Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Apple, depois do auge

A história da Apple está longe do fim. Trata-se da mais valiosa companhia do mundo, que cria diversos produtos excepcionais e amados por consumidores. Emprega muitos dos designers e engenheiros mais talentosos do planeta. Mas creio que a empresa tenha passado do auge e que sua história nos próximos anos será a de um declínio lento, porém real.

Um preâmbulo: trabalhei na Apple por quatro anos no final da década de 90, como engenheiro de software e gerente de engenharia. Fui contratado durante o desastroso reinado de Gil Amelio como executivo-chefe, um fim desolador para uma década desoladora na companhia.

Estava lá quando Steve Jobs voltou para liderar a mais espetacular reviravolta de negócios de nossas vidas. Steve era uma pessoa que eu conhecia bem, e a Apple é uma empresa que conheço ainda melhor. Sou usuário ávido de Mac, ainda que em aparelhos móveis prefira o sistema operacional Android – trabalhei no Google por cinco anos.

Sinais do ocaso

Por que acredito que a Apple tenha passado do auge? Há diversos sinais. O mais visível e recente foi o fiasco dos mapas. Substituir o Google Maps em seus tablets e celulares por um produto próprio muito inferior demonstra o quanto a Apple mudou. O sucesso da Apple sempre esteve em oferecer aos usuários a melhor experiência possível; de repente, a companhia lhes oferece algo pior para promover seus interesses empresariais – no caso, por conta de sua longa disputa com o Google.

A Apple já cometeu erros. Mesmo sob o comando de Jobs, a companhia lançou produtos fracassados: em 2000, o Cube não entusiasmou o planeta. As incursões iniciais da Apple nos serviços em nuvem foram embaraçosas.

Mas todos esses projetos, embora fracassados, representavam esforços para fornecer serviços e produtos melhores aos usuários. Não foi o caso dos mapas: a Apple apresentou um produto inferior por considerar que a briga com o Google em relação ao Android importava mais que a satisfação dos clientes. O problema dos mapas é o mais óbvio sinal das recentes mudanças na Apple, mas existem outros indicadores, mais sutis, de uma desaceleração na criatividade.

IPad novo, de novo

O iPad 4 foi lançado só seis meses após o iPad 3. O novo modelo não oferece melhora substancial ante o anterior, mas conseguiu irritar compradores do iPad 3. Essa atualização insípida não representa o tipo de lançamento mágico de produto que fez a reputação da Apple. O pior é que a hipérbole da companhia se afastou demais da realidade. Steve Jobs era conhecido por seu “campo de distorção da realidade”, mas ele sabia que, quando exagerava, precisava de um produto notável para provar seus argumentos. Ou seja, o exibicionismo de Steve se justificava porque iMac, iPod, iPhone e iPad eram excepcionais.

Compare esse passado aos lançamentos das mais recentes revisões do iPad e do iPhone, acompanhados por um nível de hipérbole espantoso: “Acho que esse nível de inventividade jamais esteve presente em algo que tenhamos feito no passado.” Não me entenda mal: o iPhone 5 é provavelmente o melhor smartphone do mercado no momento. Mas representa só uma melhora gradual ante o iPhone 4S. E o iOS 6, a nova versão do sistema operacional, recebeu críticas não tão positivas. Mas isso não é algo que você possa depreender diante dos exageros de Tim Cook e companhia.

O problema com o exagero infundado é que as pessoas percebem, e com o tempo isso desgasta sua confiança.

A Apple atual parece muito menos competente em manter o equilíbrio entre hipérbole e produto.

A mudança nas lojas

Não é só nos produtos que surgem sinais de deterioração na Apple. O que aconteceu com John Browett, responsável pela divisão de varejo, não deve ser ignorado. Ele cuidava das lojas da Apple – peça vital do sucesso da empresa na última década.

Browett ocupou o posto por apenas sete meses e, segundo a maioria dos relatos, comandou uma mudança de estratégia significativa, e injustificada, para adotar como foco o lucro e não a satisfação dos consumidores – outro exemplo da opção da Apple por satisfazer suas necessidades e não a dos clientes.

