Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Revolução pela educação, tudo ou nada a ver

Definido os parâmetros para a implantação da TV digital brasileira, a partir do sistema japonês, “no ar” já no próximo ano, emerge novamente a pergunta que nalgum momento terá de ser respondida por aqueles que definem as regras e respondem pelas concessões de TV: e o conteúdo? Como utilizaremos as infinitas possibilidades do novo sistema digital nipo-brasileiro quanto às possibilidades de interação entre emissor e receptor; programadores e telespectadores; governo e sociedade; excluídos e escolhidos; analfabetos e graduados; escola e família – enfim, entre a sociedade e ela mesma?

Ao lado da imagem e do som, velhos consumidores midiáticos, de posse do novo controle remoto, conseguirão interferir no remoto controle dos concessionários, programadores, diretores, criadores e atores que ainda hoje nos condenam a conviver entre velhos conhecidos nas ainda velhas tardes de domingo?

Diz o ministro Gilberto Gil, da Cultura, que a TV é capaz de educar. Determina a Constituição em seu artigo 221 que a TV deve atender prioritariamente à função educativa. Cantam os Titãs que a TV nos deixou burros demais. Se tudo isso é verdade, por que não unir a interatividade oferecida pela nova TV digital ao desafio de países emergentes como o Brasil de implementar de maneira sustentável a tão badalada “revolução pela educação”?

Hoje já sabemos que até os bebês assistem TV. Nos Estados Unidos, por exemplo, este ano foi criado o BabyFirstTV, um canal com a programação inteiramente dedicada a telespectadores entre seis meses e três anos de idade [ver, neste Observatório, “Babá eletrônica para o consumidor precoce”].

De acordo com estudos do Kaiser Family Foundation (nada a ver com a cerveja), 68% das crianças com menos de dois anos assistem TV ou a vídeos todos os dias; e 26% dos bebês têm aparelhos de televisão no quarto. Portanto, seria justo afirmar que mais importante do que saber se eles – as crianças – de fato assistem, é ter controle sobre o que assistem. E ainda atestar que seus pais interajam com seus pequenos e não apenas façam uso da conhecida “babá-eletrônica”, entregando-os à própria sorte frente à investida educadora do quase novo brinquedo eletrônico.

Sabemos também que o Brasil é campeão mundial de consumo televisivo entre o público infantil – segundo dados do Ibope, cerca de 3,5 horas diárias –, o que tem agravado os índices de obesidade infantil. Crianças que começarão a ler mais tarde, dormirão menos e, muito provavelmente, também desenvolverão tendência a se tornarem uma espécie de “acorrentados” pela mídia à medida que o tempo passa e vão crescendo.

Novidade caquética

Até que ponto um organismo pode ser prejudicado pelo que deseja? Escravos do consumo, escravos da droga, escravos do álcool… Segundo estudiosos, os critérios usados para caracterizar dependência química podem ser aplicados a quem assiste televisão demais.

O brasileiro ama e odeia a TV que consome. Reclama da programação, mas entra semana sai semana lá estamos todos aboletados na frente da TV. O fato é que o vício da televisão está aí mesmo, não vai desaparecer tão cedo e as cargas de drogas televisivas com maior potencialidade destrutiva nos programas recheados de sexo e violência não param de ser despejadas nos lares brasileiros em todos os formatos: novelas, minisséries, programas de auditório, shows ou infantis. Seja de manhã, de tarde, de noite, lá estão os conteúdos que aprisionam pela TV e seus fiéis dependentes.

Os dispositivos pedagógicos da mídia, os modos de educar na (e pela) TV – como nos ensina a pesquisadora Rosa Maria Bueno Fischer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – estão disponíveis para quem quiser se aprofundar no tema. Como diz a professora, cada dia que passa torna-se mais difícil não ver que a TV constitui-se como um lugar de formação, ao lado da escola, da família e das instituições religiosas.

Acredito que a educomunicação – ou a educação para os meios – enquanto disciplina transversal a ser trabalhada nas escolas desde a educação infantil, com a participação da família, pode se tornar uma espécie de luz no fim do túnel para reverter a dependência, principalmente das crianças e jovens, e a passividade diante do veículo.

Por tudo isso, seria mais do que apropriado que tanto o ministro Gilberto Gil quanto os presidenciáveis e os próximos legisladores eleitos em 1º de outubro incluam o debate sobre conteúdo dos programas de TV – e suas conseqüências na educação do povo brasileiro – dentre aqueles que comporão o cardápio de discussões sobre a nova TV digital.

Caso contrário, a nova TV digital será tão velha quando as valvuladas de outrora, e a revolução pela educação não passará de mais um slogan de candidatos terceiro-mundistas.

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Publicitário, diretor e roteirista de programas educativos; autor dos livros Manual do telespectador insatisfeito (Summus, 1999) e Acorrentados, a fábula da TV (Letra Legal, 2006)