O mundo está cada vez mais complexo. Os velhos modelos de abstração não conseguem dar conta da crescente sofisticação e interligação dos sistemas digitais. De uma rede de comunicação global, a internet evoluiu para uma espécie de memória coletiva, a que boa parte dos processos é delegada. Smartphones, computação em nuvem e internet das coisas, cada vez mais familiares, mensuram cada transação e, por meio da compilação de dados, definem quem é você, o que faz e onde passa a cada instante.
Big Data, quem diria, pode transformar as ciências humanas. Ao simular a complexidade social a partir de regras simples, como é feito em meteorologia e macroeconomia, computadores descobriram que o comportamento humano pode ser previsível, já que é derivado de opções limitadas pelos ambientes coletivos. Por mais que o livre arbítrio tente provar o contrário, o estado de um indivíduo conectado depende cada vez mais dos estados de seus vizinhos e das regras que determinam como ele deve responder a eles.
A norma, válida para organismos, ecossistemas e redes de tráfego, se mostra cada vez mais aplicável a fenômenos sociais. Mesmo que, em grandes grupos, as relações humanas deem a impressão de uma enorme complexidade, modelos matemáticos conseguem decifrar resultados que se sustentam independentes dos detalhes de seu ambiente.
Novo iluminismo
A base teórica de sistemas que partem de regras simples para chegar a resultados complexos é conhecida há algum tempo, mas a interação entre os elementos era tanta que não havia como computá-la. Hoje esse cenário está mudando. Cientistas como Stephen Wolfram e laboratórios como o MIT Connection Science propõem uma integração da teoria de redes, computação e ciências comportamentais para propor novos modelos de fluxo de informação e influência em redes sociais, sejam elas digitais ou não.
Isso dá aos paranoicos bastante combustível, prevendo um futuro que materialize “1984” e “Minority Report”, por mais que essa hipótese já tenha se mostrado improvável. As descobertas geradas pelas bases de dados apontam na direção contrária, em que por mais que as interações possam ser calculadas, elas dependem de variáveis extremamente complexas e interativas. Isso ajuda a compreender por que a visão excessivamente racional que se tinha do futuro -o admirável mundo novo- seria difícil de concretizar em ambientes dinâmicos, incompletos, orgânicos, repletos de interações. Os ideais iluministas de racionalismo, empirismo e universalismo eram reduções, incapazes de captar a psique humana e seus extremos.
Por melhor intencionados que estivessem Spinoza, Locke, Voltaire e Diderot, a ideia de organizar o espaço social não poderia ser tão simples. Já naquela época, Goethe e o grupo Sturm und Drang queixavam-se que as restrições e a constância do racionalismo não seriam suficientes para administrar a subjetividade individual e a emoção. Ao opor indivíduo criativo e escravo do racional, ela antecipava em 250 anos um conflito de interesses muito similar ao que se vê hoje.
Estamos a caminho de um novo iluminismo, uma ciência ao mesmo tempo abstrata e sistemática. Ela deverá nos ajudar a entender enigmas que até há pouco eram restritos à filosofia, sociologia, epistemologia e linguística e, por meio de simulações, formular hipóteses sem precedentes na história das ciências.
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[Luli Radfahrer, colunista da Folha de S.Paulo]