Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Presidenciáveis no jardim-de-infância

Em 1969, tanto Warren Beatty quanto Steve McQueen não aceitaram o convite para fazer o papel de Sundance Kid porque não gostaram do roteiro que lhes foi proposto por George Roy Hill. O papel ficou com Robert Redford, que ao lado de Paul Newman acabou protagonizando um dos westerns mais aclamados de todos os tempos – Butch Cassidy and the Sundance Kid.


São erros clássicos de avaliação, mas lembram que qualquer ator tem o direito de recusar papéis que não lhe pareçam convenientes.


Candidato é ator. Daí, sem entrar no mérito da sua decisão do ponto de vista político, o presidente-candidato Luiz Inácio Lula da Silva não parece de todo errado ao recusar o papel que lhe foi oferecido no espetáculo transmitido na quinta-feira (28/9) pela Rede Globo.


Bem mais estranho é que pessoas sérias, como Heloisa Helena, Geraldo Alckmin e Cristóvam Buarque, todos postulantes à presidência da República, tenham se prestado a papéis constrangedores no circo kitsch em que se transformou o que deveria ter sido um simples debate político.


Se a espetacularização da informação já é ruim quando o espetáculo é bem armado, ela torna-se grotesca num show como o de quinta-feira. A cenografia grandiloqüente, o forró de candidatos à presidência caminhando para o púlpito de acrílico e voltando para suas carteiras, tudo parecia uma paródia que, se fosse nos EUA, teria ido ao ar no Saturday Night Live. Mas que aqui acabou sendo incrivelmente protagonizada por postulantes ao cargo mais importante da nação.


Jardim-de-infância


Será que nenhuma das assessorias viu isso? Nenhuma levantou a questão de que estavam representando candidatos à presidência da República e não a uma figuração na novela das 7? Tal não aconteceu, seja por incompetência ou pela submissão irrestrita ao que é proposto pela maior rede de televisão do país. É difícil saber o que é pior.


Em pouco mais de duas horas, William Bonner repetiu ‘tempo esgotado, candidato’ mais vezes do que Galvão Bueno disse ‘bem, amigos’ em toda a sua vida. Uma campainha resolveria o problema. Qual o problema em colocá-la?


A rigidez das regras forçou a que os candidatos à presidência se comportassem como estudantes de jardim-de-infância. Não é bem esse o perfil que a sociedade brasileira gostaria de levar para representá-la no Planalto. O sorteio de um tema para que um candidato faça a outro a pergunta de bate-pronto, por exemplo, em que colabora para a explicitação de suas propostas?


Encenação ruim


O resultado foi desastroso. A história vai registrar que Heloisa Helena ficou 40 segundos de frente para a possibilidade de fazer uma pergunta a Lula ausente sem conseguir formular a questão. Logo depois, Geraldo Alckmin não conseguiu fazer uma pergunta a Lula sobre, vejam só, corrupção. O tempo se esgotou sem que a pergunta que todo brasileiro quer fazer ao presidente fosse formulada pelo seu principal adversário. Alckmin, de novo, sem conseguir completar uma pergunta a Cristóvam Buarque, visivelmente constrangido em ter que responder ao que não foi perguntado, beirou a comédia.


Protagonistas de uma encenação de mau gosto, os candidatos à presidência perderam a chance de tirar proveito da ausência de seu oponente, mas, antes disso, de lembrar que não foram ao Projac fazer Zorra Total e exigir papéis condizentes com suas posições. Lula, por outras razões, recusou. Estava fugindo da confrontação. Mas acabou fugindo de um mico.