Duas manifestações que vieram a público na semana que passou abrem espaço para novas angulações no debate sobre o futuro do jornalismo. Durante o Seminário Internacional Rumos do Jornalismo Cultural, evento paralelo ao MediaOn – Seminário Internacional de Jornalismo Online, que se realizou em São Paulo entre os dias 5 e 7/12, o ex-diretor de mídias digitais do jornal espanhol El País e professor da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano, Gumersindo Lafuente, observou que ainda há jornalistas que rejeitam as tecnologias digitais de comunicação, adotando uma atitude de negação diante da realidade.
A outra reflexão sobre o cenário das comunicações nasce de um manifesto de três pesquisadores do Centro Tow para Jornalismo Digital da Universidade Columbia, em Nova York, no qual os autores afirmam que as empresas tradicionais de mídia já perderam a oportunidade de reinventar seus negócios.
A declaração de Lafuente apanha no contrapé muitos estudiosos do jornalismo contemporâneo que vêm adaptando argumentos de fontes diversas, como a Teoria Crítica e a Nova História, ou versões “higienizadas” de matrizes marxistas, para demonizar as tecnologias digitais, afirmando que as redes sociais e outras novidades da internet móvel são apenas a mais nova forma de dominação do capitalismo.
Para tais pensadores, a tecnologia é uma catástrofe, não no sentido de mudança ou mutação como foi proposto pelo filósofo Vilém Flusser, mas no sentido de uma tragédia no caminho da civilização.
Receitas em queda
Essa linha teórica afirma que, como alguns ganham muito dinheiro com a disseminação das mídias digitais, os usuários das redes sociais criadas sobre essa base tecnológica estão simplesmente tendo seu trabalho – no caso, uma espécie de trabalho imaterial – sendo explorado pelo capital. Segundo essa visão, o advento das tecnologias contemporâneas de informação e comunicação é apenas um estágio mais avançado do processo de exploração capitalista.
Gumersindo Lafuente recomenda que, em vez de vociferar contra o avanço do conhecimento, os jornalistas deveriam deixar o passado para trás e dar um fim à indústria do papel de imprensa.
O manifesto dos pesquisadores da Universidade Columbia é ainda mais radical: para Clay Shirky, Christopher Anderson e Emilly Bell, a indústria da informação que um dia conhecemos não existe mais – e discutir um futuro para a imprensa tradicional é perda de tempo. (O original em inglês pode ser baixado aqui em formatos pdf, epub e mobi.)
Entre outras coisas, os autores observam que não faz mais sentido pagar por pacotes de conteúdos que misturam notícias com horóscopo, fofocas, receitas, esportes, opiniões e simples palpites, quando se pode obter coisa melhor em outras fontes. O que os representantes da mídia chamam de fidelidade, afirmam, não passa de preguiça e acomodação.
O texto pondera que a internet é um ambiente essencialmente flexível e visual, o que não combina com sistemas de decisão centralizados e verticais, que implicam estruturas complexas de alto custo. Tais sistemas não podem funcionar sem uma organização de estrito controle, que exige a proximidade entre pessoas que produzem palavras e as máquinas que as multiplicam.
O que os autores chamam de “jornalismo pós-industrial”, ponderam, simplesmente não tem como sobreviver diante da queda das receitas de publicidade, um fenômeno que se arrasta há mais de uma década nos Estados Unidos e tende a se espalhar pelo resto do mundo.
Sapo em água fervente
O manifesto aborda ainda a circunstância irônica na qual os jornalistas têm muito mais acesso a informação, por causa das maiores exigências de transparência por parte da sociedade, contam com novas ferramentas para criar formas visuais e interativas de apresentação de seus conteúdos, mas o público também tem acesso às mesmas fontes.
O que os três pesquisadores chamam de superdistribuição – e poderia ser também qualificado como hipermediação – significa que também o cidadão comum ou uma publicação menos importante pode produzir e distribuir conteúdos interessantes e de qualidade.
Bell, Shirky e Anderson encerram o estudo citando um relatório produzido em 1992 pelo então diretor do Washington Post Robert Kaiser, que, ao ser apresentado às ainda distantes possibilidades das publicações multimídia, escreveu: como o sapo em água fervente, “estamos nadando num mar eletrônico, onde podemos ser devorados ou ignorados como um anacronismo desnecessário”.