“O Hospital de Braga, uma unidade integrada no Serviço Nacional de Saúde, mas gerido no âmbito de uma parceria público-privada com o grupo Mello, tem ao seu serviço uma 'responsável de comunicação' a quem cabe a tarefa, descrita num documento interno, de 'averiguar' os 'conteúdos' respeitantes ao estabelecimento que estejam 'disponíveis na Internet'. Em notícia publicada no passado dia 13 de Dezembro, os leitores do PÚBLICO foram informados de que, em resultado dessas 'averiguações', uma funcionária tinha sido alvo de um processo disciplinar, por ter criticado — 'num grupo privado do Facebook, destinado a trabalhadores do hospital', segundo relatou o jornalista Samuel Silva — um polémico regulamento interno, publicado meses antes, sobre 'fardamento' e 'conduta' dos funcionários daquela unidade hospitalar.
A profissional visada pelo processo disciplinar — que no texto publicado nesse 'grupo privado do Facebook' terá considerado 'burros' e 'incompetentes' os responsáveis pelo regulamento em causa — é acusada de ter utilizado expressões 'capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos ao Hospital de Braga'. A notícia do PÚBLICO dava ainda conta de críticas dirigidas à administração do estabelecimento pelo deputado e dirigente do Bloco de Esquerda João Semedo, que considerou 'atentatório das liberdades individuais' haver no hospital quem tenha a função de 'denunciar à gestão comentários que lhe parecem pouco abonatórios'. O jornal ouviu também sobre o assunto, para além da administração hospitalar, o gabinete do ministro da Saúde e a Administração Regional de Saúde do Norte, tendo recebido respostas evasivas ou pouco esclarecedoras.
Esta notícia, sugestivamente intitulada Hospital de Braga controla mensagens dos funcionários no Facebook, não foi alvo de qualquer desmentido, e inspirou um dos textos do editorial do PÚBLICO na mesma edição, em que se questionava o comportamento da gestão hospitalar. Nestes termos: 'Se isto for considerado normal nas empresas, o que faltará para começar a investigar emails privados ou gravar conversas, telefónicas ou não? Que limites podem ser impostos à liberdade de expressão? (…) Não é assim que começam, brandamente, todas as censuras?'.
Notícia e editorial levantaram dois tipos de 'dúvidas' ao leitor Manuel Fernandes, de Lisboa. Em primeiro lugar, questiona o facto de, 'em ambos os textos, ser mencionado um ‘grupo privado do Facebook’', já que se trataria, segundo terá constatado, de ' uma página, designada por ‘grupo aberto’, destinada a ‘profissionais que integram ou integraram o Hospital de Braga’, mas na qual (…) escrevem utentes e detentores de empresas comerciais, nomeadamente clínicas', e que 'está aberta à leitura de qualquer pessoa'. Contestando por isso a aplicação a este caso da designação de 'grupo privado', o leitor acrescenta: 'Este aspecto parece-me particularmente importante porque, no editorial, faz-se a distinção entre o que é dito em ‘grupos privados’ e o que é dito em redes sociais, para concluir que a administração do Hospital de Braga teria legitimidade para tentar saber o que se diz nas segundas (redes sociais), mas não no primeiro (‘grupo privado’)'. E questiona: 'Mas, então, uma página do Facebook em que qualquer pessoa pode escrever e, principalmente, que pode ser lida por toda a gente, não cabe no conceito de ‘rede social’?'.
Manuel Fernandes critica ainda a afirmação com que abre o texto do editorial, segundo a qual 'o tal ‘grupo privado’ (que já vimos não o ser…) ‘é vigiado regularmente às ordens da administração’'. Argumentando que na própria notícia se explica que 'o departamento de comunicação tem entre as suas funções ‘averiguar que conteúdos existiam sobre o hospital na Internet’' [trata-se de uma citação do processo disciplinar], conclui que, 'em vez da função de bufo, insinuada no editorial, o departamento de comunicação do Hospital de Braga faz exactamente o que se espera dele', pelo que o PÚBLICO teria feito, na sua opinião, 'uma grande confusão entre liberdade de expressão e a divulgação pública de insultos e injúrias'.
