A pressão do lobby das empresas de telecomunicações e dos direitos autorais levou ao quarto adiamento da votação do projeto de lei do Marco Civil da Internet (PL 2.126/2011) na Câmara dos Deputados. Elaborado a partir de consultas públicas realizadas nos últimos três anos, o texto original foi modificado pelo relator Alessandro Molon (PT-RJ) na última hora para atender interesses do ministro das Comunicações e de lobistas, o que gerou divergências no Parlamento e descontentamento da parte da sociedade civil que participou das discussões que formularam a proposta anterior.
Cada adiamento da votação tem representado um passo atrás nos avanços que o projeto de lei original representava. De acordo com Paulo Rená, integrante do grupo de pesquisa Cultura Digital e Democracia da Universidade de Brasília (UnB), “é um absurdo o que vem sendo feito com o conteúdo do texto. A gente tem visto o enfraquecimento da proposta que tem respaldo da sociedade e fortalecimento do jeito tradicional de se fazer política: o das discussões de gabinete”.
Entidades da sociedade civil lançaram nota defendendo a importância do Marco Civil da Internet como lei garantidora dos direitos e liberdades na rede. De acordo com o expresso no documento, o PL 2.126/2011 teria inclusive sido construído dentro dos pressupostos exigidos por essas entidades, com ampla participação, por meio das consultas públicas e discussões realizadas por todo o país, acessíveis a todos e todas pela internet. Entretanto, grupos de interesses prioritariamente comerciais, ausentes durante todo o processo participativo anterior, teriam se mobilizado no último momento pressionando e influenciando a Câmara do Deputados, o que resultou em modificações no ponto referente à “neutralidade da rede” e na inserção de um novo parágrafo que permite a remoção de conteúdos denunciados como violação dos direitos autorais ainda que não haja decisão judicial prévia sobre o tema.
Sombra da censura
Além dos retrocessos em relação ao documento do Marco Civil da Internet, as manobras de parlamentares, governo e lobistas ameaçam o significado dos avanços que têm representado a criação de mecanismos de participação social. “Como vamos acreditar em futuras consultas públicas feitas por órgãos governamentais se, no último minuto do jogo, o lobby das comunicações e do direito autoral fez com que tudo que foi discutido até agora fosse jogado no lixo?”, questiona Marcelo Branco, representante da Associação SoftwareLivre.org, em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Em nota pública, as entidades da sociedade civil defendem que no documento do Marco Civil da Internet esteja escrito de forma bastante clara que cabe à Presidência da República regulamentar a neutralidade da rede por meio de decreto. “O princípio da neutralidade é a garantia da não discriminação de tráfego na rede. À neutralidade se devem a igualdade de condições na Internet e o respeito à privacidade na navegação dos usuários”, afirmam. A Associação de Software Livre.Org também lançou nota defendendo esse ponto, pois para ela “sem Neutralidade de Rede, teremos o caminho aberto no Brasil para que se crie a segregação econômica do acesso à Internet”.
A sociedade civil solicita ainda a retirada do segundo parágrafo do artigo 15º, incluído às vésperas da votação do Projeto de Lei no último dia 8/11, que traz o risco de dispensar a decisão de um juiz para autorizar a remoção por provedores de conteúdos que sejam acusados de violação de direitos autorais. Teme-se que se abra o precedente para que “o julgamento não seja feito pela Justiça, mas pelo próprio provedor, em âmbito privado, configurando censura prévia, que é inconstitucional”, conforme expresso no documento citado.
***
[Bruno Marinoni, do Observatório do Direito à Comunicação]