Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘A Folha publicou, na quarta-feira, a íntegra de uma carta da filósofa Marilena Chaui endereçada a seus alunos da USP em que ela faz uma análise negativa do desempenho dos jornais na cobertura da crise política e defende o seu direito de não se manifestar por meio da imprensa.

É a peça mais importante de uma polêmica que tomou conta dos jornais com a realização do seminário ‘O Silêncio dos Intelectuais’, iniciado em agosto e que se estende até o início de outubro. Embora planejado em 2004, o seminário acabou confundido, na imprensa, com a crise do governo Lula e do PT.

Recebi 17 mensagens de leitores comentando a iniciativa da Folha. Nove questionaram o jornal por ter publicado a carta sem a autorização da autora e consideraram mais uma violência da imprensa. Quatro foram favoráveis à publicação e concordaram com as análises e as críticas feitas por ela. Dois protestaram por entender que a filósofa não merecia tanto espaço do jornal. E dois criticaram a publicação da carta associada ao escândalo do ‘mensalão’.

O editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, assim justifica a publicação: ‘A carta de Chaui, dirigida aos seus alunos, já circulava pela internet quando a Folha a publicou. Desde o domingo anterior, pelo menos, estava inclusive postada num blog, com amplo destaque. Era, portanto, pública. Constatado o evidente interesse jornalístico do que ali estava escrito, a Folha tomou duas providências: 1) procurou a autora, por e-mail e por telefone, informando-lhe do que se tratava, mas não obteve resposta até hoje; 2) ouviu quatro alunos e dois colegas de academia de Chaui para se certificar de que a carta era mesmo dela’.

O professor Francisco José Karam, da Universidade Federal de Santa Catarina e autor de ‘A Ética jornalística e o interesse público’ (Summus Editorial, 2004), entendeu que a Folha acertou ao publicar a carta: ‘Acho válida e ética a utilização da carta. Não é uma carta apenas particular. É de relevância pública e critica a mídia e os jornalistas. Se não fosse correto publicá-la, não seriam também vários outros documentos que, pelo valor jornalístico e critérios de noticiabilidade, o foram: de governos, de entidades e de pessoas públicas. E em nada depõe contra Chaui em aspectos particulares. Até a favorece e contribui para o debate público sobre a política e sobre o jornalismo’.

Tentei falar com Marilena Chaui na sexta-feira, por intermédio do jornalista Adauto Novaes, organizador do ciclo ‘O Silêncio dos Intelectuais’, mas a resposta que obtive foi a de que ela não queria dar entrevista.

Achei correto o jornal publicar a carta e só lamento que ele não a tenha aproveitado para iniciar uma discussão mais regular sobre o papel da imprensa. Embora possa discordar de vários pontos da análise política da professora, concordo com boa parte das críticas que faz, principalmente quando analisa o desempenho da imprensa neste momento e aponta para o que chama de ‘desinformação’. Há, de fato, um bombardeio de notícias desencontradas e a apresentação de notícias como opinião.

Ela coloca para discussão dois aspectos importantes do jornalismo aos quais não podemos fugir. Um, de fundo, antigo, que trata da arrogância da imprensa. E o outro, mais imediato, que se refere à qualidade da cobertura que realizamos da crise política.’

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‘A pesquisa ignorada’, copyright Folha de S. Paulo, 25/9/05.

‘As pesquisas de opinião exigem tratamento jornalístico cuidadoso. A leitura desatenta ou negligente pode ocasionar erros graves.

O Ibope divulgou na quarta-feira nova rodada da pesquisa que faz trimestralmente para a CNI (Confederação Nacional da Indústria). A comparação das edições de quinta-feira de alguns jornais mostra vários equívocos.

A desaprovação do governo Lula era de 38% em junho e chegou agora a 49%. A linha de aprovação também se altera: era de 55% e agora está em 45%. Como a margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, a perda de prestígio do presidente e de seu governo é inquestionável.

Ocorre que o mesmo Ibope fez pesquisa semelhante nos dias 18 e 22 de agosto para outro cliente. A comparação do resultado de setembro com o de agosto indica uma realidade um pouco diferente daquela apontada pela comparação com junho: a credibilidade do governo Lula, que vinha em queda desde junho, já tinha caído para 45% em agosto. Em setembro, portanto, não houve alteração.

Nem todos os meios de comunicação tiveram o cuidado de fazer esta ponderação. E ela é importante, não porque seja a favor ou contra o governo, mas porque é a realidade captada pelas pesquisas.

O comportamento da Folha foi incoerente. Internamente, ela destacou a pesquisa trimestral, uma opção correta sob o ponto de vista jornalístico, e informou que ‘o aumento nos índices de desaprovação ao governo e de desconfiança no presidente (…) precisa ser analisado com cautela’ por causa da pesquisa de agosto. O jornal publicou, inclusive, uma advertência do diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino: ‘A comparação [com agosto] mostra que não há uma queda, como a maioria dos veículos [sites e TVs] divulgou durante o dia de ontem [quarta-feira], mas uma estabilidade na avaliação do governo’.

Mas na capa o jornal ignorou suas próprias ponderações e divulgou apenas o resultado ultrapassado da comparação entre os dados de setembro e junho, desconsiderando agosto e a estabilidade apontada pelas pesquisas do Ibope e do próprio Datafolha.

Mesmo jornais habitualmente cuidadosos, como o ‘Valor’, preteriram a pesquisa de agosto e basearam seus noticiários exclusivamente na pesquisa trimestral. Algumas manchetes ilustram o resultado desta omissão: ‘Confiança em Lula despenca’ (‘Extra’), ‘Ladeira abaixo em todas as classes’ (‘JB’) e ‘Despenca confiança em Lula’ (‘Correio Braziliense’).

Dos jornais que consultei, apenas o ‘Zero Hora’, de Porto Alegre, publicou o infográfico com a série histórica da avaliação do governo incluindo as pesquisas de julho e agosto, e não somente as de junho e setembro. E a manchete interna do ‘Globo’ foi a que acabou melhor retratando o fenômeno a que assistimos: ‘Após queda acentuada, popularidade de Lula fica estável’.’

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‘Comunicado interno – Enviados especiais’, copyright Folha de S. Paulo, 25/9/05.

‘A Folha divulgou nova orientação a seus editores a respeito da publicação de relatos de repórteres deslocados para coberturas especiais. O comunicado, assinado pela editora-executiva do jornal, Eleonora de Lucena, foi distribuído pela Secretaria de Redação na quinta-feira.

A nova orientação é bem-vinda. A cobertura inicial dos estragos do furacão Katrina no sul dos Estados Unidos, no início de setembro, demonstrou que o jornal deve ter mais cuidado no uso das assinaturas dos enviados especiais (vide colunas do ombudsman de 4 de setembro, ‘O artifício especial’, e de 11 de setembro, ‘Efeitos do Katrina’).

Reproduzo, para o conhecimento e o monitoramento dos leitores, a íntegra do comunicado interno da Folha:

‘Para aumentar a transparência do trabalho de enviados especiais, deve-se ser mais fiel à produção do jornalista na elaboração do crédito das reportagens. Assim, quando a situação de trabalho for muito precária e/ou se a chegada ao local da cobertura jornalística for próxima do horário de fechamento, impossibilitando a produção do relato mais importante e completo do dia, deve-se creditar o texto principal às agências internacionais, cabendo ao enviado o relato de suas primeiras impressões em texto à parte. Em situações de rotina, o enviado especial assina sua reportagem e, se necessário, deve ser feita menção, no rodapé do texto, ao trabalho das agências e/ou de outros colaboradores’.’