Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A roça iluminada, sem livreiros e sem a mídia

Começou dia 15 e vai até 24 de setembro a 6ª Feira do Livro de Ribeirão Preto, já a maior do interior do Brasil. Seu catálogo de programação tem 32 páginas em formato ofício.

Inspirada na Bienal do Livro e mirando-se em exemplos de outros grandes eventos assemelhados, apresenta exposições, oficinas de literatura, peças de teatro, shows de dança, espaços para a criançada, passeios culturais (de que são exemplos as visitas ao patrimônio arquitetônico da cidade) e dá lugar preferencial a autores e livros, realizando Cafés Literários e debates com escritores no Salão de Idéias. O espaço para os livros está montado em barracas na praça, em frente ao Theatro Pedro II, que sedia os encontros entre escritores e leitores.

Autores e leitores estão lá, mas há dois grandes ausentes: a imprensa e os livros. Distribuidores e livreiros desprezam a oportunidade de fazer negócios. Conhecidas empresas souberam o que fazer com a oportunidade, que acontece somente uma vez por ano. Patrocinando o evento, lá estão Telefônica, Petrobras, Votorantin, Ipiranga e, claro, a Prefeitura Municipal e a Câmara Brasileira do Livro (CLB).

Uma das poucas presenças dentre os editores é a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Lá estava, entre tantas preciosidades, a coleção completa, em 31 volumes, do Correio Braziliense ou Armazém Literário, edição fac-similar dos textos de Hipólito José da Costa, cujo projeto e edição são de Alberto Dines. Ao lado, lançamentos curiosos, como os contos inéditos de Carlos Lacerda e a reedição de Escripturação Mercantil: lições práticas, de Modesto de Carvalhosa, com prefácio de Cláudio Lembo, governador de São Paulo.

O governador lembra que o Mackenzie, instituição a que está ligado Modesto de Carvalhosa (quase xará do conhecido jurista Modesto Carvalhosa, de destacada atuação como professor de direito na USP e na redemocratização brasileira), foi pioneira nas classes mistas sem cotas, “fazendo conviver lado a lado nos bancos escolares filhos das famílias mais abastadas da sociedade paulistana e filhos de escravos”. Recorda também que ali estudou e ensinou Anita Malfatti, que o ginásio serviu de enfermaria na Revolução Constitucionalista de 1932, e que ainda nos anos 1930 e 40 as mulheres encontravam ali “um curso que as habilitava ao mercado de trabalho”. Pois é, o livro está velhinho, mas seria bom que fosse lido pelos que fazem a escrituração mercantil, por exemplo, das campanhas políticas.

Sutil corrupção

Por que os livreiros desprezam a Feira? É um grande mistério. Está faltando, quem sabe por parte da própria CBL, alguma forma mais eficaz de persuasão de seus associados, já que apóia o evento. Todos os que armam barracas na praça estão vendendo bastante. Feira após feira crescem as vendas, mas acumulam-se os fiascos das ausências.

A maior editora brasileira e maior da América Latina, a Record, incumbiu uma funcionária de acompanhar pessoalmente um dos convidados, José Rodrigues dos Santos, jornalista de destacada participação na cobertura da guerra do Iraque, que veio lançar o romance Codex 632, cuja referência solar é o lado desconhecido da biografia de Cristóvão Colombo. O livro chega ao Brasil antecedido do sucesso de vendas que vem obtendo na Europa. Mas quantas editoras fizeram o mesmo? Lá estava a moça, diligente e prestativa, cuidando de autor e de livro.

O convidado brasileiro que dividiu a mesa do Salão de Idéias não teve a mesma sorte. Sua editora não levou nenhum de seus livros lá. E é reincidente: não levou também ano passado, apesar de avisada e convidada nas duas vezes. (Mais não se fala, pois o autor cujos livros não estavam lá é o signatário, que entretanto gosta da conversa clara.)

A outra omissa é a imprensa. O evento é nacional – é a maior feira de livros do interior do Brasil e uma das maiores do país – e está ausente de jornais, de revistas, da televisão e do rádio. Seria tão fácil cobri-la, pelo menos em parte, pois as informações essenciais estão no site da feira.

Tomara que não aconteça de novo o de sempre: órgãos da imprensa cobrirem apenas a participação de autores convidados que sejam seus funcionários. Daí o que se impõe é uma reflexão de outro tipo: a aleivosa e sutil corrupção. A imprensa denuncia tanta coisa e se esquece de que dá esse tipo de tropeço com muita freqüência. E quem a denuncia?

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde dirige o Instituto da Palavra; http://www.deonisio.com.br/