“Filho da puta”, “tomar no cu”, “maldita corporação” e “repugnantes oligarcas” são só algumas das fortes expressões que começaram a pipocar nos programas de TV voltados à política na Argentina.
A guerra entre o governo e a mídia independente se instalou com força na televisão, às vésperas do 7D, sigla dada pela Casa Rosada ao próximo dia 7 de dezembro.
O governo afirma que nessa data o grupo Clarín terá que se desfazer de parte de seus negócios, para se adequar à Lei de Mídia, que evita a concentração “monopolista” da propriedade de meios de comunicação.
O Clarín, que questiona a lei na Justiça, afirma ter mais prazo para apelar da decisão (leia texto à dir.).
O grupo possui dois canais com grande inserção, o TN (Todo Notícia), no cabo, e o El Trece, na TV aberta.
Jogo empatado
Os noticiários do canal 24 horas são abertamente tendenciosos e reforçam os aspectos negativos do governo Cristina Kirchner. As restrições ao dólar e as denúncias de corrupção recebem ampla e sensacionalista cobertura, assim como as pressões do governo contra o grupo.
Já o El Trece ataca com o programa “Periodismo para Todos”, um show político protagonizado por Jorge Lanata. O programa traz hilárias imitações de Cristina e de representantes do governo, ao lado de reportagens sobre o patrimônio dos Kirchner e denúncias de corrupção.
O governo responde por meio da programação da TV Pública (oficial) e de atrações em canais aliados ao governo e que recebem maciças quantidades de verba para publicidade.
O principal é o “6,7,8”, que debate a cobertura jornalística de fatos políticos e defende medidas do governo.
Kirchneristas até a medula, os debatedores dissecam as matérias do “Clarín”, expondo seus erros e elucubrando sobre suas motivações ao reportar certos fatos.
Também justificam as travas à importação impostas pelo governo, a Lei de Mídia, o fato de o governo não falar com a “mídia golpista” e atacam jornalistas críticos, trazendo a público informações sobre suas vidas íntimas.
O mais polêmico debatedor, Orlando Barone, critica a democracia, que diz ser uma “bandeira da direita” e, recentemente, defendeu uma ação da Triple A (força repressiva do peronismo), responsável pelo desaparecimento de uma jornalista que havia feito uma pergunta impertinente ao general Perón (presidente do país nos períodos 1946-55 e 1973-4).
Além do “6,7,8”, o governo responde via estratégias para tirar audiência do Clarín. No horário em que se exibe o programa de Lanata, apostam numa novela da Telefé, alinhada ao kirchnerismo, ou transferem partidas de futebol do campeonato nacional (também estatizado, o Futebol para Todos), por meio da TV Pública.
Por enquanto, o jogo está empatado. Lanata (com média entre 16 e 20 pontos no ibope), perde para a novela (média de 22), mas ganha em geral do futebol (entre 15 e 18, dependendo do jogo).
Vias de fato
O El Trece resolveu estender seu programa de uma para duas horas, para garantir uma alta audiência até pouco depois da meia-noite.
Para o sociólogo Martín Becerra, a televisão hoje é “uma réplica do nível acentuado de conflito entre Clarín e governo e dos humores que dividem a sociedade argentina”.
Becerra diz à Folha que “formaram-se dois discursos muito fortes e ambos estão refletidos no formato e na linguagem dos programas”.
Já o jornalista Jorge Lanata crê que há um aspecto positivo na disputa. “As pessoas perderam o medo e estão discutindo questões importantes sobre a mídia e sobre o papel do jornalismo. A parte ruim é que a agressividade, em algum momento, pode transportar-se do discurso às vias de fato, isso é preocupante.”
A Folha tentou comunicar-se com a TV Pública e com o programa “6,7,8”, para ouvir seus representantes. Não houve resposta.
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[Sylvia Colombo, da Folha de S.Paulo em Buenos Aires]