Em época de eleição é comum encontrar na rua carros de som executando jingles eleitorais de candidatos. “Lula lá, brilha uma estrela, Lula lá”, “Varre, varre, vassourinha. Varre, varre a bandalheira”; ou “Ei, ei, Eymael, um democrata-cristão” são alguns dos trabalhos publicitários que entraram para a história ao serem propagados pelo país. Aparentemente inofensivos, são estrategicamente estruturados e elaborados para causar impacto no eleitor.
“Existem diversos profissionais que trabalham por trás dos jingles”, diz Mitsuru Yanaze, professor de Marketing e Comunicação do Departamento de Relações Públicas, Publicidade e Propaganda e Turismo da Universidade de São Paulo (USP). “Ele não é inofensivo. Se não gerar mudança quer dizer que não prestou”. Um empresa gaúcha, por exemplo, no mercado há 25 anos, cobra a partir de R$ 4.900 a candidatos a deputado federal, R$ 9.900 (a governador) e R$ 18 mil (a presidentes).
Segundo Yanaze, o jingle deve chamar a atenção, passar uma mensagem rápida, objetiva e às vezes sonoramente agradável. Para tanto, apela a temas sociais, a músicas e artistas que estejam na moda, criando forte laço de identificação com o eleitor. Estimular a lembrança e fazer com que as letras sejam cantadas e disseminadas também são aspectos fundamentais. “Feito isso, o objetivo está concretizado”, diz o professor.
Antes de produzir um jingle, há uma longa fase de estudos. São realizadas pesquisas de mercado para saber qual é o público-alvo, o tema a ser abordado e o que mais sensibiliza o consumidor-ouvinte naquele momento. A letra tem de bater com as expectativas do eleitor e levar a um interesse comum. Para o professor Plínio João de Souza, de Sistemas de Informação da PUC-SP, ESPM e Unifieo, dependendo do trabalho ele é lembrado para o resto da vida, passando de geração a geração. “Você pega o subconsciente, o lado emocional e associa ao comportamento de consumo da pessoa”, afirma. “Juntando a melodia, as rimas, o dia-a-dia e as associações do cotidiano, o resultado é fatal”.
Falta de julgamento
Souza acredita que não é um processo racional, já que é incutido de forma subliminar no eleitor, e que é um método extremamente eficiente, pois condiciona o cérebro. “Parece inofensivo, mas não é. É muito bem pensado. Era assim com Goebbels, chefe da propaganda nazista de Hitler”, compara.
Afirmar que o voto inconsciente – facilmente levado pela propaganda eleitoreira – é atitude de pessoas menos escolarizadas pode ser um preconceito, na opinião de Robson Colosio, psicólogo social do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP. Segundo ele, não há estudos que comprovem a tese popular. “Depende do grau de organização psíquica da pessoa, independe do grau de escolarização, diz. “Se ela não tem bons relacionamentos afetivos, profissionais e culturais, agarra-se aos elementos do mundo externo e talvez seja influenciada, pois não é capaz de definir por si própria”.
Sendo assim, qualquer pessoa, independentemente da classe social, pode ouvir um jingle eleitoral e, na hora de votar, agir conforme pede a “musiquinha”. Colosio acrescenta que é o mesmo comportamento do consumidor desenfreado, que se apega a fatores externos por carecer de falta de julgamento. No caso das crianças, que saem cantando os jingles, o psicólogo diz não haver problemas, pois é uma forma de brincadeira entendida do jeito dela. “Não é o mesmo efeito para todos: conforme crescem, entram em contato com outras realidades e passam a entender melhor essas informações”.
Tormenta diária
O que pensam os eleitores a respeito dos jingles que rodam diariamente nas ruas? “Extremamente chato e irritante. Tentam convencer pela repetição e o cansaço, sem passar nenhuma informação”, reclama o produtor cultural Fabio Mambro, 38 anos. Para ele, o Tribunal Superior Eleitoral deveria proibir a circulação dos jingles. “Não esclarece nada sobre o candidato, e existem outras formas de passar informações aos eleitores”.
A dona de casa Cristiane Andrade, 37 anos, acredita que não deveria ser proibido, pois “é um mal necessário”, já que muitas pessoas usam os jingles na hora de votar. Porém, concorda que as canções incomodam e que nada esclarecem. “Apenas um atrativo para memorizar o nome e o número do candidato”. Já o porteiro Pedro Putini, 55 anos, sente na pele o barulho dos carros de som. Ele, que às vezes trabalha no turno da noite, diz que não consegue dormir durante o dia por causa das “incessantes musiquinhas”. “É um barulho danado. Showmício é bem melhor, pois vai quem quer e a bagunça fica num só lugar”.
Se para os eleitores ouvir os jingles de vez em quando já é uma grande tormenta, pior para os motoristas dos carros de som, que trabalham de 8 a 10 horas diárias na companhia dos “agradáveis” ritmos. “Realmente é cansativo”, diz o chefe de transportes sonoros de um partido político de Osasco, que não quis se identificar. “Quando chego em casa não consigo escutar nem rádio, é preciso um descanso legal”.
Atenção às atitudes
Para driblar o cansaço, muitos usam protetores de ouvido, fones ou fecham os vidros para isolar o som. Geralmente, trabalham de domingo a domingo e rodam aproximadamente 110 quilômetros por dia. Os locais mais visados são as ruas movimentadas, as regiões centrais e as zonas eleitorais. “Sabemos que incomoda, mas é o nosso trabalho”, lamenta o chefe de transportes, que revela já ter sido xingado por passantes em alguns bairros da cidade. “É por isso que temos um horário fixo, das 9hs às 19h30”. Pela Lei Eleitoral, o jingle é permitido entre 9h e 23h. O salário varia. Para os que não têm automóvel, gira em torno de R$ 700. Para os que contam com veículo próprio, R$ 1.200, fora gastos com combustível.
Para não cair na armadilha do jingle, a única alternativa é estudar as ações do candidato a ser votado e prestar atenção ao cenário político. Quem aconselha é a colunista política Dora Kramer, 21 anos de profissão, atualmente no Estado de S. Paulo e na Rádio Band News. Para ela, o jingle pode até ser divertido, mas “é preciso amadurecimento para não se definir apenas pela propaganda”. A internet facilita. “É só puxar a listagem dos deputados e senadores e examinar, ver a biografia dos caras”, diz. “Eu não tenho a menor dúvida de que, se o voto for consciente, daremos um grande passo para mudar o Brasil”
A lista com biografia, ideologia e partido político dos candidatos está disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral. Ao entrar, basta clicar no link “divulgação de candidaturas” para ter acesso às informações. Em São Paulo, concorrem 16 governadores, 19 senadores, 1.097 deputados federais e 1.778 deputados estaduais. “Não precisa fazer um estudo aprofundado: veja o noticiário, leia jornal, assista ao horário eleitoral, dedique-se um pouco à questão, pois o voto tem prazo de validade muito longo”, afirma. “Não caia em conversa, preste atenção nas atitudes.”
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Estudante de Jornalismo, Osasco, SP