O ano está terminando, e a Argentina continua às voltas com dramas sociais como a insegurança, principal preocupação da população segundo pesquisas recentes, e a escalada da inflação, que deverá superar 20%. Essas são as dores de cabeça que sofrem a maioria dos argentinos. No entanto, para a presidente Cristina Kirchner e todo o seu gabinete, a prioridade nos últimos dois meses de 2012 será obter uma vitória contundente na disputa com o grupo de meios de comunicação Clarín, o mais importante do país. Enfraquecer o Clarín – conseguir que o grupo seja obrigado a vender dezenas de licenças de rádio e TV aberta e a cabo – tornou-se uma das maiores obsessões da presidente argentina.
Bloqueio de contas é opção
Sem adversários de peso na oposição, Cristina, seus ministros, secretários e membros de movimentos políticos como o Unidos e Organizados – integrado por ultracristinistas –, dedicam-se a reforçar estratégias para enfrentar o que consideram seu maior adversário. Na prática, isso significa fazer tudo o que estiver ao alcance do governo, incluindo pressões sobre a Justiça, para garantir que a partir de 7 de dezembro o grupo seja obrigado a adequar-se à Lei de Serviços Audiovisuais, aprovada no Congresso em 2009 e, desde então, questionada pelo Clarín na Justiça.
O já famoso 7-D será um dia glorioso, dizem os kirchneristas. Em 22 de maio, a Corte Suprema de Justiça determinou que nesse dia entrará em vigência o artigo 161 da polêmica lei, que prevê um “processo de desinvestimento” para que todos os grupos com operações no país respeitem as novas regras, entre elas, as que limitam a quantidade de licenças permitidas por empresa. Antes, era possível ter uma licença de TV a cabo em cada cidade do país – até 2.200 licenças por empresa. Com a nova lei, o limite caiu para 24, e o grupo Clarín tem hoje mais de 250. A mudança também impede que uma empresa possa administrar, na mesma cidade, uma TV aberta e outra a cabo. Ou seja, em Buenos Aires, o grupo deverá optar entre o canal 13, um dos líderes de audiência, e a Cablevisión, que controla quase 60% do mercado de TV a cabo nacional.
A meta do governo é clara: acabar com o que chama de um “monopólio midiático” que todos os dias transmite, segundo afirmou a própria Cristina, “a rede nacional do desânimo”. Em conversas informais, funcionários da Casa Rosada admitem, sem rodeios, as intenções do Executivo.
– A partir do dia 7 de dezembro, se o Clarín não respeitar a lei estará atuando na ilegalidade, e só um golpe de Estado poderá salvá-lo – diz uma fonte kirchnerista, que pediu anonimato.
Em meio a fortes rumores sobre a possível intervenção estatal em empresas do grupo, a fonte afirmou que “não passa pela cabeça do governo implementar uma intervenção física, enviando forças de segurança para ocupar meios de comunicação”. Como seria uma intervenção não física?
– Existem várias alternativas, por exemplo, a de bloquear contas bancárias – revelou.
Nos corredores do Clarín, o clima é de absoluta incerteza sobre o futuro de suas empresas. Nem mesmo as mais altas autoridades dos principais canais de TV e jornais do grupo sabem o que acontecerá a partir do 7-D. A decisão, até lá, é continuar esperando que a Justiça determine se os artigos questionados são ou não inconstitucionais. Para o Clarín, eles violam direitos adquiridos – várias licenças foram renovadas por dez anos em 2005, no governo do ex-presidente Néstor Kirchner.
Nas últimas semanas, diversos juízes designados para atuar no processo iniciado pelo grupo em 2009 foram afastados ou renunciaram. No Congresso, deputados da oposição acusaram a Casa Rosada de exercer fortíssimas pressões sobre os magistrados para obter uma resolução contra o Clarín. Paralelamente, a bancada kirchnerista no Senado conseguiu avançar na discussão sobre um projeto de lei que, se aprovado, deixará a decisão final sobre a constitucionalidade ou não dos artigos nas mãos da Corte Suprema. O projeto, que será votado na próxima quarta-feira no Senado, estabelece um mecanismo que permitirá ao Executivo pedir a ação da Corte Suprema em processos que representem “riscos institucionais”.
O kirchnerismo já está organizando festivais populares e manifestações em todo o país para comemorar um triunfo que, para o governo, será histórico. A campanha contra o Clarín começou em 2008, quando a Casa Rosada acusou o grupo de favorecer os produtores rurais em meio a uma onda de protestos que paralisou o país durante meses. Antes de morrer, o ex-presidente Kirchner (2003-2007) declarou que o relacionamento entrou em crise anteriormente, quando seu governo negou ao grupo a possibilidade de investir no mercado telefônico. A realidade é que há quatro anos o Clarín tornou-se inimigo público da Casa Rosada e da família Kirchner. A queda de braço está entrando na reta final – e o governo parece perto da vitória.
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[Janaína Figueiredo é correspondente de O Globo em Buenos Aires]