Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Os estereótipos de sempre e uma tênue esperança

“Nossa imprensa opta pelo simplismo porque não tem profissionais treinados para encarar complexidades. Quantos jornais têm seções especializadas em Educação? Por que a mídia dá tanta atenção às dietas e celulite e quase nenhum espaço à formação de médicos?

“A cobertura de Educação nunca é tratada como emergencial porque são poucos os jornalistas especializados e porque nas redações impera o dogma que ‘Educação não vende jornal, não dá Ibope’. Não vende porque os pais de alunos não se interessam pelo futuro dos filhos ou porque os próprios veículos jornalísticos estão desinteressados no seu próprio futuro?” (Alberto Dines)

No último dia 11 de agosto, na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, foi lançado o livro Educomunicação – Imagens do professor na mídia, Editora Paulinas, organizado pelo professor doutor Adilson Citelli, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São. A obra contou com a participação de oito pesquisadores (mestrandos e doutorandos) que acompanharam sob a orientação do professor. Durante um ano, os pesquisadores acompanharam em variadas mídias, incluindo jornal, rádio, televisão, publicidade e cinema, como neles se dá o processo de representação dos docentes. A conclusão, embora não surpreendente, é estarrecedora: um emaranhado de estereótipos.

O livro é importante pelo peso que a imprensa em geral tem, pelo menos por enquanto. Digo isso porque no domingo (16/12), li duas reportagens muito preocupantes. Uma, na revista CartaCapital, tratava da passagem de Frank La Rue pelo Brasil, relator especial para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão das Nações Unidas. Segundo o jornalista Leandro Fortes (ver “Liberdade de expressão, um direito universal”), essa visita ao Brasil foi completamente ignorada pelos grandes veículos de informação do país. O motivo é que Frank La Rue é um profundo crítico dos oligopólios da imprensa mundial em geral e da latino-americana, em particular. E o tom adotado pelo relator, além de pertinente, é conhecido por aqueles que acompanham mais de perto a cobertura da imprensa nativa. Frank La Rue não vê nenhum problema entre a gestão empresarial da imprensa nem se esta adota uma postura política partidária. A grande questão é, em nome disso, a imprensa atender interesses (políticos e econômicos) em detrimento do interesse público.

A outra notícia saiu no jornal digital Brasil 247. Trata-se de uma pesquisa realizada pelo Datafolha sobre a queda da confiança dos leitores em relação à imprensa tradicional, como os grandes jornais diários e as revista semanais. O principal motivo desta queda, segundo o instituto, é o excesso de partidarismo.

Desemprego, violência e depredação ambiental

Acrescentaria ainda o imenso, e infelizmente crescente, poder de grandes conglomerados nacionais e internacionais sobre as redações. Muitas vezes interferindo direta e indiretamente na linha editorial dos jornais e revistas. Sem contar a “censura” às notícias que eventualmente possam arranhar a imagem do grupo ou corporação. Não é à toa que os cartéis deitam e rolam. Cobram por serviços não realizados, tudo se paga e nada funciona. Claro que não é só a imprensa, estes abusos são vergonhosamente tolerados pelo Estado, que não tem mecanismos eficazes que os coíbam.

No que tange especificamente à educação, este descrédito é altamente danoso. Sustento aqui o que já havia escrito em outro artigo meu publicado neste Observatório: a principal causa da situação dramática – para não dizer calamitosa – da educação no Brasil é o descaso da sociedade como um todo. Educação não é a nossa principal prioridade. O senador e ex-ministro da Educação Cristóvam Buarque, no programa nº 647 (10/7/2012) do Observatório na TV, sintetizou muito bem isso. Segundo o senador “por algum problema de fabricação no Brasil, a gente não vê educação como riqueza”. Entretanto, a imprensa em vez de contribuir para superarmos esta indiferença secular com a Educação, faz o contrário; reforça mais ainda.

