Aos 68 anos, Juan Luis Cebrián, que fundou um dos jornais mais lidos do mundo – o El País –, foi chamado de “traidor” pelos sindicatos. No comando da Prisa, que controla o jornal, anunciou corte de 30% dos funcionários, redução de 15% nos salários e fim dos suplementos regionais.
Cebrián previu que nenhum jornal do mundo escapará à transformação provocada por mudanças tecnológicas: “Fizemos uma mudança de modelo: queremos ser um jornal global”. Ele acusa a chanceler alemã Angela Merkel de estar levando a Europa para uma recessão que pode se espalhar no mundo, criticou a França de François Hollande e chamou de incapazes os que comandam a União Europeia.
Por que um corte tão drástico se o jornal é um dos poucos no mundo que não perdeu com a crise?
Juan Luis Cebrián – Fizemos uma mudança de modelo. Queremos ser um jornal global. Não acabamos com as redações regionais, seguimos produzindo informações na Galícia, Andaluzia e no País Basco. O que abandonamos foram publicações com algumas informações locais que não têm maior interesse. Estamos ampliando operações na América Latina e na Europa. Estamos no Peru, vamos publicar na Colômbia e no ano que vem teremos uma edição em português no Brasil. Há uma crise profunda nos jornais, mas a decisão tem a ver também com mudança de tecnologia.
Para sobreviver, o El Paísprecisa se transformar?
J.L.C. – Sim. O El País e qualquer jornal do mundo. Ou jornais se convertem em jornais muito locais ou em jornais globais. Mas não tem espaço para muitos jornais globais. Portanto, estamos num momento de transição fundamental. Quiosques e livrarias estão fechando, e a distribuição física dos jornais vai ser cada vez mais difícil.
Isso vai levar a uma consolidação de grupos de comunicação?
J.L.C. – Com certeza. Já está acontecendo no mundo todo e este processo chegará antes ou depois no Brasil. Não há espaço para muitos jornais globais brasileiros, apenas um ou dois. Nós estamos seguindo o modelo do New York Times: presença global e enorme presença na internet, sobretudo nos meios de comunicação móvel.
Então é isso ou tornar-se imprensa muito local?
J.L.C. – Há muitos jornais locais americanos que estão com suas edições apenas na internet. Temos que ser muito cautelosos. Não digo que os jornais locais de papel irão nesta direção, mas cada vez vão ser mais caros, vão circular menos e, portanto, terão menos influência. Nós estamos fazendo um jornal global de papel, como o New York Times e o International Herald Tribune.
Jornais brasileiros estão ganhando hoje, mas vão passar pela mesma transformação que os europeus?
J.L.C. – Não pela mesma crise. Mas podem ter crise de publicidade. Se é verdade que o Brasil não está numa bolha, o que vai haver é mudança tecnológica. E a mudança vai chegar à imprensa brasileira como no mundo inteiro. Pode chegar mais tarde, mas vai chegar. O aumento das tiragens de alguns jornais no Brasil, não todos, se deve ao aumento da classe média dos governos (Fernando Henrique) Cardoso e Lula, o que leva a aumento da publicidade. No curto prazo, podemos pensar em aumento da publicidade e de consumo de jornais. Isso pode atrasar a chegada da transformação, mas ela chegará. E quando chegar, vai chegar com uma velocidade impressionante.
Quando sai a versão em português do El País?
J.L.C. – Devemos fazer isso na primeira metade de 2013. O investimento foi pequeno. Vamos reforçar a informação do Brasil, mas não vamos produzir informação local. Reforçaremos a informação porque o país é a quinta economia mundial, é a Alemanha da América Latina, uma locomotiva. O jornal será impresso em São Paulo e distribuído lá, no Rio, em Brasília e, quem sabe, no Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Editores do El Paísentraram em greve. Como pensa em resolver esta batalha?
J.L.C. – Acho que representantes dos sindicatos erraram. Tinham informação e não negociaram sobre o fim dos contratos. Preferiram fazer assembleia.
Demissão de 129 pessoas era negociável?
J.L.C. – Era negociável. A última oferta que fizemos foram dois anos de indenizações sem imposto, o que equivalia a quase 3 anos de salário bruto como indenização, aposentadoria antecipada, demissões voluntárias e outras coisas. Os sindicatos não aprovaram. Saíram com a metade das indenizações. Pode haver acordo na fase de apelação nos tribunais. Estamos dispostos a manter a oferta que havíamos feito.
Dizem que o senhor ganhou € 13 milhões em salários, bônus…
J.L.C. – Não é bem isso. O que aconteceu é que eu disse que ia embora quando a empresa foi recapitalizada em 2010. Eu tenho o mesmo salário que foi se reduzindo, e vão reduzir ainda mais, do que o que tinha antes da recapitalização. Me disseram que iriam investir US$ 1 bilhão na empresa e que, se eu fosse embora, eles não investiriam. Disse “se querem que fico”… Não tinha fundo de pensão. Então me deram um número de ações no valor de € 2 cada e que hoje valem 30 centavos. Não eram € 13 milhões, digamos. Eram € 8 milhões, mas a metade vai em imposto. E com a queda das ações, que eu não vendi, hoje teria cerca de € 1 milhão.
Com 5 milhões de desempregados, para onde vai a Espanha?
J.L.C. – Precisamos de políticas de investimento e crescimento. Mas com a política de austeridade, não apenas a Espanha, mas toda a Europa estará em recessão.
E a política de Angela Merkel?
J.L.C. – É letal, é mortal! Se continuarmos seguindo a política de Merkel, vamos para uma recessão mundial.
Por que França, Espanha e outros não conseguiram reverter a política de Merkel?
J.L.C. – (O presidente francês François) Hollande prometeu políticas de crescimento e está fazendo o contrário. Falta de liderança política e incapacidade.
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[Deborah Berlinck, de O Globo, em Cádiz (Espanha)]