American way of life é a idealização do que uma família deveria ser e como ela deveria ser formada. Pais e filhos que vivem em harmonia, sendo o marido o chefe da casa, a mulher empregada doméstica não remunerada e os filhos todos bem limpos e arrumados, futuros da nação. Um porta-retrato que caberia bem em qualquer capa de jornal brasileiro, que cria sempre seus estereótipos para cada matéria específica. É assim que funcionam os chamados “personagens”, sempre muito bem adequados e sob o discurso que encaixa naquilo que deixará a matéria “redonda”, no jargão das redações.
Se a matéria é sobre a alta nos alimentos, uma dona de casa no supermercado reclamando dos preços; e tem que reclamar. Se sobre a alta dos homicídios, a mãe que perdeu o filho inocente de forma criminosa. É assim há muito tempo e, ao que vemos, será muito mais. No entanto, ao ser assim, perde-se a chance de mostrar outras realidades ou mesmo de mostrar a realidade destas pessoas. Como diz a jornalista Eliane Brum, em entrevista ao O Popular (9/11/2012): “O repórter sai da redação não com uma pergunta, mas com uma resposta e vai achar um coitado que a confirme.”
A mesma jornalista atesta que os jornais deixam de contar boas histórias para contar mal as histórias de personagens. É proibido, por exemplo, nas redações de jornais contestarem uma pesquisa. Não se procura por um especialista com qualquer ideia sobre o tema, mas algum que posso confirmar a pesquisa, assim como é com os personagens. Ou seja, o jornalismo desconstrói toda uma realidade para reafirmar uma tese. A reportagem deixa de ser um documento informativo para se tornar um arquétipo, um modelo, para ficar “redonda”. Até mesmo a palavra tese já é usada por editores ao perguntar sobre matérias.
Modelo sem apuração
Sem perguntas, o repórter deseja ir logo ao ponto, sem ouvir o que poderia ser ouvido, sem pensar sobre o que deveria ser pensado. A busca é apenas pelo personagem, alguém que presta tão somente um favor ao jornal para ter sua foto exposta (sim, os personagens, em 98% das matérias, só são usados em função de se obter uma imagem para “ilustrar” a matéria). Não há, neste personagem, a sua personificação, a sensação de ter sua história contada, a liberdade de poder expressar o que pensa ou deseja por meio da imprensa e fazer parte de tudo isso. Não, é apenas uma questão de ser usado.
A problemática do “personagem” é ainda sem qualquer sentido em um mundo jornalístico em que se cobra tempo do repórter, pois a maior parte do tempo, ele gasta ao procurar alguém que se encaixe no perfil desejado, que fale aquilo que ele necessita para agradar o editor ou se agradar, e só. Não há, ao fim, qualquer vantagem em se rejeitar histórias e pessoas e palavras por conta de um encaixe para um modelo pré-elaborado já antes de qualquer apuração jornalística. Perde-se tempo, tino, bom senso. Fica um jornalismo sem sentido, sem informar, perdido entre os outros.
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[Vandré Abreu é jornalista, Goiânia, GO]