Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

JN e Alckmin: assim é, se lhe parece

Após a edição do Jornal Nacional que foi ao ar na noite de sexta-feira (8/9), não há como ignorar o conteúdo do artigo publicado neste Observatório pelo articulista Venício A. de Lima (“A candidatura de oposição e a TV Globo”).

Destacando uma passagem do livro de Eduardo Escolese e Leonencio Nossa – Dois repórteres no encalço de Lula, da editora Record –, o autor aponta um trecho “que não recebeu atenção dos colegas de Scolese e da nossa grande mídia”. Cita textualmente aquilo que os atores do campo jornalístico não julgaram, ou preferiram não julgar, relevante: o saldo de uma conversa entre líderes do PFL e o principal executivo das Organizações Globo, João Roberto Marinho.

“O dirigente da poderosa TV Globo afirma aos líderes do PFL que um segundo mandato de Lula poderá levar o país a uma situação caótica. E admite que prefere Geraldo Alckmin a José Serra na cabeça de chapa da oposição”.

O primeiro bloco da edição de sexta do principal telejornal da emissora deixou evidente que aquela não foi uma conversa fortuita, perdida num distante 20 de julho de 2005. Totalmente editorializada, a reportagem que a Globo apresentou aos telespectadores mostra, de forma irrefutável, que, mais uma vez, os veículos das organizações se envolveram politicamente no processo eleitoral. É um envolvimento histórico, que parece residir no DNA da família Marinho.

Relatando as desventuras da Caravana JN em trecho da BR-316, “a pior estrada do Brasil segundo o Departamento Nacional de Infra-Estrutura (Dnit)”, a equipe entrevista caminhoneiros que imploram aos gritos: “Mostra a vergonha do Brasil”, “Mostra onde foram parar nossos impostos”. E o doublé de jornalista e apresentador de reality show Pedro Bial capricha na entonação indignada: “Olha as placas de sinalização, os olhos de gato, as faixas no asfalto. Olha o asfalto. Olha a única estrada federal que liga o Maranhão ao Pará”. Espantoso é o espanto dos editores. Será que foi na matéria que, finalmente, descobriram a estrada, o Maranhão e o Pará?

Em seguida, a apresentadora Fátima Bernardes diz que repórteres da TV Globo apuraram que “um dos maiores absurdos dessa situação é a variedade interminável de impostos, de taxas e de contribuições gulosas que todo cidadão é obrigado a pagar com a desculpa de que o dinheiro será usado na conservação das estradas e das ruas”. O ministro Marcos Villaça, do Tribunal de Contas, é ouvido e diz que vai cobrar.

Muito bem, não faltarão objeções ao teor deste pequeno texto. O que o JN produziu foi bom jornalismo, dirão alguns. Cumpriu com excelência o papel de fiscalizar os poderes públicos e não encobrir as mazelas da administração federal. Será isso mesmo ou o que foi ao ar não passa de pura propaganda ideológica em favor da candidatura Alckmin na reta final da campanha? A imensa malha rodoviária estava melhor em 1998, quando FHC se lançou candidato à reeleição? Aliás, como a Globo e outros veículos enquadraram os problemas do país àquela época?

Flamingos africanos

Quem se dispuser a pesquisar edições anteriores do OI pode ter uma grata surpresa. Na edição nº 54, de 5 de outubro de 1998, Victor Gentilli fazia um balanço da cobertura jornalística (“Uma eleição presidencial sem reportagem”):

“Esta campanha foi atípica por vários motivos. Primeiro, a reeleição, não prevista quando da primeira eleição de Fernando Henrique em 1994, poderia transformar este pleito de 1998 num plebiscito do governo, suas propostas, o Plano Real e suas conseqüências. Mas a ausência de desincompatibilização levou os jornais a cobrirem o governo e a campanha eleitoral como duas coisas distintas. E descontextualizadas uma em relação à outra. Se a opção era o silêncio programático, os jornais evitaram abrir discussão sobre os programas de cada candidato. Mostrar vantagens, desvantagens, interesses etc.. Mas o que faltou mesmo foi jornalismo”.

E, Gentilli vai ao alvo:

“O Jornal Nacional fez muito menos do que a obrigação. Quando cobria o processo sucessório, o fazia sem destaque, o mais limitado e sintético possível. A pesquisa encomendada pela Rede Globo em parceria com o jornal O Estado de S.Paulo simplesmente foi ignorada pelo Jornal Nacional, no dia 24 de setembro: o resultado indicava dois pontos positivos para Lula e dois pontos negativos para Fernando Henrique em relação à sondagem anterior.”

Destaque-se que nunca o noticiário global deu tanto espaço ao império gelado do Ártico, às águas profundas do Pacífico Sul, à dança dos flamingos em lagos africanos e ao mico-leão dourado. Excelente jornalismo ecológico. Tudo que interessa ao cidadão em período de eleição presidencial.

Oponente descortês

O que terá havido agora? Uma inflexão? Uma expressa vontade de mudança editorial? Assim é, se lhe parece. A noite de sexta mostrou que não há dia preciso para propaganda do candidato do PSDB. E ele sabe que conta com bons aliados para evitar a derrota no primeiro turno.

Na edição de sábado (9/9), a Folha registrou que…

“…correndo contra o tempo para tentar reverter a vantagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa pela Presidência, o tucano Geraldo Alckmin cancelou compromissos de campanha em São Paulo ontem para, ainda na madrugada, lançar-se em uma empreitada: interceptar a caravana do Jornal Nacional (TV Globo) e gravar um programa eleitoral naquela que é considerada a pior estrada do país”.

Não conseguiu encontrar a equipe que lhe proporcionou uma pauta providencial, mas não faltarão ocasiões para agradecer o presente. Afinal, trata-se de um homem de educação refinada. Completamente diferente do seu oponente que, descortês, falta ao que a emissora chama de “debates televisivos”. E assim é, se lhe parece.

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Professor-titular de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro