaliaram que sua atuação ficaria vinculada ao escândalo. O dinheiro será destinado em sigilo a outras instituições.

Um dos advogados envolvidos no caso disse que se os recursos não forem suficientes as vítimas podem buscar compensação da própria BBC, do controlador da saúde pública e do Ministério do Interior.

Segundo relatos, Savile abusava de crianças doentes e deficientes no Stoke Mandeville Hospital em Berkshire, para o qual destinava milhões de libras e onde mantinha quarto próprio. O hospital diz não ter registro de queixas. Um antigo colega de Savile, o DJ Paul Gambaccini, acusou o apresentador de ser um necrófilo cujos parceiros sexuais eram “deficientes e menores de idade”.

– Ele mirava nos hospitalizados, e isso era conhecido. Por que visitava hospitais? É onde encontrava os pacientes.

Diante da sucessão de horrores, uma mulher que comprou um quadro do apresentador num leilão de caridade por 400 libras devolveu a pintura.

– Fique com o dinheiro, mas não quero o quadro.

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Prestes a assumir cargo no NYT, ex-diretor-geral se defende

O escândalo em torno dos casos de pedofilia envolvendo o apresentador Jimmy Savile colocou o “New York Times” e a BBC diante da difícil tarefa de cobrir o que acontece dentro das próprias redações, como observou ontem a ombudsman do jornal americano, Margaret Sullivan, em seu blog. Quando o “Newsnight” suspendeu em dezembro as investigações sobre as ações do apresentador, o diretor-geral da emissora era Mark Thomas. Em agosto, o “New York Times” anunciou a contratação de Thomas como presidente e executivo-chefe. Ele assume oficialmente no dia 12 de novembro.

Mas o escândalo levou a ombudsman do jornal a questionar a escolha do executivo e a instar o jornal a fazer uma cobertura ampla do episódio, lembrando que matar a história foi justamente o que “impugnou a integridade da BBC”. “Vale a pena considerar agora se ele é a pessoa certa para o trabalho”, escreveu.

Thompson alega que nunca foi informado oficialmente sobre a investigação conduzida pelo “Newsnight”. Em seu blog, a ombudsman comparou o cargo de diretor-geral de um gigante de mídia ao de um diretor-executivo de jornal. Ela explica que por conta da separação entre operações editoriais e de negócios nas redações, um diretor-executivo só costuma ficar a par de decisões editoriais quando elas podem ter implicações judiciais.

Thompson disse ontem que tem apoio integral do novo empregador e que o caso não deve impedi-lo de começar a trabalhar no próximo dia 12.

– Não acredito que haja qualquer coisa que tenha feito em relação a esse assunto que deva interferir de alguma forma na minha capacidade para o cumprimento das responsabilidades que terei no “New York Times” – disse.

Ele disse que só tomou conhecimento do caso por meio de uma conversa informal com uma repórter na festa de fim de ano da emissora, mas sem detalhes. O executivo relatou a conversa à administração da BBC e perguntou se havia algum problema. Thompson disse ter sido informado que a decisão de não publicar a história foi motivada por “razões jornalísticas”.