Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os objetos de análise mudam, os analistas ficam no mesmo

A maioria dos críticos da cobertura da imprensa nas campanhas eleitorais repete, há décadas, os mesmos argumentos e chega às mesmas conclusões. Quando analisam os telejornais da Rede Globo, por exemplo, os analistas gastam páginas e páginas para comprovar teses conspiratórias e, de um modo geral, apontam: os donos da Globo, em conluio com os dirigentes dos partidos de centro-direita, participam das definições da candidaturas e interferem, depois, no trabalho dos jornalistas para que todos sigam as determinações de prejudicar os opositores e beneficiar o nome escolhido.

Nas duas últimas semanas, Venício Lima (“A candidatura de oposição e a TV Globo”) e Gilson Caroni Filho (“JN e Alckmin: assim é, se lhe parece”), embora com algumas diferenças, acabam se filiando, mais ou menos, ao velho chavão interpretativo.

Lima chamou atenção para o fato de que o livro dos jornalistas Eduardo Scolese e Leonencio Nossa, Viagens com o presidente – Dois repórteres no encalço de Lula do Planalto ao exterior, revela que, em 20 de julho de 2005, os dirigentes do PFL Jorge Bornhausen e José Agripino Maia se encontraram com o principal executivo das Organizações Globo, João Roberto Marinho. Neste encontro, Marinho teria revelado sua preferência pela candidatura de Geraldo Alckmin, em detrimento do nome de José Serra. Com base nisso, Lima aventa a possibilidade de o encontro ter relação direta com o fato de o Observatório Brasileiro de Mídia estar detectando, “a exemplo de eleições anteriores, um flagrante desequilíbrio na cobertura da grande mídia a favor do principal candidato de oposição”.

Bem mais enfático e conclusivo, Caroni Filho usa uma reportagem de Pedro Bial, sobre as péssimas condições da rodovia BR-316, como uma excelente comprovação de que os jornalistas da Rede Globo estão mesmo seguindo as orientações do proprietário da emissora e fazem o possível para beneficiar Alckmin e prejudicar Lula. Caroni Filho nos leva a crer que a reportagem foi mesmo “pura propaganda ideológica em favor da candidatura Alckmin na reta final da campanha”.

“Mapas de significado”

Depois desta longa, mas necessária introdução, pergunto: quando nós, analistas da cobertura de campanhas eleitorais, iremos além das teorias conspiratórias? Quando ofereceremos e produziremos análises menos simplórias? E mais: quando, efetivamente, reconheceremos que o que se apresenta como “conclusão” não passa de hipótese e suposição?

Ora, existe uma longa produção na área do jornalismo que não compactua com as teses da conspiração. Não porque a conspiração não existe, mas para destacar que, para comprová-la, não basta apenas analisar o conteúdo dos telejornais ou coletar declarações dos donos das emissoras.

Para efetivamente termos certeza de que as reportagens foram construídas com determinadas intenções políticas, o analista deveria ter acompanhado o processo de produção do material jornalístico. Sem isso, o máximo que podemos reunir são evidências, formular hipóteses que, algumas vezes, parecem muito plausíveis. Alguns destes momentos foram citados por Venício Lima. No entanto, sempre citamos os momentos extraordinários para, a partir deles, supor que toda e qualquer reportagem segue a mesma orientação e tendência.

Caroni Filho, talvez já imaginando eventuais críticas, diz: “Muito bem, não faltarão objeções ao teor deste pequeno texto. O que o JN produziu foi bom jornalismo, dirão alguns. Cumpriu com excelência o papel de fiscalizar os poderes públicos e não encobrir as mazelas da administração federal.” Minha crítica não pretende usar estes argumentos. Eles seriam tão redutores quanto os originados na teoria da conspiração. Particularmente, tenho anotado uma série de críticas possíveis de serem feitas à Caravana JN. Pretendo fazê-las assim que ela terminar, para não correr o risco de cometer equívocos. No entanto, para não parecer que estou fugindo da questão, adianto que a Caravana JN pode ser criticada por estar trabalhando em “mapas de significado” já conhecidos (gaúchos pilchados no Sul, fiéis de Padre Cícero e jangadeiros no Nordeste). Daí, cabe a pergunta: o JN não está perdendo a oportunidade de mostrar aquilo que o Brasil não conhece? Além disso, era preciso fazer a caravana para revelar “desejos” que todos nós já conhecemos?

Perspectivas ultrapassadas

Voltando à reportagem sobre a situação da BR-316, por que não é possível supor que Pedro Bial decidiu-se pela reportagem simplesmente porque o assunto atendia aos chamados “critérios de noticiabilidade”? Será que ele não foi influenciado pelas pessoas que, como ele, transitavam pela rodovia? Estas possibilidades são absurdas? Não parecem.

Caroni Filho também cita um texto de Victor Gentili, sobre a cobertura do Jornal Nacional nas eleições de 1998. O objetivo é mostrar que, na campanha da reeleição de FHC, o telejornal preferiu destacar temas “ecológicos” e silenciou sobre os problemas brasileiros e sobre a própria eleição. Gentili tem razão. No entanto, depois da cobertura de 1998, tivemos a de 2002. E a cobertura do pleito que levou Lula ao poder é um divisor de águas no JN.

Apesar de todas as evidências, parece que os analistas não viram ou preferem não ver estas significativas mudanças. E elas ocorreram por uma série de fatores, que já apontei em outros momentos. Pelo visto, enquanto os objetos de análise mudam, os analistas continuam adotando as mesmas e ultrapassadas perspectivas. E, assim, produzimos apenas o mais do mesmo. Até quando?

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Professor universitário e pesquisador do Cult/UFBA