Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jorge da Cunha Lima

‘Uma história da corrupção republicana brasileira, se escrita, haveria de nos surpreender com esse modelo instaurado sob o guarda-chuva do PT. É inédito e digno de ser avaliado.

Vejamos. Adhemar de Barros fazia da corrupção uma estética populista, tanto é que ele próprio estimulou a divulgação da máxima: rouba, mas faz. Pessoalmente não ligava para dinheiro -guardava um bom volume dele num cofre no apartamento da amante. Era um tempo romântico, no qual os militantes revolucionários roubaram o cofre para financiar a guerrilha.

Os militares, se roubaram muito, é difícil dizer. Sem uma imprensa livre, com o Parlamento calado e os títulos voando livres, ao portador, como pegar o ladrão? Mas, se é verdade o que Montoro repetia a toda hora, ‘o poder corrompe, mas o poder absoluto corrompe absolutamente’, não foi um período de santidade moral. Não combateram a corrupção, não fizeram nenhuma reforma substancial dos Poderes.

Já Collor, o protótipo mais afoito da categoria corrupto, roubava para fortalecer uma oligarquia de poder regional, deslumbrada com o dinheiro em si mesmo. Amealhar recursos indevidos era uma finalidade. Conta a lenda que o primeiro bilhão foi comemorado com festas inesquecíveis. Gostavam do poder e do espetáculo do poder, e tinham a ingenuidade de não esconder a volúpia consumista, com relógios Brightling, cascatas domésticas, os abomináveis jet-skis, BMWs e roupas, que só bem mais tarde seriam expostas num incrível templo de consumo edificado na marginal do poluído rio Pinheiros.

Houve modelos que se sucederam, quase todos contemplando o enriquecimento pessoal, embora sempre com o pretexto das campanhas eleitorais. Recolher para campanhas tornou-se virtude do coletor bem relacionado e bem credenciado para as retribuições.

O que se está vendo hoje nos depoimentos espontâneos aos órgãos de imprensa, nos depoimentos compulsórios das comissões de inquérito e das CPIs, além das denúncias patrióticas ou vingativas, é o surgimento de um novo modelo de corrupção: uma corrupção estrutural que visa municiar um aparelho partidário para que atue com tranqüilidade no poder e permaneça nele indefinidamente. Enfim, um plano com autonomia de vôo ilimitada.

No que aparentam as primeiras revelações, a sociedade, por meio de contratos de prestação de serviços, principalmente de empresas estatais, estava pagando um novo dízimo ao partido do governo e aos partidos aliados para garantir, ad aeternum, a governabilidade. É claro que, no fim da linha, sempre sobraria algum para o consumo conspícuo, porque ninguém é de ferro, mas a base da coisa não era essa. Partidarizar absolutamente o poder requer meios. Isso leva a três tipos de corrupção:

Preencher todos os cargos do governo com funcionários despreparados, mas fiéis ao projeto de poder.

Amealhar recursos, lícitos ou ilícitos, na maior quantidade possível e no menor tempo possível, para garantir a continuidade do poder.

E, talvez a pior das corrupções, trair a promessa feita ao eleitorado de promover o desenvolvimento, a justiça social, o fim da fome, o acesso ao conhecimento, à saúde, à informação, enfim, todas as campanhas do PT, até a derradeira que o levou ao governo da nação.

O Estado é a representação política da sociedade. Assim, como dizia o velho Ataliba Nogueira, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, não é um fim, é um meio. Não podemos, contudo, confundir meio com meios.

Para realizar suas finalidades, o Estado se compõe de Poderes -o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, dos quais os dois primeiros são constituídos a partir de mandatos eleitorais concedidos pelo voto popular, no sistema democrático de eleições livres e gerais. Em alguns países democráticos até os juizes são eleitos.

A rotatividade do poder é condição básica da democracia, mas não pensavam assim Franco, da Espanha, Salazar, de Portugal, Mussolini, da Itália, Hitler, da Alemanha, e Stálin, da Rússia, entre outros menos notáveis.

Dessa forma, querer confundir um instrumento do Estado com um instrumento de um partido, eliminando as fronteiras éticas e políticas entre governo, governantes, funcionários, fornecedores, empreiteiros, contratantes, cargos etc., é instaurar o pior tipo de corrupção, que é a traição ao sistema democrático. Esse sistema foi reconquistado com o maior sacrifício, por nós, pela sociedade brasileira e até mesmo por cidadãos citados nas denúncias.

Há, portanto, um trágico equívoco nisso tudo, de comezinha compreensão: a chegada ao poder não nos isenta de todos aqueles compromissos que dão sentido ao mandato, o mais elementar dos quais é a conduta ética.

Jorge da Cunha Lima, 73, jornalista e escritor, é presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e da Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais), e vice-presidente do Itaú Cultural.’



Guilherme Evelin

‘Motorista diz que levou US$ 200 mil ao PT goiano’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/7/05

‘O motorista Wendell Resende de Oliveira denunciou que, na campanha das eleições municipais, no ano passado, a deputada Neyde Aparecida (PT-GO), com quem trabalhava, mandou que ele viajasse de Goiânia a São Paulo para buscar um pacote com US$ 200 mil na sede do diretório nacional do PT. Ontem a deputada divulgou uma nota em que contesta o motorista e diz que vai processá-lo. A denúncia de Wendell foi publicada pelo jornal O Globo.

