Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As oligarquias de novo em guerra pela imprensa

A guerra travada entre os dois grupos empresariais que controlam as comunicações no Pará entrou nesta semana em mais um ciclo de agressões mútuas. As escaramuças foram provocadas pelo violento editorial de O Liberal do dia seguinte à eleição municipal. O pretexto foi a pesquisa eleitoral desastrada do Ipespe, que colocava Edmilson Rodrigues à frente de Zenaldo Coutinho, contrariando todas as sondagens divulgadas na véspera da votação.

Na terça-feira (30/10), o Diário do Pará reagiu com um editorial isentando-se de responsabilidade pelo resultado da pesquisa, encomendada ao instituto de Antônio Lavareda, que se penitenciara através de nota oficial divulgada no próprio Diário um dia antes.

O jornal aproveitou para lembrar os episódios semelhantes ou mais graves envolvendo o concorrente, sem que alguém tivesse assumido responsabilidade pelos erros. Como a previsão de que Valéria Pires Franco seria amais votada para a prefeitura de Belém em 2008. A candidata do DEM ficou em quarto e penúltimo lugar.

O jornal dos Barbalhos não parou por aí. Na mesma edição dedicou duas páginas a lembrar do passado de contrabandista do fundador do império de comunicação, Romulo Maiorana. A maior parte do espaço foi ocupada pela reprodução de uma reportagem de José Leal em O Globo de 1957.

O repórter denuncia o empresário como autor de contrabando de armas. O episódio foi registrado em sua ficha nos órgãos de informação do governo federal, impedindo-o de colocar em seu nome a concessão de um canal de televisão que lhe foi deferida, em 1973, a TV Liberal, afiliada à Rede Globo.

Números fraudados

A agressividade dos dois lados indica que haverá nova saison de ofensas. A polêmica é sempre saudável quando as partes tomam como diretriz a fidelidade aos fatos. Quando perde qualquer parâmetro profissional, ético ou moral, serve apenas para alegrar os apreciadores do sensacionalismo e do desrespeito à opinião pública.

Por ironia, as duas corporações familiares têm a mesma origem, no “baratismo”, a modalidade mais duradoura de caudilhismo dentre as oligarquias republicanas do Pará. O modus operandi dessa dominação pode ser deduzida da frase mais célebre de Magalhães Barata, que foi o eixo desse grupo: lei é potoca. Ou seu uso de máxima antiga: para os inimigos, os rigores da lei; para os amigos, os favores.

O caixa dois do Partido Social Democrático, a agremiação ocupada pelos “baratistas” depois de rápido trânsito pelo Partido Liberal, era formado principalmente pelas contribuições do jogo do bicho e do contrabando, ambos de prática fluente até o golpe militar de 1964, que tirou do poder o último dos “baratistas”, o governador Aurélio do Carmo.

Ainda por ter-se casado com uma sobrinha de Barata, Romulo Maiorana se tornou o mais forte integrante desse circuito da importação ilegal de mercadorias das Guianas para Belém. Mas nenhum dos políticos do PSD se insurgiu contra esse esquema, antepassado do “mensalão”. Um dos mais destacados “baratistas” era Laércio Barbalho, pai de Jader e fundador do Diário do Pará.

O elo de Jader com o “baratismo” já era tênue em 1982, quando o jornal começou a circular precariamente para dar suporte à sua vitoriosa candidatura ao governo do Estado. O apoio mais forte à sua campanha (e à criação do jornal) veio do governador de São Paulo, Orestes Quércia, durante bastante tempo a principal liderança nacional do PMDB.

Como seu antecessor, Ademar de Barros, Quércia tentou, mas não conseguiu chegar à presidência da república. Já pesava sobre a sua imagem o estigma do “rouba, mas faz”, que celebrizou Ademar e se estendeu a Jader em seu segundo mandato (1991-1994). O paraense deu uma retocada na frase transformando-a em slogan eleitoral: “Jader Trabalho”. O resto não importa.

Melhor saiu-se Quércia, que, derrotado, preferiu se dedicar aos seus ricos negócios. E ainda conseguiu, depois da morte, dar nome à mais bela, extensa e cara ponte da via marginal que acompanha o rio Tietê, circundando São Paulo.

Por essas origens e a evolução com elas coerente, os dois grupos de comunicação só conseguem ter razão quando se acusam. A defesa é muito difícil para quem atira pedras tendo telhado de vidro ou tenta falar mal do roto sendo esfarrapado. O confronto acaba se tornando a exposição de maus princípios editoriais, que chocam a parcela mais consciente da opinião pública.

Parte da tensão deriva do papel moralista que o grupo Liberal tenta assumir. Outorgando-se o título de organização verdadeiramente profissional, a empresa dos Maioranas discrimina o adversário como entidade política, que se vale dessa condição para saquear os cofres públicos. Na origem, de fato, o grupo RBA está associado espuriamente à condição política do seu dono – e certamente continua a se valer dessa credencial.

Mas o grupo Liberal não faz nenhum contraste com esse padrão de procedimento. Seus donos não se tornaram políticos porque não conseguiram. Ainda jovem, Romulo Maiorana Júnior se filiou ao PMDB. E quem abonou sua ficha? O então governador Jader Barbalho, no seu primeiro mandato (1983/87). Já Ronaldo Maiorana chegou a ser presidente do PL, clara indicação de que pretendia postular um cargo eletivo. Mas não o fez.

Empresarialmente, o grupo Liberal perdeu espaço para o concorrente. Quando Romulo Maiorana morreu, O Liberal era lido por 98% das pessoas que compravam jornal no Pará. Foi superado pelo Diário, que proclama liderança há sete anos. Fraudando a vendagem, O Liberal viu-se obrigado a se desligar vergonhosamente do IVC (Instituto Verificador de Circulação), a mais credenciada fonte de informações sobre a vendagem de jornais no Brasil.

Realidade e verdade

Hoje o único filiado ao instituto, o Diário jamais divulgou o resultado de suas auditagens. Prefere se valer dos índices de audiência do Ibope, que não têm a mesma característica nem credibilidade específica. Qual a razão desse paradoxo? Os números ainda não são satisfatórios?

Transparência é apenas um recurso de marketing para os dois grupos. Ainda assim, observa-se um empenho da direção do grupo RBA na busca pela efetiva profissionalização, meta sempre prejudicada pelos compromissos políticos do seu dono.

Ele prestaria um serviço à sua terra afastando-se por completo e definitivamente dos seus veículos de comunicação, organizando um efetivo conselho editorial e nomeando um ouvidor (ombudsman) de respeito para separar de si sua empresa jornalística. Os Maioranas deviam seguir o mesmo caminho, ou, pelo menos, deixar de acreditar no que dizem da boca para fora, sem conteúdo de realidade e verdade. O Pará agradeceria.

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[Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)]