Mais confiável e segura para o usuário, mas ainda controversa. Assim especialistas definem a nova cara da internet brasileira a partir de amanhã (13/11), quando a rede deve ganhar seu Marco Civil, se o projeto de lei relatado pelo deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) for mesmo votado na Câmara. Já as leis Carolina Dieckmann e Azeredo, que tipificam e punem crimes cibernéticos, já passaram pelo Congresso e aguardam sanção da presidente Dilma Rousseff. Em princípio, os três textos são a base de uma nova legislação no país que, no entanto, nasce cercada de polêmica.
Molon diz que, aprovado, o Marco Civil representará um avanço fundamental na lida com a grande rede: “O texto protege fortemente a privacidade do usuário, seus dados pessoais, a navegação e as buscas.” Há, entretanto, três grandes pontos controversos no texto. O primeiro é a exigência de ordem judicial para retirada de material postado ilegalmente na rede. Produtores de conteúdo e entidades de arrecadação de direitos autorais defendem a notificação extrajudicial, que permite retirar o conteúdo mais rapidamente e com menos custo. Por outro lado, há especialistas em internet que apoiam a judicialização do processo. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital, Mário Brandão, os provedores de conteúdo são responsabilizados pela ação dos usuários e, muitas vezes, retiram publicações apenas com a notificação extrajudicial. Com o texto proposto no Marco Civil, a decisão de retirada caberá à Justiça, que age numa velocidade incompatível à da rede.
Estelionato virtual ficou de fora
O segundo ponto polêmico é a neutralidade, princípio que exige que os pacotes de dados que trafegam pela web sejam tratados sem discriminação. A questão aí é sobre quem, no governo, vai tratar da regulamentação. “Originalmente, o texto previa que ela seria feita por decreto presidencial, mas ministros pediram que o texto indicasse que isso ficaria a cargo do Executivo, com o que concordei”, conta Molon. “Entretanto, quando o ministro das Comunicações (Paulo Bernardo) citou a Anatel como o órgão que deveria cuidar do assunto, voltei atrás.”
As operadoras de telecomunicações acham que a neutralidade não deveria existir, para que possam oferecer mais banda a quem pagar mais. Sugeriram, inclusive, que o Marco Civil só fosse votado após a Conferência Mundial de Telecomunicações, em Dubai, em dezembro, quando serão revisadas as regras de telecom da ONU. Já os provedores de conteúdo são defensores da neutralidade. Para a Associação Nacional de Jornais (ANJ), empresas e usuários não devem ter benefícios e prioridades para trafegar na rede. “Todos devem ter o direito de trafegar na rede em igualdade de condições”, afirma o diretor-executivo da entidade, Ricardo Pedreira.
Finalmente, o terceiro ponto: a ausência do tema direitos autorais no texto. Artistas, associações e produtores de conteúdo fizeram um evento semana passada na Academia Brasileira de Letras em que apoiaram a inclusão na lei dos direitos à remuneração dos artistas por conteúdo distribuído na internet. Mas o assunto vai ser discutido em outro âmbito, no Ministério da Cultura. “Desde o começo, a ideia era que o direito autoral ficasse de fora do marco e fizesse parte da reforma da Lei de Direitos Autorais”, explica Molon.
A lei Carolina Dieckmann, inspirada no episódio do vazamento das fotos da atriz nua, tipifica vários crimes, mas apresenta, segundo especialistas, falhas em sua redação. Segundo a advogada Gisele Arantes, especialista em Direito Digital e sócia do escritório PPP Advogados, a intenção dos legisladores é louvável e representa em parte um avanço, mas requer ajustes. “A lei se concentrou mais na invasão de privacidade, na violação de equipamentos e divulgação indevida de dados, mas deixou de lado a transmissão de vírus e spam”, diz Gisele.
Outro ponto que ficou de fora foi o estelionato virtual (mensagens de spam em que se pede dinheiro ao internauta para causas falsas). E tanto a Lei Carolina Dieckmann quanto a Lei Azeredo mexem no Código Penal, o que torna qualquer emenda posterior de tramitação mais lenta. “Teria sido mais fácil criar uma lei específica”, critica Gisele.
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[André Machado e Sérgio Matsuura, de O Globo]