Infinitos arquivos, múltiplas pastas, tranqueiras mil. Sejamos francos: a vida digital pode facilmente se tornar um irresoluto caos. Onde estará aquele PDF que, no semestre passado, você salvou para ler “depois”? Pois é. Enquanto o tal do “depois” nunca chega, exercitamos sem o menor pudor nossos atos de procrastinação digital inconfessa. O fato é que, mesmo sufocados pela avalanche informacional que nos cerca, somos constantemente engolidos pelos sedutores mares da web. E o resultado não poderia ser outro: dezenas ou mesmo centenas de arquivos espalhados pelo disco rígido.
Esse é um drama comum para os usuários da rede. E os cientistas não estão isentos desse tumulto organizacional. Pensando nisso, um time de desenvolvedores bolou um aplicativo, específico para acadêmicos, que promete botar ordem na casa. Trata-se do ReadCube. [Veja um vídeo (em inglês) que explica como funciona o aplicativo: http://youtu.be/pYNe3-sODaE.] A ideia é tão simples quanto interessante: o programa rastreia seu disco rígido e traz à tona todos os PDFs que você guarda. Uma vez encontrados, eles são automaticamente dispostos em um sistema único de visualização – otimizando a leitura e proporcionando, em uma interface agradável, um panorama geral dos arquivos.
Útil. Mas até aqui, nada de genial.
O grande lance – e agora, sim, temos um atributo de notável apelo – é que o ReadCube foi desenhado especificamente para a leitura de artigos científicos. Isso significa que ele reconhece automaticamente um paper – desde que ele esteja indexado nas bases de dados integradas ao aplicativo – e, em poucos segundos, é capaz de localizar o periódico ou o repositório a que cada documento pertence.
Reveses e virtudes
E mais: as referências bibliográficas de seu velho e bom PDF ganharão vida. O aplicativo as identifica e, como num passe de mágica, as transforma em hyperlinks. Assim, o leitor poderá, sem enveredar pelas distrações típicas do mundo virtual, surfar pelos diferentes artigos científicos que embasam a referida publicação. Exatamente por isso os desenvolvedores definem o ReadCube como um reference manager, isto é, um “gerenciador de referências”.
Mas suas funções vão além: caixas de comentário e simulação de caneta marca-texto podem ser ferramentas úteis para conduzir a leitura da maneira mais proveitosa possível. É claro que, nas agruras desse mundo cão, nada é de graça. Sim, o ReadCube é gratuito; mas os artigos científicos, nem sempre. O Labtiva, laboratório responsável pelo desenvolvimento do software, fechou uma parceria com o Nature Publishing Group. E o namoro resultou na integração dos sistemas: enquanto o usuário pode comprar os artigos dos periódicos do grupo Nature pela interface do próprio programa, o internauta que navega na página de um desses periódicos tem a opção de adquirir o material via ReadCube.
Nos tempos de outrora, a opção clássica seria simplesmente comprar o PDF do artigo (pela intimidadora quantia de 32 dólares). Mas, com o programa, há duas alternativas ligeiramente mais econômicas: pode-se baixar o arquivo para leitura online (por módicos 4,99 dólares); ou ‘alugar’ o artigo, o que permite acesso de 48 horas ao material (pela barganha de 2,99 dólares). Esta última opção soa um tanto vanguardista; o tempo dirá se a moda pega ou não.
Além de permitir a compra dos artigos do grupo Nature, o programa está integrado a bases de dados como PubMed, Google Scholar e Microsoft Academic Search – o que significa acesso a milhões de referências bibliográficas, muitas das quais gratuitas. Entretanto, o usuário logo perceberá que há certa limitação no processamento dos artigos que não fazem parte dos periódicos da chancela Nature. É esse, pois, o ponto fraco do aplicativo: ele se dá o luxo de privilegiar uma única casa editorial.
Entropia em xeque
E não seria bacana se o programa agregasse um número mais expressivo de periódicos? “É exatamente o que estamos buscando”, diz à CH On-line um dos desenvolvedores do ReadCube. “Devo dizer, entretanto, que com apenas duas ou três empresas podemos cobrir a grande maioria da literatura científica”, comenta o representante, referenciando o oligopólio que domina o setor. “Nature Publishing Group, Elsevier e Wiley-Blackwell são as três gigantes do ramo; são as chamadas Big 3.”
Nos últimos tempos, diversos aplicativos nos vêm sendo ofertados com a promessa de facilitar a organização digital acadêmica. Vale dar uma olhada no Mendeley. É também um gerenciador de referências, e suas funcionalidades fazem dele uma espécie de rede social para cientistas. (Por falar em rede, lembremo-nos do ResearchGate, a maior rede social acadêmica da internet. São, atualmente, 2,3 milhões de cabeças pensantes conectadas.)
E, se o assunto é organização, é claro que não poderíamos deixar de mencionar o famoso Pocket,um simpático e eficiente aplicativo que enfileira nossas leituras procrastinadas. Seja você acadêmico ou não, é quase certo que há pelo menos um texto que você engavetou para ler nalgum momento vindouro. Nesse caso, algum desses aplicativos há de ser útil. O ano novo está aí; nunca é tarde para se organizar.
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[Henrique Kugler, do Ciência Hoje/ Rio]