“Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociaisdemocratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era socialdemocrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse. E não sobrou ninguém.”
Quando penso na lenta e triste agonia que culminou na morte do JT, ocorrida formalmente à meia-noite de quarta-feira (31/10), já que o dia de vida do jornal é sempre o dia seguinte, lembro do célebre poema do teólogo e pastor luterano alemão Martin Niemöller.
O JT morreu aos poucos, à medida que se afastou da sua essência de jornal inovador, criador e guardião do texto e zeloso de seus grandes profissionais, especialmente o repórter. Recordo com tristeza do breve período em que trabalhei no jornal e vi o grande Marcos Faerman ser considerado e chamado pelas costas – e às vezes pela frente também – de “dinossauro do jornalismo”. Um dos introdutores no país do new journalism, de Truman Capote, Tom Wolfe, Norman Mailer e Gay Talese, Faerman foi tratado com escárnio na era dos computadores e especialistas.
Marcão, como muitos outros, foi demitido. Aos poucos, o JT viu até mesmo grandes jornalistas que permaneceram na casa sucumbirem e silenciarem diante daqueles que diziam que o leitor não gosta de ler textos longos, que não era mais assim que se fazia o jornalismo…
Finalmente, levaram o JT
Nos últimos tempos, o JT não era mais o jornal que tanto admiramos. E que devoramos, apaixonadamente, com seus textos, fotos, ilustrações, gráficos e diagramação maravilhosa. Lamentamos e choramos que o JT morre agora, mas o fato é que o Projeto JT morreu há muito tempo. De certa forma, apesar de alguns bravos e ótimos profissionais que diariamente honravam o exercício da profissão, o JT morreu sem honra.
Aos poucos, sucumbiu aos medíocres.
Aos executivos.
Aos burocratas e “micreiros” que se dizem jornalistas.
Não dá para saber o que teria acontecido se o jornal tivesse mantido sua proposta e projeto iniciais.
Até mesmo porque, como disse um ótimo jornalista que até o fim trabalhou no jornal, “tem aquela coisa do enigma do Tostines: o JT perdeu público porque mudou ou mudou porque perdeu o público?”
Talvez o final chegasse até mais rapidamente.
Mas até o fim teria sido o grande JT. O Herói da Resistência do bom jornalismo. Do velho new journalism.
Os dinossauros morrem. Os cães que ladram também.
Primeiro levaram os grandes repórteres.
Depois diminuíram os textos.
Aí cortaram as fotos. E os cadernos instigantes, como o de sábado.
Finalmente, levaram o JT.
E quase não havia mais leitores apaixonados para sentir sua falta e protestar.
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[Airton Gontow é jornalista]