Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tempos difíceis no jornal espanhol

Desde a sexta-feira (9/11), a equipe do jornal espanholEl País cumpre o ritual diário de contar, em voz alta, o número de demissões anunciadas pela empresa – que passam de 100. A prática começou de maneira espontânea e tornou-se um símbolo de protesto. “Contar os números, devagar e solenemente, nos permite dar voz à magnitude do plano de demissões”, escreveu o jornalista Manuel Gonzalez, no El País desde 1989.

O ritual tornou-se um padrão de dignidade para uma equipe editorial que está mais unida do que nunca, diante das demissões levadas a termos os mais duros possíveis, permitidas por novas leis trabalhistas implementadas pelo primeiro-ministro conservador Mariano Rajoy. Um em três membros da equipe ficará sem emprego, em um dos setores mais atingidos pelo desemprego, em um país com seis milhões de desempregados.

A rigidez das medidas é difícil de ser aceita, pois o El País vem sendo um dos jornais mais rentáveis e um dos poucos que não teve prejuízo durante a crise. Fundado em 1976, um ano depois da morte do ditador Francisco Franco, o jornal ajudou a construir a democracia na Espanha e a modernizar um país que saía de 40 anos de ditadura. O diário representava o espírito da transição e defendia os valores progressistas, tornando-se um dos pilares centrais do jornalismo espanhol.

Distância entre equipes administrativa e editorial

A atual disputa laboral abriu um grande espaço entre a equipe editorial e a administração do jornal. Uma das primeiras medidas tomadas pela assembleia dos trabalhadores foi uma greve de três dias (o que não impediu que o jornal saísse às ruas), seguida pela retirada das assinaturas de repórteres de artigos em determinados dias. Os protestos foram irrelevantes para o produto final, pois os jornalistas mantiveram a qualidade. Mas a empresa respondeu com ameaças, destinadas especialmente aos correspondentes – com alguns sendo alertados de que poderiam voltar a Madri caso retirassem seus nomes das matérias. O resto da equipe ficou sob pressão, muitos recebendo cartas ameaçando ações disciplinares por desobediência da ordem da gerência. Um número de colaboradores respeitosos mostrou solidariedade à equipe, incluindo o ganhador do prêmio Nobel, Mario Vargas Llosa.

Juan Luis Cebrián, executivo-chefe da Prisa, editora do El País, e presidente do jornal, é o autor do plano de demissões. Ele usou a crise econômica e os problemas da indústria jornalística para justificar a decisão. No ano passado, ele ganhou 13 milhões de euros (em torno de R$ 33 milhões), incluindo salários, bônus e ações da empresa. Cebrián foi uma lenda no jornalismo espanhol, por anos, até se tornar um empresário. A equipe sentiu-se traída por ele. “Sabemos da severidade da atual crise econômica e dos problemas enfrentados pela mídia, mas mostramos nosso desejo de manter o jornal funcionando. Sabemos que, por anos, tivemos as melhores condições de trabalho no setor e oferecemos diversas vezes reduzir nossos salários para compensar qualquer prejuízo neste ano e em 2013. Entretanto, os donos têm outros planos. O editor Javier Moreno nos contou que esta disputa não é como as outras, porque antes era sobre como distribuir os lucros e agora é sobre a sobrevivência do jornal. Discordamos. Acreditamos que é o mesmo problema: antes, a administração relutava em compartilhar os lucros e agora eles estão relutantes em compartilhar as perdas”, escreveu Manuel Gonzalez.

Em carta aos leitores, no domingo (11/11), o jornal explica a situação por qual passa. “Durante os últimos 30 dias, os leitores doEl País, e a cidadania em geral, viram-se submetidos a uma tormenta de declarações, debates e opiniões de todo tipo sobre o presente e o futuro desse jornal. O motivo imediato foi um conflito laboral como consequência da decisão da empresa de apresentar um expediente de regulamentação de emprego que afetava a 30% da força de trabalho. O mesmo foi iniciado há um mês e acabou na quinta passada sem acordo com os representantes dos trabalhadores e empregados. Como consequência do desacordo e aplicando as leis vigentes, a empresa decidiu implementar de forma unilateral as medidas anunciadas sem as melhoras oferecidas durante a negociação, ainda que reduzindo o número de pessoas afetadas pela demissão de 149 para 129. (…) Queremos voltar a expressar nossa firme convicção de que uma empresa como o El País deve, como qualquer outra, a seus acionistas, e em nosso caso eles sabem que sua propriedade não inclui o direito de informação dos cidadãos. Tampouco pertence o jornal aos redatores do diário, mas sim a seus leitores”. Com informações do The Guardian [9/11/12].

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