Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Nasceu uma palavra sem pai nem mãe

O escritor Deonísio Silva é mestre em contar a origem das palavras. Na verdade, o prof. Deonísio é homem do papel, que vive de livro e de escrever, vai além, conhece a intimidade das frases. Socorrista nato, então, para descobrir a origem da palavra “tuite”. O sonho deste observador é provocar nele o desejo desta descoberta. Por ora, sigo apenas tuitando, intrigado com o nascimento desta palavra órfã – desafio.

Sabemos que “tuitar” teria nascido a partir do substantivo derivado “tuiteiro”. Contrariando a frase lapidar do fim do nada: primeiro foi o verbo. E o mundo nunca mais seria o mesmo, quando nasceu o Twitter, pai de todos os grunhidos, segundo Saramago. Daí em diante, sintagmas passariam a ser memes – personagens – histórias inteiras, às vezes contadas em três sílabas.

O prof. Muniz Sodré, à margem esquerda do Rio Maracanã, disse na televisão que algo morreu, só não sabemos o quê, devemos descobrir. Ele respondia sobre a suposta decadência da mídia impressa e a ascensão da digital. Por falar nisso, estou escrevendo em 140 caracteres; uma sentença curta, dura, e um ponto. Sinto meus dedos gagos, eu quero verbalizar, e tenho que contar as letras ao mesmo tempo. Sábio é o prof. Rosental Alves, da Univ. Texas (EUA), que dribla a disfemia com singular ginástica do seu intelecto privilegiado. Ele parece dar um salto de trapezista com a fala, nos surpreende ao alcançar o outro lado no voo e nos arrebatar com um pensamento genuíno. Pai no Brasil do primeiro jornal online.

Fumaça no horizonte

Mas voltando a tuitar o assunto em pauta, foi em torno de 2006 que o Twitter veio ao mundo. Nascia o primeiro tuitaço em potencial. Logo, logo começaríamos a protestar no ambiente virtual fazendo mais barulho, muito mais, do que as mães da Praça de Maio. Você dirá: este período está muito longo, não cabe em um tuite; cabe sim, conte. Mas se não couber, ora, corte-o em pedaços, na tuitosfera a coerência é descartável. Na tuitosfera não fazer sentido é uma forma de hermetismo. Só que, quem o faz, não tem a menor idéia o que seja ser hermético. Na tuitosfera é assim: o consciente coletivo se encarrega de interpretar qualquer tuite, cada um do seu jeito. Foi por isso que surgiu a “hashtag”, palavra ainda por nascer em nosso vernáculo. Pensando bem, até um “hash” (apelidinho) pode ter inúmeras interpretações.

Enquanto isso, o inconsciente coletivo mantém a tese de Carl Gustav Jung, cujos primeiros estudos foi a associação de palavras. A sua psicologia analítica dizia, e diz: podemos entender a psique do outro através da sua reação a palavras. Sartre dizia que ler é completar o que está escrito (mais ou menos assim). Até 2001 as palavras eram impressas em papel ou simplesmente navegavam em ondas sonoras, pelos fios metálicos ou pelo ar.

O papel não morreu assim como a TV e outros bichos, mas a fila anda e fazemos poucas coisas sem esta “pantalla” diante de nossos olhos. Uma coisa é certa, a existência também é um conjunto de células, que morrem e renascem aos bilhões, em nanossegundos. Neste sentido, o depoimento do Prof. Muniz Sodré é um epitáfio para o jornalismo (oficial e cidadão) pré tuitano que merece reflexão. O que não pode ser feito sem contextualizar o jornalismo facebookiano e googleliano.

Você dirá: o tuiter nasceu junto com o twitter. Não. Foi bem depois, somente quando Jack Dorsey (2010) começou a ganhar dinheiro enquanto tuitávamos. Pouca gente sabe, desconfio, mas ele inventou a palavra, portanto os nativos da língua inglesa sabem quem é o pai da criança. “The definition was 'a short burst of inconsequential information,' and 'chirps from birds'. And that's exactly what the product was”. Fica frio, eu traduzo a frase do Jack. “A definição era um estampido curto de informação sem conseqüência, silvos de pássaros”. Note bem, “a definição era”, Jack estripou o significado de twitter, hoje é outra coisa, talvez traumatizada. Outras definições de um “tweet”: sussurro, grunhido, pio, psiu, berro, qualquer coisa pra passar o tempo, modo de aparecer sem ser visto…

Aqui no Brasil este observador pode gabar-se de estar entre os precursores do tuitar, aliás, antes da existência do Twitter. Gabar-se da burrice, só faltava essa. Era 2001, o Greco-gaúcho Andreas Blazoudakis, velejador e empresário da computação lançou a expedição Yavox. Andreas patrocinou pesquisadores para observar os mamíferos marinhos. Yavox introduzia no Brasil a magia de enviar textos via telefones celulares. Do meio do Oceano Atlântico, como jornalista a bordo, enviei notícias com 50 caracteres retuitadas para celulares de seguidores do Yavox. Mas, observe, o verbo ainda não havia nascido, tampouco a coisa tuiter. Como na comunicação dos índios de filmes americanos, primeiro a gente via uma fumaça no horizonte. Então, no duro mesmo, o tuiter veio do mar para a terra.

Metodologia fractal

Precisamos parar o Brasil (parar o mundo seria utopia) e encontrarmos a origem da palavra tuiter. O Google está infestado com variações deste novíssimo sintagma, consagrado. Do tuiter surgiu o verbo tuitar e suas declinações. Tudo na nossa cara e não sabemos quem é o culpado. Mais um delito impune. Mais uma vez a história será contada pela metade, nem jornalista, nem antropólogo, nem historiador poderão contar a história verdadeira.

Proponho um programa de metodologia fractal que vasculhe a web e descubra exatamente quem, onde e o que tuitou o inventor desta palavra na língua portuguesa.

(Crônica escrita com 58 tuites, ufa!)

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[Luís Peazê é jornalista e tradutor; http://www.clinicaliteraria.com.br]