Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Limites e efeitos das pesquisas sobre o voto

Encerradas as eleições, é chegado o momento mais adequado para – de cabeça fria e com resultados concretos à mão – ponderar sobre os limites e os efeitos das pesquisas de intenção de voto. De antemão, deve-se reconhecer a existência de um amplo conjunto de fatores que integram o cálculo realizado por cada indivíduo ao decidir em quem votar. Pode-se mencionar, por exemplo, o interesse particular do eleitor (quando acredita que será beneficiado com a escolha de um representante específico); o perfil do candidato e de seu partido; as coligações e as alianças estabelecidas; o tempo de televisão disponível para apresentação das propostas; a conjuntura política e econômica; os escândalos denunciados e enfrentados; as gafes e os discursos proferidos em palanques; os sentimentos da família e do grupo social no qual o cidadão está inserido; o desempenho do candidato nos debates, dentre outros aspectos que convergem para a formação da opinião.

Duas constatações emergem a este ponto: em primeiro lugar, há um estoque de informações oferecidas que, a depender de cada um, pode ou não ficar retido na “biblioteca” utilizada pelos cidadãos na hora de selecionar um representante. Além disso, é plausível afirmar que apenas alguns destes fatores estão ligados aos resultados das pesquisas de intenção de voto.

As sondagens e os públicos

As pesquisas de intenção de voto são importantes para, pelo menos, três grupos: (a) os políticos e seus estrategistas; (b) a imprensa; e, naturalmente, (c) o eleitor. Para cada um desses públicos, as sondagens desempenham funções diferentes – e, por consequência, suscitam distintas críticas e posicionamentos quanto à sua influência.

Não é novidade observar que, quando favorecem a determinada candidatura, as pesquisas são amplamente utilizadas enquanto instrumentos para se convencer o eleitorado. Com relativa frequência, as inserções que permeiam o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral alardeiam sentenças como: “Pesquisa confirma: Fulano é o primeiro colocado”, “Beltrano continua liderando” ou “Sicrano é o candidato que mais cresceu”. De certa forma, a utilização de resultados das sondagens ajuda candidatos e assessorias a repensarem o posicionamento e as estratégias adotadas nas campanhas – aliás, é justamente essa mudança de postura que explica, em parte, as sucessivas alterações nos cenários desenhados pelas pesquisas ao longo do processo.

Assim, os dados apresentados exercem certa influência sobre as campanhas e seus resultados (seja no modo dos candidatos construírem suas imagens, seja na mudança ou consolidação da intenção de voto dos eleitores). Se cada pesquisa é o retrato de um momento, cada novo retrato exerce impacto sobre a situação posterior.

Provocações e apoios de última hora

Não se deve esquecer um fenômeno já comum nas eleições brasileiras: o caso daqueles candidatos que denunciam terem sido prejudicados pelos resultados das pesquisas eleitorais mesmo que, ao longo da campanha, tenham empregado tais artifícios como prova de que a candidatura era viável.

A cobertura das eleições por parte das instituições do jornalismo é frequentemente criticada por adotar um enquadramento que caracteriza os pleitos como “corridas de cavalo”. Mais exatamente, o incômodo se dá com a ênfase na disputa em si, quando – supõe-se – a pauta deveria se concentrar na discussão de problemas efetivos que afetam a vida da população. A face mais evidente da competitividade ressaltada por ampla parcela dos jornalistas é a análise pormenorizada da evolução numérica das intenções de voto e dos índices de rejeição de cada candidato.

O fato é que a divulgação das pesquisas é um bom mote para a confecção de manchetes – pesquisa vende jornal, atrai audiência, enfim. Ademais, o acirramento dos ânimos no mundo dos agentes partidários – em parte criado pelos resultados das sondagens – abre a porta para provocações e apoios de última hora, o que alimenta novas pautas que garantem “temas quentes” na cobertura da área de política.

A tese do “voto útil”

Na maioria das intervenções que esquadrinham o debate sobre o tema, percebe-se que o cidadão é tratado a partir de dois ângulos extremos: ora é caricaturado como um bobo manipulável; ora é tido como alguém esperto e capaz de elaborar estratégias a ponto de calcular em quem irá votar. Nesse sentido, há, de um lado, um discurso que se preocupa com as consequências negativas que os resultados das sondagens podem ter sobre o processo eleitoral. O caminho entre tal constatação e a demanda por controle na divulgação dos resultados é curto. A intenção alegada, no final das contas, seria “proteger” o eleitor, em um gesto paternalista que destoa dos diagnósticos unânimes de que a democracia brasileira progrediu nos últimos 25 anos.

