Foram necessárias décadas para Jimmy Savile tornar-se uma “instituição nacional” amada no Reino Unido, mas apenas poucas semanas para seu fantasma corromper uma outra instituição. No dia 3/10, um documentário exibido na ITV mostrou entrevistas com diversas pessoas que disseram terem sido abusadas quando crianças, nos anos 1960 e 70, pelo apresentador da BBC, que faleceu no ano passado.
O caso sacudiu a rede britânica. Gerentes alegam que não sabiam dos abusos – alguns teriam supostamente sido cometidos nas dependências da rede. Trevor Sterling, do escritório de advocacia Slater & Gordon, que representa 30 vítimas de Savile, disse que funcionários da BBC chegaram a levar crianças para o camarim do apresentador, onde supostamente eram cometidos os abusos. “Há uma associação dessas pessoas com essa atividade – não se sabe ainda se tinham conhecimento do que acontecia ou fingiam não ver. Mas é certo que não tiveram a coragem de desafiá-lo, pelo fato de ele ser quem era”, afirmou.
A polícia está investigando os casos relacionados a Savile e outros na Operação Yewtree. Até agora, 130 vítimas foram entrevistadas e 114 relatos de abuso sexual foram identificados – desde toque não apropriado a estupro. Uma resposta tardia e absurda da BBC jogou luz na inabilidade da corporação em lidar com a crise, expôs falhas em sua burocracia e gerou dúvidas sobre o vigor de sua governança corporativa. A rede está lutando tanto internamente quanto com o governo.
Programa cancelado
O que deu início às críticas foi o fato de não ter ido adiante uma investigação do programa Newsnight sobre os supostos abusos de Savile. Quando o material foi entregue a Peter Rippon, editor do programa, em novembro do ano passado, ele inicialmente demonstrou entusiasmo, mas depois decidiu cancelar o programa, por razões não esclarecidas. Um dos jornalistas que entrevistou algumas das vítimas de Savile alegou que a intervenção foi resultado de uma “longa cadeia política” de influência no departamento de notícias da BBC. Com isso, a rede perdeu a oportunidade de expor os crimes de Savile antes de o caso vir à tona. No lugar do programa, a BBC chegou a exibir uma homenagem de Natal ao falecido apresentador.
Cadeia de críticas
Em uma apresentação nada confortável diante do comitê de cultura do Parlamento britânico, na terça-feira (23/10), George Entwistle, novo diretor-geral da BBC, admitiu que em seu cargo anterior como presidente da Vision, braço de TV da BBC, não perguntou sobre a natureza do programa quando um colega lhe disse que sua exibição poderia atrapalhar a programação natalina e que seria melhor cancelá-la. Tampouco perguntou por que o programa nunca havia ido ao ar. Quando tornou-se diretor-geral, ele não procurou saber mais sobre o caso.
O imbróglio está crescendo. Mark Thompson, predecessor de Entwistle, que deve assumir seu novo cargo no New York Times em novembro, está sob críticas por ter falhado em seguir adiante a investigação do Newsnight sobre Savile, mesmo com um jornalista tendo lhe informado sobre o caso. Rippon já se afastou depois que imprecisões sobre o episódio foram reveladas em seu blog. Outros executivos devem fazer o mesmo.
Cadeia de problemas
Nenhuma emissora está livre de escândalos. Mas o crescimento da camada de gerências e feudos rivais na BBC mostrou-se um grande problema. Entwistle, por exemplo, era contrário a investigar decisões que envolviam Helen Boaden, diretor de notícias e também candidata ao cargo de diretor-geral. Essa situação não é exclusiva de empresas com financiamento público. A News International, de Rupert Murdoch, custou a admitir o escândalo dos grampos. A BBC, entretanto, tem um complicador extra: depende da boa vontade dos governos para manter uma taxa de licença que seja suficiente para pagar por suas atividades.
A secretária de Cultura, Maria Miller, já sugeriu que o conselho da BBC seja mais efetivo em investigações críticas internas. Lord Chris Patten, presidente do conselho, respondeu dizendo que o governo deve ficar afastado da atuação independente da emissora. Britânicos confiam mais na BBC do que em qualquer outro veículo, mas a revelação súbita de tantas falhas é altamente prejudicial a essa confiança. Informações de Robert Budden e Helen Warrell [Financial Times, 26/10/12] e daThe Economist [27/10/12].
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