Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um jeito anônimo e polêmico de usar a web

Há mais de quatro anos, William Weber vem ajudando a administrar um serviço gratuito chamado Tor, que torna a navegação na internet anônima para qualquer pessoa.

Mas em 28 de novembro, a polícia apareceu na casa de Weber, de 20 anos de idade, em Graz, na Áustria, e o acusou de distribuir pornografia infantil. Ele diz que as autoridades confiscaram seus computadores, e ele agora aguarda acusações formais que o podem levar à prisão.

Weber diz que o material pornográfico não lhe pertence. Mas pode ter vindo por meio dos seus computadores, o preço inevitável de servir como voluntário para a rede Tor, que está crescendo rápido. “Claro que é ruim” que a Tor possa ser usada por criminosos, diz ele, mas “não há nada que eu, ou o Projeto Tor, possamos fazer”.

Sua experiência mostra bem os desafios diante do Tor Project Inc., firma sem fins lucrativos com dez anos de existência sediada em Walpole, no Estado americano de Massachusetts, e que espera tornar generalizada a navegação anônima na internet. O projeto depende de voluntários como Weber, cujos computadores ajudam a redirecionar e ocultar o tráfego na web.

Criado, em parte, para esconder as atividades on-line de dissidentes em países como Irã e China, que censuram a internet, o serviço Tor viu sua popularidade crescer na Europa e nos Estados Unidos devido às preocupações sobre a privacidade on-line. No ano passado, o uso desse software gratuito quase dobrou, para cerca de 600.000 pessoas a cada dia, diz o grupo.

“Há dez anos, ninguém tinha esse conceito de privacidade”, diz Andrew Lewman, diretor-executivo da Tor. “Mas com o escândalo do [ex-general americano David] Petraeus e os celulares que registram a localização do usuário, agora isso não parece mais tão absurdo”. Hoje, cerca de 14% do tráfego do Tor vem dos EUA; as pessoas que moram em países onde a internet é censurada são a segunda maior base de usuários do serviço.

Entre os usuários americanos estão Andrew Whitacre, de 32 anos, que trabalha no departamento de estudos de mídia comparativa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Ele instalou o software Tor para rodar em seu computador de casa, por recomendação de colegas. “Não posso ter certeza de que conheço tudo que existe por aí que pode prejudicar meu computador ou os meus contatos”, diz ele.

“Privacidade e segurança”

O Tor recebe cerca de 80% do seu orçamento anual de US$ 2 milhões de agências do governo americano que apoiam a liberdade de expressão e a pesquisa científica, com o restante vindo do governo sueco e de outros grupos.

Para continuar crescendo, o Tor tem que convencer mais voluntários a se inscrever para ampliar a sua rede. Isso porque o Tor, que começou em 1996 como um projeto do Laboratório de Pesquisas Navais dos Estados Unidos chamado Onion Routing, ou roteamento em camadas, como uma cebola (“onion”, em inglês), envia os dados do usuário entre uma série de computadores voluntários conhecidos como “node”, inglês para “nódulo”.

O processo faz com que seja praticamente impossível rastrear o pedido de dados identificando o usuário original. Visto de fora, fica parecendo que o pedido de dados veio do último nódulo da cadeia, tal como o que Weber estava administrando.

Hoje o Tor tem um número suficiente de nódulos voluntários – cerca de 3.200 – que lhe possibilita atender a dois milhões de usuários por dia. Mas para dar suporte a outros milhões de usuários e impedir que o tráfego fique lento, Lewman diz que precisa de 10.000 nódulos.

O Tor está desenvolvendo um equipamento que os voluntários poderiam comprar e conectar à internet em casa, de modo a se tornarem nódulos automaticamente. Para quem não fica à vontade com a ideia de administrar seus próprios nódulos, em vista das atividades ilegais na rede, o Tor oferece um programa que permite ao usuário financiar um nódulo maior, que é operado por outra pessoa e serve como nódulo final, e mais arriscado, da rede.

O Tor é “um desafio para os agentes da lei”, diz John Shehan, diretor executivo do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, em Alexandria, no Estado americano de Virgínia. O serviço está sendo usado constantemente para trocar imagens de exploração sexual de crianças, diz ele, mas há pouca coisa que os criadores do Tor possam fazer a respeito.

Uma porta-voz da Polícia Federal dos Estados Unidos, o FBI, que fiscaliza a pornografia infantil, não quis comentar.

Serviços como o Tor “proporcionam privacidade e segurança que podem salvar a vida de pessoas que de outra forma poderiam enfrentar represálias extremas de seus governos”, diz André Mendes, diretor de tecnologia, serviços e inovação na Agência de Transmissões Internacionais, órgão do governo dos EUA que doou US$ 2,5 milhões para o Tor desde 2006.

Servidores terceirizados

Lewman, do Tor, diz que a organização já recebeu intimações, mas não acabou nos tribunais porque ela não armazena, na verdade, nenhum dado que poderia ser de interesse policial. “Passamos muito tempo falando com vários departamentos da lei”, diz ele, acrescentando que alguns policiais também usam o Tor para realizar investigações sigilosas.

Marcia Hofmann, advogada do Electronic Frontier Foundation, grupo de defesa das liberdades digitais que é parceiro do Tor, diz que os voluntários do Tor provavelmente são protegidos pela lei americana, mas isso ainda não foi testado nos tribunais. “No fim das contas, o Tor é uma ferramenta neutra”, diz ela, lembrando que os provedores de internet e de telefonia não são responsabilizados pela maneira como os criminosos usam suas redes.

Mesmo assim, ela recomenda que os voluntários do Tor com os maiores nódulos de saída configurem seu serviço em servidores de terceiros, e não em sua casa ou escritório, mesmo que seja só para impedir que as autoridades apreendam temporariamente os computadores que eles utilizam para outros fins.

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[Geoffrey A. Fowler, do Wall Street Journal]