Na nota, Neyde admite que efetivamente mandou Wendell a São Paulo, em setembro de 2004, e que ele realmente deveria ir à sede do diretório nacional do PT, no centro de São Paulo, mas para buscar material de campanha, não dinheiro.

O deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da CPI dos Correios, disse que pedirá informações sobre o caso à Polícia Federal e ao Ministério Público Estadual de Goiás. ‘Mas, a rigor, não temos nada a ver com isso’, adiantou.

O presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), também tratou o caso com cautela. ‘Vamos avaliar se é o caso de convocar a deputada Neyde Aparecida, porque temos outras prioridades’, afirmou.

Segundo a deputada, seu ex-motorista tentou chantageá-la antes de conceder a entrevista a O Globo. ‘Nos últimos dias, o senhor Wendell fez contatos com meu escritório de Goiânia afirmando que estava passando por dificuldades e que a luz de casa estava cortada. Diante disso, assessores meus estiveram em sua casa, onde ele afirmou que estava recebendo oferta de até R$ 60 mil de órgãos da imprensa para dar entrevista sobre fatos que envolvessem a minha pessoa e o PT’, contou.

Segundo Neyde, Wendell abandonou o emprego de motorista depois que foi surpreendido fazendo um saque de R$ 400 na conta da deputada, em 15 de janeiro. ‘Tive conhecimento da referida operação ao conferir o meu extrato bancário. Como eu não havia ido ao banco naquele dia solicitei, ao meu gerente, a apuração dos fatos. Dias depois, ele forneceu dados e apresentou a fita da câmera de segurança de uma agência onde se via, nitidamente, o senhor Wendell Resende executando a operação de saque’, explicou ela.

Neyde conta ainda que Wendell teria abandonado o trabalho sem dar nenhuma explicação. ‘Não registrei o fato nos órgãos competentes naquele momento por considerar que Wendell me apresentaria explicações convincentes para seu ato’, insistiu.

PASSAGEM

A versão de Wendell é bem diferente. Ele contou que entre Goiânia e São Paulo ele viajou de avião, mas foi orientado a voltar de ônibus, para evitar que a revista policial no aeroporto detectasse o dinheiro – como, aliás, ocorreu ontem com um assessor de um deputado do PT.

Wendell exibiu a passagem de ônibus e um papel timbrado do gabinete da deputada, onde ela teria anotado à mão o endereço e telefones do diretório nacional do PT, no centro de São Paulo. Ele relatou que, ao chegar a Goiânia, entregou o pacote de dinheiro a um filho da deputada, que, segundo Wendell, encaminhou parte à campanha do tio em Quirinópolis (GO) e parte à campanha de Carlos Soares, irmão de Delúbio Soares – tesoureiro licenciado do PT -, que concorreu a vereador sem sucesso.’



Vera Rosa

‘‘Querem ver minha cueca?’, pergunta Suplicy’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/7/05

‘Acostumado a abrir o coração, o senador Eduardo Suplicy (SP) abriu ontem também sua carteira. Tudo para provar que não carrega grandes quantias em dinheiro. ‘Eu achei muito estranho aquele homem com aquela mala e a cueca cheia de dólares’, disse ele, ao chegar à reunião da executiva do PT.

Diante da curiosidade dos repórteres sobre quanto carregava no bolso, ele não teve dúvida. Sacou um bolo de notas amassadas, contou uma por uma e deu a resposta: ‘Noventa e cinco reais e algumas moedas’. Depois, meio sem graça, perguntou: ‘Vocês também querem ver a minha cueca?’

A gargalhada foi geral. Suplicy ficou vermelho. Explicou que no sábado tinha mais dinheiro na carteira, não na cueca. ‘É que eu estava em Buenos Aires e tinha US$ 300’, contou. O batalhão de jornalistas quis saber, então, o que o senador fazia na Argentina no dia da reunião do diretório nacional petista. Alguém adivinha?

‘Fui convidado para um debate no Centro de Políticas Internacionais sobre Renda Básica de Cidadania’, contou, numa referência ao tema que pontua todas as suas conversas. ‘Mas voltei a tempo para a reunião do diretório do PT. Vim direto do aeroporto para o encontro. Por isso, tinha os US$ 300.’

Suplicy disse nem imaginar o que José Adalberto Vieira da Silva, secretário de Organização do PT cearense e ex-assessor do deputado José Nobre Guimarães – irmão de José Genoino – fazia no aeroporto com tanto dinheiro: R$ 209 mil na mala e US$ 100 mil na cueca. ‘Nem sabia que numa cueca cabiam US$ 100 mil’, afirmou.

O vice-presidente do PT, Romênio Pereira, também estranhou a dinheirama. No hall do hotel onde se realizava a reunião do partido, Romênio acabou sendo alvo da curiosidade dos repórteres. Motivo: carregava uma mala marrom que parecia abarrotada. ‘E o que tem nessa mala?’, perguntaram os jornalistas. ‘Roupa para lavar’, respondeu Romênio, já cercado pelos fotógrafos. Antes de sair correndo para pegar um avião, com destino a Belo Horizonte, gritou para os repórteres: ‘E tem cueca também.’’