Em 2008, era Oba-Oba-Obama. Numa rara recaída idealista, nossa grande imprensa então o saudou como símbolo dos novos tempos, foi adjetivado como “pós-racial”, “pós-ideológico” e coroado como novo Roosevelt.
Na sexta-feira (2/11), quando começou a circular sua última edição antes das eleições americanas, o semanário The Economist, com 169 anos de existência, surpreendeu a fina flor do empresariado global com o endosso à reeleição de Barack Obama. O entusiasmo não foi o mesmo do pleito anterior, mas a opção foi inequívoca e jornalisticamente audaciosa:
“Muitos empresários americanos podem achar que nada seria pior do que conceder mais quatro anos a Obama. Pedimos licença para discordar. Por trás de suas intenções empreendedoras, Romney tem um plano econômico que só funcionará se não acreditarmos no que ele prega. Não é o tom apropriado para um executivo-chefe. E apesar de todas as suas deficiências, Obama tirou a economia da beira do desastre e exibiu posições decentes em política externa. Este jornal prefere continuar com o diabo que conhece e aposta na sua reeleição.”
No sábado (3), fim de semana do feriadão, dos jornalões nacionais apenas o Globo noticiou o importante apoio; dos regionais, somente o Correio Braziliense. O resto enrustiu a notícia, não quis passar uma má impressão do seu candidato in pectore, Mitt Romney.
Papel secundário
Obama é o preferido de prestigiados colunistas como Míriam Leitão (O Globo), Arnaldo Jabor (Estadão-Globo), Clóvis Rossi (Folha), Caio Blinder (Veja on-line), Juca Kfouri (Folha). O grosso do opinionato, no entanto, reza o padre-nosso corporativo enquanto os editoriais vociferam o credo antiestatal. (Colunistas pró-Obama não citados nesta brevíssima relação, ou seus admiradores, estão cordialmente convidados a registrar eventuais injustiças deste observador.)
Valor não circulou na sexta, dia 2, feriado: como não é um jornal premido pela atualidade, poderia ter comentado na segunda-feira o inesperado e inusitado apoio da revista prudentemente conservadora em favor de um candidato discretamente pró-regulação. Para um leitor altamente qualificado como o seu seria o verdadeiro “algo mais”.
Na segunda (5/11), repetiu-se a história com o anúncio do apoio do Financial Times, a bíblia cor de salmão do mundo econômico, a um presidente que na melhor das hipóteses seria classificado como “centrista”. Este segundo apoio foi mais enfático e destacado do que o do semanário publicado pelo mesmo grupo Pearson:
“Obama é a melhor aposta para os EUA em crise. Romney não inspira confiança para tocar uma agenda clara. Seu plano de cortar impostos não vai reanimar a economia.”
A notícia não provocou a menor reação nos veículos digitais ao longo do dia. Esta omissão aponta para três clamorosas disfunções:
1. A esmagadora maioria dos gatekeepers de nossas redações não conhece, não lê e não avalia a importância das duas publicações;
2. Nossa grande imprensa (nela compreendidos conglomerados regionais) deixou-se contaminar por uma ortodoxia ideológica incompatível com as noções de diversidade e pluralismo, indispensáveis a uma sociedade democrática;
3. Nossa mídia digital não tem dimensão, é absolutamente secundária: os portais de notícias são meras extensões da mídia impressa – burocráticos, burros, banais.
Anestesia geral
Então, como explicar a substituição em apenas quatro anos de uma generalizada empatia em favor do presidente americano pela clara antipatia ao candidato à reeleição?
Responsáveis pela mudança teriam sido as intervenções de Obama no mercado financeiro, na indústria automobilística ou o lançamento do plano nacional de previdência médica (Medicare)? Ou foi a súbita entrada do Tea Party no cenário político americano o fator que excitou os correligionários nacionais e os estimulou a criar um símile nacional?
Outra hipótese para explicar a súbita má vontade da nossa mídia contra Obama: reação ao simpático empurrão que deu ao então colega brasileiro quando disse “Lula é o cara”.
É evidente que o eleitorado americano no Brasil é ínfimo, certamente não toma suas decisões em função do que lê, vê ou ouve na mídia local. Para o eleitor americano aqui residente a omissão do endosso do Economist e do FT ao candidato Obama não faz a menor diferença.
Porém, faz uma enorme diferença subtrair do cidadão brasileiro, sobretudo do multiplicador de opinião, informações cruciais que o ajudarão a entender os bastidores do mundo globalizado. O teor dos votos do Economist e do Financial Times são fundamentais para exibir as diferentes escolas de capitalismo, liberalismo, e para denunciar algumas balelas sobre o empreendedorismo à la Romney.
Uma coisa é certa: enquanto a imprensa argentina é sitiada pelo peronismo kirchnerista, no Brasil uma anestesia geral está sendo ardilosamente preparada por aqueles cuja função legal é denunciá-la.
>> Em tempo: Na terça-feira (6/11), o Valor informa na primeira página que os empresários preferem Mitt Romney – reproduzindo, no miolo, matéria do Wall Street Journal, que defende o candidato republicano. A Folha, num pequeno quadro nas páginas internas, relembra os apoios dos jornais a Obama e cita o Economist.