Como disse certa vez o professor Milton Santos, vivemos num mundo confuso e confusamente entendido. Outros grandes pensadores contemporâneos chamam a atenção para a crescente angústia, a insegurança e péssima qualidade de vida na chamada pós-modernidade. Embora a propalada revolução tecno-científica de meados da segunda metade do século 20 trouxesse consigo a promessa de um mundo melhor, mais acessível, onde as máquinas fariam tudo por nós, o que observamos na prática foi o aumento brutal do desemprego, da violência e depredação ambiental. Com gerigonças cada vez mais ultra tecnológicas e “inteligentes”, as pessoas ainda trabalham muito. Doze, quatorze e até mesmo dezesseis horas por dia é a média de muitos trabalhadores. E a imprensa ao invés de colaborar para a reflexão sobre se isso mesmo que queremos e necessitamos, entra na onda “novidadeira” deste admirável velho novo mundo.

Período importante

Segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman para que a utopia nasça, é preciso duas condições. A primeira é a forte sensação de que o mundo não está funcionando bem e deve ter seus fundamentos questionados e corrigidos. A segunda condição é a existência de uma confiança no potencial humano, no sentido de que é possível sim uma alternativa. E, jamais atingiremos isso com uma imprensa que trata seu leitor, ouvinte, telespectador como número de estatística, ou mesmo idiota!

Este foi mais um ano complicado para a educação brasileira. Quase quatro meses de greve nas universidades federais, resultados desesperadores nos sistemas de avaliações do país e o país figurando em penúltimo lugar no último ranking internacional de educação. Claro que tanto os resultados das avaliações quanto desses rankings devem ser relativizados, questionados, problematizados etc. Todavia, quem atua no sistema de ensino brasileiro sabe que a coisa está para lá de feia. Engane-se quem imagina que essa precariedade é exclusiva do sistema público de ensino. Mesmo em escolas caras e badaladas não é incomum encontrar alunos na terceira série do Ensino Médio incapazes de interpretar um simples texto.

Pior do que esse quadro é a escassa e ainda precária cobertura da nossa imprensa sobre a educação. Além dos estereótipos contumazes, este ano tive certeza de algo que já desconfiava: nossa imprensa é profundamente romântica. No pior sentido do termo. Aliás, o romantismo, tanto na Europa como por aqui, ainda é fruto de acalorados embates. No Brasil é muito criticado, porém, nosso grande intelectual Antônio Candido tem prestado inestimável contribuição para colocar as coisas em seus devidos lugares e assim, compreender melhor este importante período da nossa literatura e sociedade.

Compromisso da mídia

Quando afirmo que a imprensa é romântica no pior sentido do termo refiro-me às grandes e inúteis idealizações. As intelectuais e artistas (e jornalistas, claro) com seu masoquismo lamuriante, ou como diz Candido em relação a Gonçalves de Magalhães “caso interessante de renovador sem força renovadora”. Ou ainda José de Alencar, grande escritor, sem dúvida, outro que choramingava os desatinos do Império, mas escreveu um livro revelador de seu espírito Cartas a Favor da Escravidão

O episódio que me evidenciou este romantismo da nossa imprensa foi o caso da menina Isadora Faber, que criou uma página no Facebook para denunciar o total estado de abandono e descaso na escola em que estuda em Florianópolis. A garota virou celebridade. Foi capa da página do Estadão no Facebook, foi premiada pelo O Globo. Outro caso semelhante foi da professora Amanda Gurgel. Deu um depoimento onde denunciou as péssimas condições de trabalho dos professores na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. Depois de “bombar” no YouTube, virou heroína nacional. Saiu em todos os grandes veículos de comunicação, foi no programa do Faustão, enfim, foi consagrada pela grande imprensa como autêntica pop star da educação. Depois de render o que tinha para render, sumiu do noticiário, candidatou-se a vereadora, ganhou e pronto, fim de papo.

