‘Quem não gostou da vitória do deputado Severino Cavalcanti teve, pelo menos, a terça-feira inteira para digeri-la. O resultado saiu de madrugada. Os jornais, um pouco mais cedo. E, sendo desprezível o risco de acordar numa casa onde se discute a presidência da Câmara, deu para tomar tranqüilamente o café-da-manhã lendo páginas e mais páginas de comentários sobre a eleição suada, mas protocolar, logo presumível, do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, candidato do governo.
Greenhalgh perdeu. Mas sua eleição ganhou um dia extra na imprensa, graças a uma patente mundial do jornalismo brasileiro. Aqui, a cobertura política, instalada nas primeiras páginas de todas as edições como um ato de resistência à falta de notícias parlamentares no regime militar, supera em tamanho os acontecimentos que a povoam. Atravessa recessos sem perder uma linha de espaço editorial. E quer ser mais séria do que seus personagens.
Resultado: olha de cima o deputado Severino Cavalcanti e, dessa perspectiva, acha que ele faz parte do baixo clero. Ora, se a maioria absoluta que acaba de elegê-lo presidente da casa é o baixo claro, qual é alto? Muita coisa pode estar mudando em Brasília. Mas os verbetes de dicionário ainda devem valer na capital da República. E eles definem baixo clero, em organizações laicas, como ‘grupo de menor projeção’.
Virou maioria, é outra coisa. Nos próximos dois anos, será oficialmente a cara da nova cara da Câmara. E vice-versa. Em ambos os casos, não quer mais dizer nada. Como avisou o cientista político Sérgio Abranches, semanas antes da eleição, ‘o baixo clero hoje está cheio de petistas, comunistas e socialistas, saídos das urnas de 2002’.
Ganhou um baixo clero que pode não ter opinião, mas sabe exatamente o que quer. Por exemplo, a equiparação dos parlamentares com ministros do Supremo Tribunal Federal, para aumentar seus vencimentos básicos de R$ 12.720 para R$ 21.500, o que levará o custo mensal de um deputado para mais de R$ 100 mil por mês.
Dito assim, pelo deputado Severino Cavalcanti, parece feio. Mas, na prática, era mais ou menos o que todos os candidatos prometiam, com mais ou menos firula. O deputado Severino Cavalcanti não nasceu ontem. Tem 40 anos de estrada. Bateu vários recordes como campeão das miudezas que elevam e consolam a vida parlamentar.
É tão popular na casa que, como segundo-vice-presidente, pelo menos duas vezes teve mais votos do que um presidente da Câmara. Recebeu 323 votos para a segunda-vice-presidência, quando o deputado Milton Temer levou a presidência com 257 votos em 1997. E 424 em 1999, quando Temer teve 422. Em 2001, pegou a primeira-secretaria com 257 votos. Tudo como ‘rei do baixo clero’ que, como se vê, há muito tempo está por cima.
*Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)’
Luiz Carlos Santana
‘A política real driblou a mídia’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 28/02/05
‘A eleição de Severino Cavalcanti para presidente da Câmara dos Deputados revelou que a cobertura política precisa, no mínimo, passar por uma reciclagem. Pauteiros, editores, comentaristas e especialistas de plantão se esqueceram da velha máxima de que resultado de eleição secreta é como se dizia antigamente quanto ao sexo de criança ainda no ventre materno: só se conhece depois de aberta a urna. A tentação de antecipar quem seria o eleito levou muitos experientes profissionais da crônica política a uma das maiores barrigas da história do jornalismo brasileiro.