A Apple tem uma fórmula vitoriosa, mas parece determinada a mudá-la. Não lança um produto realmente novo desde o iPad, três anos atrás; em vez disso, só melhorias graduais em sua linha, alardeadas com exagero.

Continua a fabricar produtos excelentes, e para cada fiasco como o dos mapas há um excelente iPad mini para abrilhantar as perspectivas. Mas as coisas não parecem meio… estagnadas?

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Hierarquia rígida se mostra o maior entrave

Nessa trajetória de declínio da Apple, o mais interessante é o porquê. A mudança óbvia é a perda de Steve Jobs, no fim de 2011. Desde então, vimos diversos equívocos que conduziram à recente reorganização que resultou nas demissões dos chefes das divisões de software, Scott Forstall, e de varejo, John Browett.

A maioria das jovens empresas de tecnologia adota uma filosofia de trabalho da qual o Google é exemplo: comunicações internas abertas, decisões tomadas por escalões mais baixos da hierarquia sempre que possível e muita colaboração entre os membros das equipes. A Apple é o oposto, uma companhia altamente sigilosa, ao ponto da paranoia. Tem hierarquia rígida. As decisões vêm de cima e são aplicadas rigorosamente, com grande interferência e instruções detalhadas. Foi feita à imagem de Steve Jobs, e para ele era importante o controle sobre tudo o que acontecesse na Apple.

No Google, os produtos são criados por equipes em larga medida autônomas, por isso há pouca coesão entre eles. A Apple cria produtos altamente integrados, projetando tudo, dos processadores ao design. Mas depende da visão e da criatividade de quem comanda o processo.

A força do chefe

A Apple tinha Steve, gênio que dominava a concepção e o marketing dos produtos. Ele garantia a qualidade do que a Apple fazia. Usava as vantagens de uma organização centralizada para obter efeitos impressionantes. Capturava o talento de funcionários e o direcionava a concretizar sua visão singular do futuro.

Por meio de uma combinação de inspiração, medo e brilhantismo, Jobs transformou a Apple na maior empresa de tecnologia de nossa era. Mas a estrutura organizacional que permitia que ele exercesse seu poder de modo tão efetivo agora se transformou em desvantagem. Não há quem possa ocupar o lugar de Steve – ainda que alguns, em especial Forstall, tenham tentado. Agora não só Tim Cook demitiu Forstall como o fez por um ambiente mais “colaborativo”.

A Apple é o oposto do Google, que é aberto, colaborativo e ligeiramente desorganizado. A empresa funcionava porque era uma ditadura. Mas ditaduras sem seus líderes tendem a se dissolver em disputas internas, intrigas e ineficiência. Esse pode ser o futuro da Apple.

Para onde vai?

A empresa, porém, tem muitos funcionários brilhantes que acreditam na visão de Steve para ela. Tem reservas de caixa quase inimagináveis e gera lucros insanamente elevados. Também produz computadores, tablets e celulares de altíssima qualidade que os consumidores fazem fila para comprar.

E já demonstrou que consegue reverter crises do modo mais dramático. Em 1996, estava a dois ou três anos de ser vendida a preço de banana e de se tornar mais uma nota de rodapé de página na história da computação. Mas em 2002 já estava a meio caminho de se tornar a mais dominante empresa do planeta. O que foi feito uma vez pode ser repetido.

Mas a perda de Steve foi devastadora – toda a empresa foi construída em torno dele, e os erros atuais indicam uma organização altamente hierárquica tentando encontrar um caminho sem seu líder.

Em retrospecto, consideraremos que o auge de inovação e liderança da Apple ocorreu no início de 2012. Depois disso, ainda que a empresa continue a desfrutar de grande sucesso, a criar novos e excelentes produtos e a faturar muito dinheiro, o ritmo vai se desacelerar, mais erros acontecerão, e ela não recuperará a eficiência e o brilhantismo da primeira década do milênio.

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[Dan Crow, do Guardian]