Em hipótese alguma quero depreciar a corajosa iniciativa da estudante Isadora Faber. A menina é uma graça, brilhante. Porém uma questão se impõe: qual é a novidade que ela nos apresenta? Foi e está sendo repugnante a “cobertura” sobre o caso dela. Sem contar que pôs em risco sua própria integridade física e moral. Com ameaças, xingamentos e agressão à sua avó. O que causa mais indignação na abordagem da imprensa foi que esta deixou claro, neste caso, que sua preocupação, seu compromisso é com tudo, menos educação. Creio agora ter condições de melhor explicar a analogia que faço da nossa imprensa com o romantismo do tipo alencariano.

“Ou dá uma boa aula ou muda de emprego”

Ficou evidente que além de preocupar-se com a espetacularização da notícia, para a nossa imprensa a educação não passa de uma grande abstração. O que chamou a atenção da imprensa, além do “ibope” que a luta da menina dava era aquilo que eles idealizam como educação. Muitos membros desta imprensa, aliás, não sabem sequer o que é uma periferia pobre, os mais aplicados apenas estudaram. Então eles muitas vezes imaginam, idealizam um mundinho em suas cabeças, lamentam, sofrem, mas não abrem mão do jet ski, seus passeios internacionais etc. Evidente que não precisa de ser favelado para falar em nome dos favelados. E não há nenhum crime em ter uma vida confortável. O problema é a mania que as classes A e B têm de abstrair do imenso abismo social que ainda persiste no Brasil. Ficam com aquela conversa irritante que “meus antepassados trabalharam muito para ter o que tenho”. Bom, eu imagino, pois, “cuidar” de milhares de escravos devia mesmo dar um trabalhão. É irritante que por detrás destes “meus antepassados que trabalharam muito”, parece que os mais pobres vivem na farra.

Voltando à Isadora. Saltou aos olhos o cinismo e hipocrisia da imprensa quando o “Diário de Classe” na rede social “bombou”. Ficaram todos surpresos! Como assim? Ninguém sabia do absurdo que são nossas escolas? Que os professores ganham mal têm formação progressivamente precária, e desde que saem da faculdade muitos não se atualizam, sequer leem um livro por ano! Aí vem a imprensa e transforma a estudante em peça glamorosa.

Primeiro. A repercussão grandiosa da menina serviu para comprovar que nossa imprensa não cumpre seu papel de investigar, apurar, denunciar. Segundo. Sua atual vocação é única e exclusivamente para a badalação, o espetáculo, o escândalo. O caso da professora Amanda foi também estarrecedor. Embora ela tivesse razão na maioria de suas acusações, em muitas foi leviana. Por exemplo, justificar aulas ruins por baixa remuneração. Isso é inaceitável! Se a profissão não está rendendo o suficiente para a sobrevivência, procure outra. Ou lute para mudar o quadro com boas aulas, claro, respeitando as condições dadas, os professores não são super heróis. Isadora Faber tem muita razão: “Ou dá uma boa aula ou muda de emprego”.

Tom meloso

Na semana passada compartilhei um documentário da excelente página do Facebook “Periferia revista”. Trata-se do filme A Ponte, dirigido por João Weiner. Um filme lindo, que mostra um país que a imprensa teima em ignorar. De gente que faz. Empresários, educadores, artistas, líderes comunitários etc. Chamou-me a atenção o trabalho da educadora Dagmar Garroux, fundadora da Casa do Zezinho, e o empresário João Batista Cardoso, que num encontro casual com Dagmar, a Tia Dag, numa rede de lanchonetes, foi conhecer seu projeto no extremo sul da capital paulistana e saiu de lá decidido. Reuniu um grupo de empresários voltou e de um puxadinho que atendia cerca de 60 crianças, edificou um complexo fantástico para mais de 1000 crianças e adolescentes. Uma das coisas mais belas que já vi em minha vida.

O filme relata a vida triste daquelas pessoas, “invisíveis” para a sociedade como sujeito, gente. São notadas apenas nas tragédias provocadas pela crescente violência. Várias histórias de nos fazer refletir e parar de reclamar. Dentre elas, a de um rapaz que mora num cubículo insalubre com a sua mãe, num bairro sem nada! Só álcool, drogas, violência, e fanatismo religioso. Em meio a isso tudo, o rapaz depois de passar pela Casa do Zezinho, formou-se em letras é escritor e leciona na mesma escola que o expulsou quando criança.

