Os jornais noticiam com destaque, na quinta-feira (22/11), a troca de comando na segurança pública de São Paulo. Ao mesmo tempo em que mandava para casa o secretário Antonio Ferreira Pinto, o governo paulista antecipava a divulgação dos dados anuais de violência, contabilizados sempre em relação ao mês anterior e ao período de um ano antes.
Os casos de homicídios aumentaram 92% na capital, em outubro, em comparação com outubro de 2011, passando de 78 para 150 mortes. Neste ano, de janeiro a outubro, foram 1.157 assassinatos, mais do que o total dos doze meses de 2011.
Não está dito nos jornais, mas não se pode escapar à hipótese de que o governador tenha decidido demitir seu secretário no momento em que recebeu as estatísticas. Como se sabe, as decisões políticas são sempre movidas por números e ninguém que pretenda seguir ocupando cargos públicos pode conviver com indicadores tão nefastos como os que têm brotado das planilhas da polícia paulista.
Imagem forte
Na entrevista em que anunciou a troca de comando, o governador Geraldo Alckmin declarou reconhecer o que chamou de “dificuldades” no setor. O que o governador não disse, e a imprensa ignorou, foi outro elemento ainda mais perturbador: a sensação de insegurança que se espalha em manifestações espontâneas nas redes sociais da internet.
A decisão de antecipar a divulgação das estatísticas sobre a violência, prevista para o dia 25, segue uma recomendação muito comum dos consultores de gestão de crise: as más notícias devem ser liberadas todas de uma vez só, e de preferência junto com um fato que seja capaz de desviar um pouco a atenção do público.
Certamente, a demissão do secretário da Segurança Pública ajuda a amenizar os comentários sobre os números explosivos da violência, dissimula a inação que tomou conta do governo durante todo o semestre, enquanto se desenrolava a guerra que ameaça levar o pânico dos bairros periféricos para as zonas consideradas mais nobres da cidade.
Diante da ameaça de perder o apoio das classes médias tradicionais, consideradas formadoras de opinião, o governador tomou uma atitude. No entanto, entregar de bandeja a cabeça do secretário e, de quebra, anunciar a provável substituição do delegado-geral e de algumas outras autoridades, soa mais como acerto de disputas internas entre a Polícia Militar e a Polícia Civil do que como decisão estratégica.
O risco maior considerado nessa decisão não parece ter vindo dos fatos concretos representados pelo acúmulo de cadáveres, mas das prováveis consequências a serem enfrentadas nas eleições de 2014.
Não foi por mero acaso que a demissão de Ferreira Pinto se deu um dia depois de o ministro mais próximo da presidente da República ter comparado a situação na região metropolitana de São Paulo à última conflagração entre israelenses e palestinos.
A imagem é forte demais: no conflito do Oriente Médio, onde as duas populações convivem com chuvas de mísseis, sendo uma delas muito menos poderosa do que a outra, o número de mortes no auge da crise foi comparado à média dos assassinatos que têm ocorrido em São Paulo desde que se iniciou a sucessão de ataques.
Entrevistas disputadas
Ferreira Pinto, que havia conseguido a proeza de reduzir a criminalidade até o primeiro semestre deste ano, não poderia resistir a essa comparação. Agora que ele caiu, os jornais informam que havia uma disputa interna desde que ele decidiu enfrentar a corrupção policial, afastando agentes envolvidos com o crime e assumindo diretamente o controle da corregedoria.
Dessa maneira, a queda do secretário soa como resultado de uma decisão do comitê de crise que assessora o governador, mas também não se pode descartar a hipótese de que parte das pressões por sua derrubada tenha partido dos setores do sistema que lucram com a manutenção de certo controle sobre o crime organizado.
Não há, na história da criminalidade, registros de acordo entre polícia e bandido que não tenha resultado em grave contaminação do aparato policial. No caso paulista, certamente a mudança na cúpula da segurança pública vai acalmar a situação. Neste exato momento, em alguns recantos da cidade, agentes públicos estarão negociando a reorganização dos territórios do crime.
A imprensa seguirá acorrendo em massa às entrevistas coletivas e disputando a cotoveladas as cópias das declarações oficiais.