“Na segunda-feira passada, 'Tendências/Debates' trouxe, no alto, artigo de um jornalista americano comentando a desenvoltura com que brasileiros se beijam em público. O segundo texto da página era uma defesa da indústria do tabaco, assinada por um executivo da área.
Os dois artigos exemplificam bem a chacoalhada que a seção recebeu. A aposta parece ser alavancar novos nomes e vitaminar polêmicas.
Colaboradores jovens estão mais frequentes. Na última quinta-feira, um editor de 35 anos comentava a legalização da maconha em Washington e no Colorado e imaginava uma possível reação em cadeia, a favor das drogas, atingindo até a América Latina.
Neste ano, a seção abrigou textos de uma americana de apenas 20 anos comentando a baixa autoestima do brasileiro, de dois formandos em medicina (de 23 e 24 anos) criticando o exame do Cremesp e de um rapaz de 28 anos explicando por que desistiu da concorridíssima Escola Politécnica da USP.
A renovação dos colaboradores não descartou, felizmente, os mais experientes. O físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 81, foi o autor que mais publicou na página 3 neste ano. Foi ele também que inaugurou a seção, no longínquo 22 de junho de 1976, com um texto em que fazia um alerta: 'A tecnologia, talvez mais que a arte ou a ciência, não é apenas um componente passivo de nossa cultura, sobre a qual temos controle, mas é principalmente um condicionamento temível de nosso próprio comportamento'.
Desde o primeiro dia, a seção trazia o aviso de que 'os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal'. E também que a 'sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo'.
O pluralismo da seção, que hoje parece banal, foi inovador à época. Não havia o costume de publicar opiniões divergentes entre si ou opostas às defendidas pelo jornal.
Estávamos no governo Geisel, o da 'lenta, gradual e segura' abertura política, e a Folha precisava ganhar peso político para enfrentar o todo-poderoso 'Estado de S. Paulo'. 'Tendências/Debates', idealizada pelo publisher Octavio Frias de Oliveira e pelo diretor de Redação Cláudio Abramo, atraiu para o jornal intelectuais perseguidos pela ditadura -Fernando Henrique Cardoso, Plínio de Arruda Sampaio, Almino Affonso-, sem virar as costas aos apoiadores do regime, como Jarbas Passarinho, Plínio Corrêa de Oliveira e Jorge Boaventura.
A seção concretizava o 'balaio de gatos', expressão usada para criticar a Folha. No aniversário de 60 anos do jornal (1981), a filósofa Marilena Chaui elogiava o fato de, naquele almoço para colaboradores, 'encontrar pessoas com as quais trocaria socos na rua', mas ali ser 'possível uma convivência tranquila'. Chaui não escreve nem dá mais entrevistas para a Folha.
De lá para cá, vários jornais adotaram o 'balaio de gatos', visto agora como virtude, sinal de pluralismo. Para diferenciar-se, é preciso buscar novos colaboradores e temas instigantes, mas que tenham relevância -o que não é o caso das considerações sobre o jeito brasileiro de namorar, tema do artigo principal de segunda-feira.
'Tendências/Debates' tem acertado mais do que errado, embora sucumba, vez por outra, à polêmica fácil. Publicou, neste ano, artigos críticos ao feminismo, ao movimento negro, aos muçulmanos na Europa, que eram mais provocações do que defesas de teses consistentes.
Entre os acertos, há vários depoimentos que deram uma perspectiva real, não de especialista, a temas delicados, como o texto de uma mãe sobre as dificuldades que crianças autistas têm de serem aceitas por colegas nas escolas regulares.
É bom que a seção seja agitada por espíritos juvenis, mas sem se esquecer de que se trata de um espaço nobre, palco para um confronto de ideias que podem ser incômodas, mas que devem ser representativas do que há de melhor no pensamento brasileiro.