Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Caravana JN, pauteira da campanha

Todo mundo sabe: falar de estrada esburacada, no Brasil, é chover no molhado. Afinal, historicamente, temos o quilômetro de asfalto mais caro que se conhece, por conta de inúmeros desvios no caminho – das verbas, claro. Mesmo sabendo da roubalheira, ninguém jamais se dispôs, de verdade, a acabar com ela. Criticar governos por conta da má conservação das estradas durante campanhas eleitorais é, portanto, chutar cachorro morto: não muda nada. Mas sempre pode render uns votinhos.

Então, não é preciso ser nenhum Duda Mendonça para perceber a oportunidade oferecida pela Caravana JN naquela estrada remota do Maranhão, na semana passada. Depois de ser assunto por dois dias no telejornal líder de audiência em todo o país, houve tempo suficiente para que o candidato de oposição e sua entourage se deslocassem para o palco rodoviário da notícia. Foram lá só para chutar o cachorro morto, em horário nobre espontaneamente cedido pela TV Globo.

Enquanto isso, o candidato da situação, informado a tempo da investida do adversário, tratou de reagir, defendendo-se previamente. Um mea-culpa, em que aproveitou para acusar o antecessor de já ter matado o cachorro, antes, ao longo dos oito anos de descaso com a conservação das rodovias federais que não privatizou. Na verdade, o atual governo acabou se metendo num beco sem saída. Se não tivesse feito nada, há alguns meses, para minimizar o mau estado das rodovias, teria sido omisso. Ao fazer uma operação tapa-buracos emergencial, a toque de caixa, foi acusado de imprevidente e irresponsável. Acabou enredado, entre o malho e a bigorna.

Se a campanha eleitoral vinha em um ritmo morno e previsível, talvez esquente um pouco a partir de agora, para a felicidade de marqueteiros desnorteados com os números quase estáticos das últimas pesquisas eleitorais.

Conta simples

Mas não dá para não comparar: se, em passado recente, uma edição claramente tendenciosa do debate Lula x Collor, pelo Jornal Nacional, influiu diretamente no resultado final da eleição, agora, uma pauta tão oportuna oferecida à candidatura de oposição levanta novas suspeitas sobre possíveis interesses da maior rede de comunicação do país.

Ver a eleição presidencial ser decidida já, sem um segundo turno, impediria a realização de um futuro debate entre dois candidatos finalistas – formato mais palatável à TV Globo do que o modelo com vários candidatos numa mesma arena, usados pela TV Bandeirantes e outras. Além disso, como todo candidato quer ser visto no canal aberto de maior audiência, a Globo ficaria bem mais à vontade para impor condições e garantir o espetáculo da notícia e a consolidação de sua liderança no ibope.

A conta é simples: mais ibope, mais patrocinadores, maior faturamento. O prejuízo, mais uma vez, é do telespectador, do eleitor, do cidadão. O quanto custa uma estrada esburacada neste país…

******

Jornalista, escritor e dramaturgo, Belo Horizonte