“Os leitores do PÚBLICO ficaram a saber, por uma notícia publicada no passado dia 17, que 'já fecharam 14 mil empresas este ano' e que 'a criação de novos negócios caiu 15%'. Foram estas as duas ideias escolhidas para o título da peça que ocupava a página 15 dessa edição, e a primeira foi igualmente destacada em chamada de primeira página.
O texto em causa, assinado pela jornalista Raquel Almeida Correia, e acompanhado de uma infografia de fácil leitura, retratava a situação da economia portuguesa através dos indicadores disponíveis sobre criação e encerramento de empresas, e os números que referia estavam longe de se resumir aos que foram citados nos títulos. Mostravam também, por exemplo, que no período considerado (Janeiro a Setembro deste ano) o saldo entre abertura e fecho de empresas continuava a ser positivo — o que aliás era referido na chamada de capa e no pós-título da notícia.
Dois leitores criticaram o ângulo escolhido pelo PÚBLICO para noticiar estes dados, e sobretudo os títulos utilizados, alegando que a ênfase não deveria ter sido colocada na informação 'negativa' (o fecho de empresas), mas no aspecto 'positivo' (mais empresas criadas do que extintas).
João Caiano, do Porto, pergunta 'se não existe uma intenção deliberada de lançar sistematicamente notícias negativas'. 'Lendo com atenção', escreve, 'verificamos que em 2012 já foram criadas 22.095 empresas, entre Janeiro e Setembro, ou seja, mais do que em 2009 e sensivelmente o mesmo que em 2010. O saldo líquido é claramente positivo (…), o que de facto é notável e deveria ter sido alvo de maior destaque'. Na sua opinião, a jornalista deveria ter 'realçado a capacidade empreendedora dos empresários portugueses, que no cenário de crise actual têm a coragem e a ousadia de criar 22.095 novas empresas, fechando apenas 14.458″. No mesmo sentido se pronuncia Ricardo d’Azevedo, de S. Pedro do Estoril, para quem 'o título do artigo (…) procura manter a depressão dos portugueses, pois o que [se] deveria titular é que há um saldo líquido entre a extinção e a criação de empresas nos primeiros nove meses do ano'.
Em trabalhos deste tipo, que retratam com recurso a diversos indicadores uma realidade multifacetada, é comum surgirem críticas à ênfase colocada, sobretudo nos títulos, em aspectos considerados negativos, em detrimento dos que seriam positivos (ou vice-versa). São críticas que em muitos casos se limitam a reflectir os diferentes olhares e legítimas preferências de cada leitor, mas não dispensam a análise dos argumentos jornalísticos em que se fundamenta a escolha do ângulo privilegiado numa notícia.
Veja-se a explicação da jornalista, assente na tendência revelada pelos números: 'De facto, e tal como tem acontecido todos os anos, a criação de empresas supera o número de encerramentos. Mas titular a notícia dessa forma seria fazer uma análise simplista dos dados que recolhemos. Isto porque os registos referentes aos primeiros nove meses de 2012 (…) mostram uma inversão da tendência verificada no mesmo período de 2011. De Janeiro a Setembro de 2012, houve uma subida expressiva no número de dissoluções (33%), enquanto em 2011 se tinha verificado uma redução de 26% neste indicador, face a 2010. Além disso, em 2012 o número de sociedades constituídas caiu 15%. Em 2011, tinha-se registado um aumento de 18%'.
Raquel Almeida Correia refere ainda, como já o fizera no texto publicado, 'outro ponto importante, que justifica a escolha do ângulo subjacente à notícia': 'A subida no número de dissoluções é explicada, em grande parte, pelo acréscimo dos chamados encerramentos reais (ou seja, os que não são feitos por via administrativa nos serviços do Ministério da Justiça e que reflectem, de uma forma mais concreta, as dificuldades das empresas nacionais)'. Sublinha que 'o artigo não é omisso no que diz respeito ao saldo líquido entre a dissolução e constituição de sociedades', e que, se esse fosse o indicador mais significativo, 'teria sido esse o ângulo escolhido'. E dá uma última explicação para essa escolha, também presente no texto que assinou: 'Apesar de continuar a haver mais criação do que encerramento de empresas, a escalada do desemprego indicia que esta ‘substituição’ não está a compensar totalmente os postos de trabalho que se perdem com o aumento da dissolução de sociedades em Portugal'.
Julgo que a explicação é convincente. A opção de colocar em título o facto de ter havido nos últimos nove meses mais aberturas do que fechos de empresas não seria a mais acertada no plano jornalístico. Não se tratava de um dado novo, e seria desajustado enfatizá-lo quando esse 'saldo positivo', no que corre de 2012, representa afinal apenas metade do verificado no ano anterior. Na minha opinião, a notícia em causa é completa e bem contextualizada e o seu título decorre de uma interpretação adequada dos dados recolhidos.
Assinaturas em dia de greve
Chegaram-me no último fim-de-semana várias mensagens de leitores que fizeram questão de exprimir o seu apoio à greve levada a cabo pelos jornalistas e outros trabalhadores do PÚBLICO no passado dia 19, em protesto contra o anúncio do despedimento de 48 trabalhadores da empresa. Como se sabe, a paralisação registou uma adesão muito elevada, embora não tenha comprometido a publicação do jornal no dia seguinte, nem a actualização noticiosa da edição on line ao longo da jornada de greve.
O noticiário desse dia no site do PÚBLICO foi alvo da crítica da leitora Sofia Branco, que manifestou a sua 'indignação' pelo facto de várias notícias 'terem sido publicadas online com a assinatura colectiva ‘Público’'. A leitora, que é também jornalista, condena o recurso a 'assinaturas colectivas de textos em dia de greve', e argumenta que 'essa assinatura encobriu, no anonimato, os trabalhadores que optaram por não fazer greve, e teve como pretensão abafar a dimensão da mesma (dado que, se começassem a sair muitas peças com a mesma assinatura individual, se perceberia que não havia muitos trabalhadores ao serviço)'.
A directora do jornal, Bárbara Reis, dá outra explicação para o recurso a essa modalidade de assinatura de notícias. 'A assinatura PÚBLICO' — escreve —, 'usada em dias normais tanto no papel como no online (…), não é uma 'assinatura colectiva'. (…) Dá simplesmente a indicação ao leitor de que o conteúdo publicado — texto, fotografia, vídeo, desenho, gráfico, etc. — é um original do PÚBLICO, feito por um profissional do PÚBLICO. Não ‘abafou’, não quis ‘abafar’, nem podia ‘abafar’ a greve: nesse mesmo dia publicámos uma notícia no site na qual se dava conta da elevada adesão à greve e, no dia seguinte, na edição impressa, essa notícia foi publicada a duas colunas na secção Portugal e, na contracapa, a Direcção Editorial assinou uma nota na qual dizíamos, na primeira linha: ‘ontem, a maioria dos trabalhadores doPÚBLICO estiveram em greve’'.
'Os jornalistas que fizeram o jornal nesse dia' — prossegue a directora —, 'tiveram a opção de assinar ou não os seus trabalhos. Em muitos casos, quem escreveu sobre temas sobre os quais habitualmente escreve, publicou a assinatura. Quem, pelo contrário, escreveu sobre áreas que habitualmente não cobre, escolheu não assinar. Mas pela razão oposta à apontada pela ex-jornalista do PÚBLICO Sofia Branco: por respeito para com os colegas que, no dia-a-dia, assinam sobre esses temas'.
Como recordei na minha crónica anterior, as normas editoriais do PÚBLICO indicam que todos os textos publicados, à excepção de notícias de menor dimensão, devem ser assinados por quem os redigiu. São regras que valorizam a transparência e a responsabilização dos autores, mas que nem sempre são aplicadas, como deveriam ser, na edição on line, onde aparecem com frequência peças subscritas 'porPÚBLICO'. E essa menção é naturalmente lida como uma 'assinatura colectiva', no sentido em que responsabiliza o jornal no seu conjunto, independentemente de na sua elaboração terem estado envolvidos um ou mais profissionais.
Ao longo do dia 19, o recurso a essa forma despersonalizada de assinatura terá sido ainda mais forte, tendo aliás alastrado, de um modo que julgo não ter precedentes, a um número significativo de páginas da edição em papel do dia seguinte. Sendo óbvio que essa anomalia resultou de uma decisão específica sobre a elaboração do jornal em dia de greve, parece-me legítima a leitura de Sofia Branco quanto ao recurso ao anonimato por parte de alguns redactores. Ainda que o tenham feito pelo motivo apontado por Bárbara Reis, o efeito objectivo dessa opção é o que foi apontado.
Discordo, no entanto, da interpretação de que se procurou, com esse procedimento, 'abafar a dimensão da greve'. Na verdade, como salienta a directora , o PÚBLICO deu a esse respeito informações claras, imediatas e devidamente destacadas. Não foi escondida aos leitores a adesão generalizada à paralisação, nem as circunstâncias em que o jornal foi produzido. E se neste ponto os responsáveis editoriais não fizeram mais do que o que lhes impunha a obrigação de lealdade para com os leitores, o facto deve ainda assim ser saudado, por não corresponder, infelizmente, ao que é habitual em situações semelhantes.”