Em março de 2012, foi aprovado, por unanimidade, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o projeto de lei (PLS 141/11) do senador Roberto Requião (PMDB-PR) que regula o exercício do direito de resposta ou retificação do ofendido por matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículos jornalísticos. O argumento para a aprovação foi a garantia de direito de resposta sem ameaça à liberdade de imprensa.
O tema é seminal em tempos do recém-publicado Relatório Leveson (que propõe a regulação da mídia britânica e cujo conteúdo de quase duas mil páginas tem provocado polêmicas discussões sobre a regulação da mídia brasileira) e visceral para os que defendem liberdade de imprensa e de expressão com responsabilidade, após a revogação total da Lei de Imprensa (5250/67), em 2009, considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Desde então, ficamos órfãos de uma norma processual específica que garanta um rito especial e célere para o direito de resposta, de modo a impedir eventuais arbitrariedades cometidas pela imprensa. Aliás, vale lembrar que ainda é consenso entre muitos estudiosos e especialistas do Direito Constitucional que a Lei 5250/67 poderia ter sido revogada em parte, retirando-se apenas os artigos obsoletos.
É bom enfatizar que a defesa pelo direito de resposta passa pelo entendimento de que, se é verdade que nossa Constituição garante a liberdade de manifestação de pensamento (art. 220), essa mesma liberdade tem como contrapartida a responsabilidade pelo pensamento livremente manifestado. E aqui não se trata – porque seria afrontosamente inconstitucional – de censura prévia ou limitação de conteúdo. Trata-se só do direito de retificação aos cidadãos que se sentirem moralmente atingidos por eventuais excessos cometidos pela imprensa. E é por todos esses motivos que também defendo que o direito de resposta – caso negada a retificação espontânea dos meios de comunicação – deve ser processado e julgado de forma especial, pois os delitos cometidos por meio da imprensa (calúnia, difamação e injúria) são considerados sui generis, uma vez que deve predominar o critério de interesse público, isto é, o critério de justiça cede lugar ao da coletividade.
Direito proporcional
Entretanto, assim como outros projetos de lei apresentados ou apensados sobre o direito de retificação, a começar pelo próprio texto da nossa Constituição Federal (art. 5º: “é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”), o PLS 141/11 também parece incorrer numa interpretação farisaica do ritual do direito de resposta, conforme explicação de sua ementa: “assegura ao ofendido o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo”; “estabelece que a retratação ou retificação espontânea, a que sejam conferidos os mesmos destaque, publicidade, periodicidade e dimensão do agravo”; “dispõe que será conferido à divulgação da resposta ou retificação idêntico alcance dado à divulgação do agravo” e “estabelece que o ofendido poderá requerer que a resposta ou retificação seja divulgada, publicada ou transmitidano mesmo espaço, dia da semana e horário do agravo” [grifos meus].
De fato, do jeito como a ementa do PLS 141/11 foi explicada, parece, sim, reforçar a ideia de um direito de resposta – espontâneo ou não – com fixação legal rigorosamente farisaica de tamanho, espaço e tempo a ser veiculado nos meios de comunicação, o que pode implicar pouca eficácia do projeto de lei para atingir seu objetivo precípuo: disciplinar uma norma específica que regule, democraticamente, as relações da mídia com a sociedade.
E, para explicar esse equívoco de hermenêutica teleológica do PLS 141/11, recorro ao advogado, jornalista, escritor e professor de Ética da UFMG Anis José Leão: ele defende que a palavra “proporcional” quer dizer que a retificação há de ser proporcional à quantidade de sofrimento, prejuízo, lesão, ofensa, danos sofridos pelo interessado, e não a uma proporção milimetricamente calculada de tamanho, espaço e tempo. Por exemplo: um jornal ou emissora de rádio/televisão pode, em treze linhas ou em trinta segundos, arrasar com a dignidade e o decoro de um cidadão. A defesa dele pode necessitar de mais linhas, espaço e/ou tempo do que se gastou para ofendê-lo, uma vez que a expressão “proporcional” denota “que está proporcionado, que mantém equilíbrio das partes, que está em relação adequada a outro”.
Enfim, o objetivo deste artigo é contribuir para o PLS 141/11 – que já está pronto para entrar em pauta na Câmara dos Deputados, desde o dia 22 de novembro deste ano – de modo que o texto da ementa acolha a interpretação do professor Leão, a fim de se alcançar a eficácia do direito de retificação, qual seja: medir a reação de satisfação de quem está a merecer, em legítima defesa, território mais largo do contraditório, tendo em vista que, assim como não há liberdades absolutas em um Estado Democrático de Direito, também há relativa liberdade quando se trata de direito de resposta “proporcional” ao agravo.
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[Valéria Said Tótaro é jornalista, professora de Ética e Deontologia do Jornalismo e ex-diretora do SJPMG.]