Até que ponto, de fato, o eleitor precisaria ser protegido? Interessante, no caso, é perceber a manifestação do que se chama, em Teoria da Comunicação, de “efeitos de terceira pessoa”: aqueles que se dispõem a analisar os efeitos das pesquisas não se dizem influenciáveis pela mensagem propagada através dos media, mas consideram que o restante da população se deixa levar facilmente pelos conteúdos apresentados. Em outras palavras, tal hipótese afirma que as pessoas tendem a superdimensionar a influência negativa que certo tipo de informação tem sobre os outros, enquanto veem-se invulneráveis à mesma influência. Aliás, até que ponto uma proteção tão vigilante sobre o eleitor não acabaria revelando nossa própria desconfiança sobre a capacidade de todos terem o direito de votar ou serem votados?

Por outro lado, a perspectiva oposta sustenta que os eleitores agem de modo estratégico ao calcular, com base nas pesquisas, em quem devem votar. É o caso do chamado “voto útil”. Porém, mesmo quando a opção política é orientada pelos candidatos com melhor colocação na disputa, é preciso reconhecer algumas limitações. Ora, se aquele em quem o eleitor realmente gostaria de votar aparece com 1% das intenções, é lógica a tentação de votar em uma candidatura mais “viável”. Já se o político aparece em terceiro ou quarto colocado, próximo aos postulantes que estão na liderança, a tese do “voto útil” perde força. Não é demais frisar que uma grande quantidade de eleitores continua, simplesmente, sem acreditar nas pesquisas, por mais desfavoráveis que elas sejam ao seu candidato.

Questões metodológicas

A esta altura, torna-se essencial refletir acerca do grau de “cientificidade” das pesquisas eleitorais. Pierre Bourdieu – em A Opinião Pública não existe – destacou o uso de diferentes técnicas voltadas para o que se chama de “fabricação da opinião pública”. Assim, antes mesmo de pensar sobre a influência das sondagens, é preciso verificar, dentre outros elementos, a forma pela qual as perguntas endereçadas aos cidadãos são elaboradas; a quantidade de entrevistados ouvidos; o tipo de amostra (sexo, idade, renda, escolaridade, religião e local de residência) considerado; o modo pelo qual o entrevistador aborda o cidadão (o simples ato de franzir a testa ao receber uma resposta pode direcionar o entrevistado); não se deve esquecer, ainda, que a simples digitação errada de um item no processo de tabulação dos dados também pode comprometer a análise.

Também é importante perceber, de acordo com o que alerta Bourdieu, que nem todos temos opinião sobre tudo; é atitude recorrente darmos uma resposta qualquer apenas para não ficarmos “de fora” ou para não “decepcionar” o entrevistador.

Dito de maneira simples, os dados obtidos pelos institutos são influenciados pelo modo como a pesquisa é formulada, aplicada e interpretada. Falar em “cientificidade”, no caso, demanda cautela.

Transparência ao processo

Admitindo que não se pode abrir mão das pesquisas como fontes de informação para políticos jornalistas e cidadãos – mas, ao mesmo tempo, reconhecendo suas limitações metodológicas –, é preciso pensar em como aprimorar tal ferramenta, de modo a evitar distorções e responsabilizar os envolvidos em sua produção e divulgação.

Na verdade, nem sempre os erros cometidos pelas pesquisas eleitorais incomodam. Os protestos se mostram mais intensos em cenários acirrados ou com vários concorrentes – ocasiões peculiares nas quais o diagnóstico de mudanças no posicionamento do candidato ou nos índices de intenção pode motivar impressão de que a sondagem foi realmente decisiva. Diferenças de 5 pontos percentuais entre a previsão dos institutos e o resultado das urnas, por exemplo, são muito mais relevantes quando os candidatos estão próximos do que quando algum deles estabelece vantagem de mais de 20 pontos sobre os concorrentes.

Adicionalmente, afirmar que as pesquisas influenciam o voto de modo limitado não exime os institutos de reconhecerem possíveis equívocos. Aqueles que processam os dados, assim como as instituições que contratam e divulgam os resultados das sondagens, devem ser transparentes – não apenas aos olhos dos Tribunais Eleitorais, mas perante o público –, explicando suas técnicas e escolhas. Os jornalistas, especialmente, devem exigir das sondagens eleitorais o mesmo rigor e ceticismo aplicados à análise, por exemplo, dos planos de governo ou das alianças partidárias que são seladas de forma aparentemente contraditória. É papel da imprensa questionar o status de verdade objetiva reivindicada pelos institutos.

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[Francisco Paulo Jamil Almeida Marques é jornalista e professor da Universidade Federal do Ceará, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA); Edna Miola é publicitária e doutoranda em Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais]