Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Só a educação liberta

Um ano após a ocupação militar da favela da Rocinha, no Rio, o que eu mais temia está ocorrendo. Pelo menos três obras que deveriam ser cumpridas até o fim de 2012 ficaram só na promessa: a creche-modelo para 150 crianças está pela metade e virou criadouro de mosquitos; o plano inclinado, que foi amplamente divulgado pelas autoridades na época, está estagnado, inclusive algumas ferragens que estavam no local foram furtadas; e a reurbanização do Largo do Boiadeiro e da Rua do Valão também não ocorreu.

Na época da ocupação, a espetacularização pela mídia e sua frustração por não ter ocorrido um enfrentamento me chamou a atenção. Foi então que houve uma avalanche de promessas. Dentre elas, a de que a Rocinha receberia R$ 756 milhões até 2014. Medidas paliativas e populistas foram tomadas para agradar à mídia e ao povo. O que mais se ouvia era sobre a tal “pacificação”, termo para lá de discutível já que a sensação de guerra urbana nunca foi maior na favela do que no asfalto.

A única mudança significativa foi a migração do tráfico das ruas principais para o interior da favela, que ainda existe, mas agora é itinerante. A sensação de insegurança aumentou e a ostentação de fuzis, atualmente nas mãos dos policiais, sempre me agrediu profundamente e hoje em dia tenho muito receio de andar à noite na favela e ser confundido com um traficante, já que nestas condições eu não sou um cidadão, sou apenas um elemento e morto não depõe.

Educação e valorização da cultura

Tudo isso é muito sério, entretanto, como afirmei na entrevista que dei ao Globo Comunidade na época. A minha preocupação maior era com a qualificação da população através da educação e com a efemeridade das políticas públicas. Ouvindo isso, o subsecretário de Defesa e Promoção de Direitos Humanos, Antônio Carlos Biscaia, afirmou que as ações iriam continuar e que haveria a construção de um Centro de Referência para a Juventude, CRJ, que até hoje também não saiu do papel.

Tenho certeza de que a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) é um projeto que tem como motivação maior os jogos internacionais nos próximos anos e não o bem-estar do favelado. Ainda assim, tinha esperança de que o abismo que nos separa da sociedade formal fosse diminuído. Mas não dá para acreditar em desenvolvimento dos moradores da favela se a cultura e a educação destes nunca foram prioridades para o governo.

Não posso aceitar ações públicas pré-definidas sem que a população seja realmente consultada, não posso aceitar que me digam o que eu preciso, não posso aceitar “cala-boca”, não posso aceitar migalhas. Sou morador de favela, mas não sou cidadão de segunda classe. Sei que os políticos não querem um povo que tenha pensamento crítico, pois este se tornaria uma ameaça. Entretanto, é preciso se mobilizar e pressionar o governo por melhorias na saúde, no saneamento básico, mas, principalmente, é preciso educação de qualidade, acesso ao ensino superior e valorização da cultura local.

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[Marcos Cavalcante Barros é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]