O exemplo mais notório foi o do debate na Rádio CBN entre os deputados com maiores chances de vitória. O premiadíssimo jornalista Heródoto Barbeiro foi especialmente a Brasília e mediou o encontro entre os candidatos: o oficial do PT e do Planalto, Luiz Eduardo Greenhalgh, o rebelde traído do PT, Virgílio Guimarães, e, como contraponto – afinal, é imprescindível ouvir o outro lado, pelo menos para aparentar neutralidade -, o líder do PFL, José Carlos Aleluia. O problema é que deixaram de lado os outros dois candidatos: Severino Cavalcanti, rotulado de corporativista, e Jair Bolsonaro, que só merece alguma atenção da mídia pelo extremismo das suas posições. Deu no que deu: os ‘eleitos’ do debate perderam a eleição real.
A mesma situação ocorreu em outros veículos. Não tão explicitamente como no caso do debate da CBN, mas demonstrando que a cobertura da eleição da mesa da Câmara estava permeada por uma postura até certo ponto arrogante, que insistia em desprezar qualquer outro resultado que não fosse o que interessava ao partido dos eventuais ocupantes do Palácio do Planalto. A prepotência, característica tangencial dos gatekeepers da nossa imprensa, fez com que a prudência e a ética jornalística fossem suplantadas pela lógica do rolo compressor que vem marcando a prática do Poder Executivo em relação ao Legislativo, na história política brasileira.
Acordos de cúpula
É surpreendente que profissionais vividos tenham se esquecido de que a política, além de uma ciência, é uma atividade humana. Portanto, não é possível enquadrá-la cabalmente na lógica matemática das probabilidades. Apesar das grandes discussões atualmente serem ambientadas pela mídia, a realidade da articulação política – em especial a que se desenvolve no âmbito dos parlamentos – ainda contempla a negociação de bastidores, a conversa ao pé do ouvido e outras circunstâncias menos visíveis que ajudam a decidir votações.
Outro erro é a insistência em chamar o grupo de deputados desprezados pelos jornalistas de integrantes do ‘baixo clero’. Um tratamento pejorativo que esconde um preconceito incompatível com o jornalismo ético. Quem pensa assim comete o grande equívoco de ignorar que o voto do líder do governo tem o mesmo peso do voto do representante dos eleitores de algum rincão brasileiro. Aliás, independentemente de qualquer juízo que se possa fazer do comportamento dos parlamentares, todos foram eleitos, têm a delegação de uma boa parcela da população, e deveriam ter o mesmo respeito por parte da imprensa em geral. Se há problemas no sistema político-eleitoral que possibilita a ascensão de oportunistas a todos os níveis do poder, isso é outra discussão, que deveria estar na pauta da mídia.
Vejamos, daqui para a frente, qual será a atitude dos representantes do ‘alto clero’ da cobertura política, depois da rasteira severina. A política brasileira é maior que os acordos de cúpula. Os tais especialistas da cobertura política deveriam ter sempre isto em mente.
(*) Professor universitário, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e jornalista da TV Senado’
A FOTO DE CHICO
‘Operação abafa’, copyright Folha de S. Paulo, 9/03/05
‘Em quatro décadas de carreira, o cantor e compositor Chico Buarque angariou uma enorme quantidade de fãs – e de amigos. Os fãs servem para comprar discos, consumir livros e pedir autógrafos. Já os amigos estão aí para dar uma mãozinha, principalmente os da imprensa. Na semana passada, eles tiveram oportunidade de oferecer seus préstimos a Chico Buarque, depois que as revistas Contigo!, da Editora Abril, e Quem, da Editora Globo, publicaram fotos em que o cantor aparece trocando carinhos fogosos com uma jovem morena (muito bonita, por sinal, prova de que, mesmo sessentões, os olhos verdes ainda arrasam corações). O casal flagrado pelos fotógrafos das revistas não estava num quarto, nem dentro de um carro ou atrás de uma moita. Estava ali, para todo mundo ver, em pleno mar do Leblon, no Rio de Janeiro, numa tarde ensolarada de sexta-feira. Como o personagem era Chico Buarque, a paisagem era bastante pública e a luz era diurníssima, era natural que o assunto ganhasse destaque também em outras publicações. Foi o que ocorreu entre os jornais e revistas que cumpriram com a função de informar seus leitores. Mas uma parte da imprensa resolveu omitir a existência das fotos – aquela parte em que Chico conta com grandes e poderosos amigos.
