Qual seria a verdadeira intenção do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, ao relatar para a Folha de S. Paulo o processo pelo qual conseguiu chegar à Suprema Corte? E qual seria o propósito da Folha ao conceder generosamente duas páginas inteiras, na edição de domingo (2/12), às confissões do ministro?
Apontado como traidor por representantes do Partido dos Trabalhadores, por haver votado pelas decisões mais duras no STF contra os acusados no núcleo político da Ação Penal 470, apesar de ter sido indicado ao posto por alguns desses personagens, ele se viu na contingência de afirmar que não tinha obrigações para com seus apoiadores.
Seria apenas essa a motivação do ministro? Reafirmar sua independência?
A verdade é que, ao relatar detalhadamente o esforço que fez, em duas ocasiões, para ser conduzido ao Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux escancara o complicado jogo de acomodações e tráfico de influência que define a composição da mais alta instância da Justiça.
Não que os jornalistas e a maioria dos leitores mais críticos de jornais não saibam como se dá esse processo. Mas daí a descrever como um magistrado vagueia de gabinete em gabinete, de restaurante em restaurante, a mendigar a lembrança de seu nome, vai a diferença que pode valer a reputação do próprio tribunal.
Mendicância de favores
O ministro e a jornalista que o entrevistou, a colunista Mônica Bergamo, sabem muito bem que tais declarações podem conduzir ao raciocínio segundo o qual as duras e polêmicas decisões do STF na Ação Penal 470 podem ter sido influenciadas justamente pelo sentimento explicitado por Fux na entrevista – a obsessão de provar que não deve favores.
Também neste caso, aqueles que acusam a Corte de haver sido influenciada por motivações políticas acabam ganhando um argumento de peso. Segundo a Folha, o ministro procurou o jornal para conceder a entrevista. Ele se sentia pressionado por insinuações que vinham aparecendo na imprensa dizendo que ele havia se reunido com réus do processo antes do julgamento.
Luiz Fux declara, na entrevista, que pediu ajuda ao ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, ao ex-ministro José Dirceu, aos deputados João Paulo Cunha e Cândido Vaccarezza, ao ex-ministro Delfim Netto, ao líder do MST João Pedro Stedile e a outros personagens, para ser indicado ao STF.
Entre esses avalistas de sua candidatura, Dirceu e Cunha estavam com a corda no pescoço quando Luiz Fux pediu ajuda para ser guindado à instância máxima da carreira no Judiciário.
Ele nega, na entrevista, que tenha pedido o apoio também de Paulo Maluf, que tem pelo menos três acusações pendentes de julgamento no STF. O ministro afirma que, ao levar seu currículo a José Dirceu, não se lembrou de que ele era réu na Ação Penal 470. Acreditar nisso seria o mesmo que desconsiderar o tirocínio do magistrado. Inevitável imaginar que um jurista assim distraído não deve ter o perfil adequado para ser ministro da Suprema Corte de Justiça, mas ele chegou lá.
Suas justificativas, mais do que servirem de vacina contra maledicências que, segundo afirma, andam espalhando por aí, acabam reforçando a desconfiança de que não apenas ele, mas todos os ministros indicados para o STF fizeram o mesmo caminho da mendicância de favores, o que atinge diretamente a reputação do Supremo Tribunal Federal e de todo o Judiciário.
Cativo arbítrio
Ao procurar se contrapor a intrigas que, na sua opinião, poderiam afetar sua imagem pessoal, o ministro Fux acaba resvalando para a política rasteira, arrastando consigo toda a Corte.
O contexto que ele explicita como sendo o processo de indicação e escolha dos magistrados que irão compor um dos três poderes máximos da República não exala qualquer essência da pompa que a toga quer significar. Só está faltando aparecer um bilhete de Rosemary Noronha apoiando sua postulação.
O uso da expressão “mato no peito”, que teria sido interpretada como uma promessa de julgamento favorável dos réus que apoiaram sua ascensão na carreira, também não contribui para melhorar seu perfil. E mesmo sua performance como guitarrista, na posse do novo presidente do STF, Joaquim Barbosa, não combina com a circunstância solene.
Completam o perfil que ele mesmo oferece as preferências de leitura do ministro: um livro de autoajuda intitulado Nietzsche para estressados.
Fux poderia ter ido ao original: Além do bem e do mal é obra seminal de Nietzche, mais adequada a pessoa com suas responsabilidades. Principalmente o trecho em que o filósofo fala sobre a distância entre o livre arbítrio e o cativo arbítrio.