Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cristina ajuda mídia amiga com anúncios do governo

Às vésperas de ver concretizar-se a Lei de Mídia, sua mais dura ofensiva contra o grupo opositor Clarín, que considera um “monopólio”, o governo da presidente Cristina Kirchner investe pesado na formação de sua própria rede de TVs abertas e fechadas, jornais, revistas e sites. Segundo dados oficiais, o governo kirchnerista destina hoje 606 milhões de pesos em publicidade oficial para meios alinhados ao governo. Já segundo consultorias privadas, como a Monitor (Ibope), e pesquisas realizadas pelos jornais opositores, esse valor superou, em 2012, a marca de 1 bilhão de pesos.

Com isso, o governo já se tornou o maior anunciante da mídia argentina, arcando com mais de 90% do custo de alguns jornais impressos. No caso das TVs abertas, o domínio alcança quase 80%. De 2011 a 2012, houve um aumento considerável da verba destinada a subsidiar a mídia governista, destacando-se os casos do jornal Tiempo Argentino (105%), do empresário kirchnerista Sergio Spolszky, e do conglomerado televisivo Uno (266%). Pertencente a aliados políticos de Cristina em Mendoza, o Uno foi o responsável por mover a ação que originou a invasão da sede da operadora de TV a cabo do Clarín, Cablevisión, em 2011. O grupo é apontado por alguns analistas como forte candidato a comprar a parte do Clarín que terá de ser colocada à venda em 7 de dezembro, quando entra em vigor a Lei de Mídia.

Aprovada em 2009 com amplo apoio da oposição, a legislação tem como justificativa democratizar os meios de comunicação e evitar a formação de monopólios. O Clarín possui jornais, TV aberta e a cabo, provedor de internet e rádios.

“O kirchnerismo fez dos milhões da publicidade oficial uma ferramenta de doutrinação política, de prêmio aos meios que lhe são dóceis e de castigo com relação aos que tentam se manter independentes”, diz Gustavo González, editor-executivo do Perfil, também opositor. O jornal ganhou recentemente uma batalha judicial contra o governo, obrigando-o a anunciar na publicação. A determinação ainda não foi cumprida. “Há meios nossos, como a revista Notícias, que nunca receberam propaganda oficial.”

Já a jornalista Maria O’Donnell, autora de Propaganda K – Uma Máquina de promoção com dinheiro do Estado, diz que o investimento de Cristina nos meios é uma questão puramente política. “Em todo o mundo os jornais estão fechando, só aqui abrem. A única explicação é o governo por trás, com objetivos bem definidos de autopropaganda.”

Aparato de propaganda

Além desse instrumento, o governo vem investindo também em seu departamento de mídia. Neste ano, o orçamento da Secretaria de Meios foi de 1,27 bilhão de pesos, o dobro do valor destinado ao departamento de Turismo e 10% a mais que o da indústria. A Secretaria de Meios é diretamente ligada à chefia de Gabinete, comandada por Juan Manuel Abal Medina.

“É uma amostra evidente do aprofundamento dos traços mais autoritários deste governo. Outra expressão de intolerância à crítica e à realidade que não se acomode ao relato oficial”, diz Martin Etchevers, porta-voz do grupo Clarín. A Folha tentou ouvir a Secretaria de Meios, mas não teve resposta.

O uruguaio Claudio Paolillo, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP (Sociedad Interamericana de Prensa), diz que o governo vem montando, com dinheiro público, “o maior aparato de propaganda desde os tempos de Perón”.

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Clarín resistirá a vender parte do grupo

A cúpula do grupo Clarín disse ontem [terça, 30/10] em entrevista a meios estrangeiros que não vai apresentar um plano de desinvestimento no dia 7 de dezembro e que apostará na via legal contra a aplicação da Lei de Mídia. Nesta data, deixa de valer a medida cautelar que impede a aplicação de duas cláusulas da legislação que o grupo considera uma “fustigação” contra si. As cláusulas 45 e 161 estabelecem um limite de licenças de operação televisiva e impedem que o mesmo grupo possua TV, cabo, rádios, jornal e site, caso do Clarín.

“Vamos insistir na Justiça, tudo o que entrou em vigor da Lei de Mídia até agora nós cumprimos”, disse Martín Echevers, porta-voz do grupo, referindo-se à determinação de produzir conteúdo infantil, colocar legendas para deficientes auditivos, entre outras medidas. Segundo ele, o grupo pedirá uma prorrogação da cautelar para que possa haver tempo para julgar a inconstitucionalidade da lei.

O governo vem fazendo forte campanha publicitária e política, afirmando que no dia 8 de dezembro, se o grupo não tiver apresentado um plano de desinvestimento, será aberto um concurso para redistribuir as licenças e meios excedentes. “Não descartamos uma invasão por parte da polícia federal e um confisco”, disse Carlos Moltini, presidente da Cablevisión, empresa de cabo do grupo. Também foram divulgados números do aumento do aparato estatal de jornais, TVs, rádios e sites. “O governo criou um amigopólio para combater o que chamam de monopólio”, disse Echevers.

Moltino afirmou que a lei está punindo meios nacionais em detrimento dos internacionais, que não terão limitação. “Na competição, perderão todos os meios argentinos.”

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Posição política dita manchetes dos jornais

Há poucos dias, o governo kirchnerista anunciou um projeto de estatizar as operações da Bolsa de Valores argentina.

Enquanto a mídia opositora (jornais Clarín e La Nación, principalmente) dizia que se tratava de mais uma intromissão estatal nos rumos da economia, o Pagina12 cravava o seguinte título: “Criar confiança com maior regulação estatal”. O texto todo era uma justificativa da ação presidencial, com muitas frases de Cristina e nenhuma de opositores.

Mais explícito, porém, é o jornal Tiempo Argentino. Após a expropriação da petrolífera YPF, no primeiro semestre, publicou uma capa toda preta com a manchete: “YPF volta a ser argentina”.

Já após o panelaço anti-Cristina do último dia 13 de setembro, o jornal acusava os manifestantes de ocupar a praça que pertencia por direito às Mães da Praça de Maio, apoiadoras do governo e que fazem seus atos ali às quintas.

Pagina12 e Tiempo defendem a Lei de Mídia, acusam o Clarín de manipular informação, justificam o cerco ao dólar e as políticas econômicas do governo. Seu inimigo favorito é o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, presidenciável e principal opositor de Cristina.

“Macri gasta 949 pesos por espectador do Colón e Futebol para Todos custa 4”, manchetava o Tiempo ao comparar os preços do teatro municipal com o programa de transmissão do campeonato argentino pela televisão pública.

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[Sylvia Colombo, da Folha de S.Paulo]