A operação abafa começou antes mesmo de Contigo! e Quem chegarem às bancas. Na terça-feira da semana passada, assessores de Chico puseram-se a telefonar para diretores e editores dos principais jornais e revistas, pedindo que eles não reproduzissem as fotos que sairiam no dia seguinte nas duas publicações. Mais: que ignorassem completamente o assunto porque a jovem e bela morena era uma mulher casada, mãe de dois (ou três) filhos e – pior – com um marido violentíssimo, disposto até mesmo a matar Chico caso as fotos fossem publicadas. O cantor estaria, inclusive, trancado em seu apartamento, com medo de sair às ruas, porque o sujeito, ao saber das fotos, não parava de ameaçá-lo.
É curioso que Chico Buarque não tenha se preocupado em evitar demonstrar todo o seu amor (ou pelo menos boa parte dele) por uma mulher casada, e com um marido bravo, no mar do Leblon, numa tarde ensolarada de sexta-feira. Também é curioso que, diante das intimidações do maridão enganado, não tenha decidido lavrar um boletim de ocorrência numa delegacia ou refugiar-se imediatamente em Paris, onde mantém um apartamento. Mas quem precisa de cautela quando se tem amigos? O Globo, por exemplo, um dos jornais que cobriram mais extensamente as confusões do casamento do jogador Ronaldo com a modelo Daniella Cicarelli, mudou de repente de linha editorial. ‘Não é o que o leitor procura para ler no jornal, por isso decidimos não publicar. Isso independe de ser ou não o Chico, faz parte da nossa linha editorial’, diz o diretor de redação de O Globo, Rodolfo Fernandes, freqüentador do campinho de futebol que Chico Buarque tem no Recreio dos Bandeirantes. A Folha de S.Paulo chegou a estampar a notícia em cerca de 20% da tiragem da edição de quarta-feira 2. Tirou-a do resto dos exemplares porque a operação terrorista de abafa dos assessores de Chico causou forte efeito sobre os editores de plantão. A Folha não comenta a decisão, mas é sabido que seu diretor, Otavio Frias Filho, não participou dela. Dos três grandes jornais brasileiros, só o centenário O Estado de S. Paulo informou seus leitores sobre o namoro de Chico Buarque – publicando, inclusive, uma das fotos na sua primeira página. ‘Não houve violação de intimidade. O Chico é uma pessoa pública e foi fotografado em um local público’, diz o diretor executivo do jornal, Sandro Vaia.
Os assessores de Chico também tentaram amedrontar as revistas Contigo! e Quem, dizendo que o cantor estava ameaçado de morte etc. Mas, é claro, a história não colou. ‘Pessoas como Chico Buarque são expostas à curiosidade pública e têm perfeita noção disso. Tanto que contratam empresas de gestão de imagem ou assessores de imprensa, como o faz, aliás, Chico Buarque. Se ele próprio não teve preocupação de se preservar, sendo fotografado à luz do dia, em um local movimentado, por que nós teríamos de preservá-lo?’, explica o jornalista Laurentino Gomes, responsável pela unidade de negócios que edita a revista Contigo!. Prepare-se, leitor, porque o episódio deverá causar entre jornalistas e ombudsmen mais uma daquelas discussões bizantinas sobre se a vida amorosa e familiar de celebridades deve ou não ser noticiada pela imprensa. Se o jornal que você lê concluir que se trata de uma invasão indevida na privacidade alheia, exija que ele cancele todas as colunas sociais e de fofocas. Também não admita que a publicação dê espaço no noticiário para tratar de assuntos como casamentos, namoros e separações. Seja rigoroso na fiscalização – e dê uma espiadinha na concorrência, para saber se Chico Buarque vai mesmo levar uma surra do maridão da bela e jovem morena do Leblon.’