Eu poderia aqui indagar onde é que está a imprensa para contar a história deste moço. Porém, seria injusto, pois romântica que só ela, é capaz de ter uma comitiva no casebre do rapaz. Sim creio que pareço contraditório, mas não é o caso. Nossa imprensa adora noticiar estes tipos de histórias, num tom meloso e nada informativo, apenas piegas. O que falta é a prevenção. Ou seja, a imprensa estar presente nestes locais para denunciar, gritar, pois, felizmente temos recursos, mas são desviados. O moço teve a Casa do Zezinho, formou-se e é um professor. Mas quantas crianças e adolescentes a ong é capaz de atender se considerarmos a população absoluta? Pouquíssimos. Agora cadê o dinheiro que toda sociedade pagou, com esta carga tributária astronômica? A imprensa e os setores privilegiados de nossa sociedade têm que para com a ideia de que estas pessoas precisam de ajuda, favores. O que elas precisam é ter seus direitos básicos, contidos em nossa Constituição, assegurados.

Estado falho

Claro que nossas autoridades precisam de cobrança por parte da imprensa e não agrado, quando é de sua simpatia, e distorções grotescas, quando não o é.

Na mesma edição em que o ex-ministro da Educação Cristóvam participou do Observatório na TV, teve um depoimento do correspondente na Inglaterra, Silio Boccanera, que dá a dimensão da diferença de cobertura da educação na imprensa dos dois países. Quando uma ministra assistente se enrolou numa pergunta de algum jornalista, rapidamente indagaram: “Não lhe ocorreu que a senhora pode ser incompetente para o cargo que ocupa”? Isso aqui é uma triste utopia. Se eu não estou enganado, pergunta semelhante não foi feita ao ministro Aloisio Mercadante, quando em plena greve das federais “sumiu”. Deixou tudo a cargo do Ministério do Planejamento, uma aberração! Ou será que alguém irá lhe questionar a altura sobre as mudanças que o MEC vem fazendo no cálculo de desempenho das faculdades privadas. Na prática, estelionatários ficaram impunes, ou seja, com estas mudanças praticamente não haverá mais descredenciamento. Mas a bondade do MEC e a omissão da imprensa não conhecem limites. Semana passada a nossa presidente assinou um decreto que abate 90% das dívidas tributárias das faculdades privadas. Talvez por isso os empresários em vez de “gastarem” com equipamentos e bons profissionais em suas empresas, isto é, faculdades, preferem “investir” em campanhas. Aliás, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo é majoritariamente composto por donos de escolas e faculdades. Triste.

Se a imprensa está em declínio de vendas e leitores, culpar o progresso das novas tecnologias é não querer enfrentar o problema. Se estiver havendo queda nas vendas e no número de leitores foi por que a imprensa abdicou do seu produto mais valioso: a informação. Até quando a imprensa acha que as “estratégias” de marketing vão durar? Adianta oferecer coleção disso, daquilo, descontos, sem conteúdo, isto é, informação?

Quanto à educação, só pararemos de lamentar quando houver envolvimento de fato de todos os setores da sociedade se envolver de fato com o tema. Educação tem que ser política de Estado, não de governos. Creio que passou da hora de revermos o papel da imprensa em nossa sociedade. Felizmente, isso depende única e exclusivamente da nossa vontade. Mesmo na chamada “grande imprensa” temos jornalistas valiosos, com excelentes serviços prestados. Ocorre que eles sozinhos não conseguirão mudar o quadro, é preciso mais e maior engajamento.

Finalizo este artigo com uma frase de Fabio Gurgel, atleta e educador voluntário, que extraí do filme A Ponte:

“Eu acho que o Estado é falho, óbvio que eu acho. Qualquer pensante acha que o Estado é falho. Eu não acho que o Estado por ter obrigação, tire a minha”.

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[Cristiano Moura Gonzaga é professor e sociólogo]