Em resposta às questões levantadas pelo leitor, Nuno Pacheco, director adjunto do jornal e autor do editorial em causa, esclarece um elemento factual relevante: 'O que o leitor refere como ‘grupo aberto’ era, à data das declarações em causa (Abril de 2012), um grupo fechado, como o jornalista Samuel Silva, autor da notícia, teve ocasião de confirmar na altura e, contactado por mim, voltou a confirmar agora. Hoje é aberto, mas nessa altura não era'. 'O que o artigo relata, e aquilo contra o que o editorial se insurge', explica, 'é a averiguação de mensagens internas e a sua utilização para posterior procedimento disciplinar. (…) O facto de uma funcionária reportar, a par das referências à empresa nos media públicos (blogues, Facebook, Youtube), informações dessa tal rede privada, não é método que deva ser louvado — e é nesse sentido que o editorial aponta. Isso poderá levar, como é dito no editorial, a que mails internos possam também passar a ser vigiados'. 'Não me parece', acrescenta Nuno Pacheco, 'que haja confusão entre ‘liberdade de expressão e a divulgação pública de insultos e injúrias’, como o leitor sugere. A divulgação dos tais ‘insultos e injúrias’ foi feita, repito, em circuito interno, entre trabalhadores do hospital'.
Não me compete apreciar neste espaço — e por isso nunca o fiz — as opiniões dos editorialistas e outros colunistas do PÚBLICO, à excepção de casos em que possam estar em causa as normas do seu Estatuto Editorial, ou quando as opiniões se fundamentem em dados não verdadeiros (e mesmo aí o que estaria em causa seriam os factos, e não a opinião). Não se me levará a mal, no entanto, que, tratando-se de um caso que envolve a liberdade de expressão, manifeste em termos genéricos a minha simpatia pela tese defendida no editorial em causa.
Não será este o lugar, também, para discutir o tema da responsabilidade individual pelo que se escreve nas redes da Internet. Limito-me a notar que podem ser difusas as fronteiras entre grupos 'abertos' ou 'fechados': onde devem ser incluídas, por exemplo, para efeito de aplicação da doutrina defendida no editorial, as redes de tipo corporativo, como poderá ser o caso (a notícia não é clara a esse respeito) do grupo criado no Hospital de Braga? Seja como for, o mais importante será reafirmar que a liberdade de expressão não pode ficar à porta de empresas e instituições, e que o direito à crítica a orientações hierárquicas não deve ser restringido por qualquer forma de abuso do poder.
Este é, sim, o lugar para apreciar as práticas profissionais que envolvem a publicação das peças informativas e as dúvidas que estas possam suscitar aos leitores. Nesse plano, julgo haver dois reparos a fazer à notícia publicada a 13 de Dezembro, apesar de se tratar, no essencial, de um texto jornalístico correcto e oportuno.
Em primeiro lugar, e fazendo fé no esclarecimento recebido, deveria ter sido incluída a informação actualizada e completa sobre a natureza do 'grupo' do Facebook em questão. É perfeitamente compreensível que o leitor Manuel Fernandes se insurja contra a designação de 'grupo privado' atribuída na peça a uma página que pôde verificar estar 'aberta à leitura de qualquer pessoa'. Nuno Pacheco reconhece essa falha: 'Se a notícia (…) tivesse incluído a informação de que o tal ‘grupo privado’ no Facebook (acessível apenas a trabalhadores do hospital no momento em que as acusações de uma funcionária, entretanto alvo de processo disciplinar, foram registadas e reportadas à administração) se transformou, passados vários meses, num espaço aberto, talvez já não suscitasse dúvidas como as que o leitor aponta'. A omissão de um facto relevante pode, com efeito, ser tão nociva como a divulgação de uma informação errónea para a compreensão adequada do que se noticia, inquinando a apreciação que cada leitor queira fazer sobre a situação relatada.
Em segundo lugar, uma notícia publicada em Dezembro sobre um caso que, como nela se diz, 'remonta a Abril', quando foi publicado o tal 'regulamento de fardamento e conduta do Hospital de Braga', não deveria ter esquecido o contexto dos factos. Isto é, deveria ter informado os leitores, ou ter-lhes recordado, quais as normas regulamentares que então geraram polémica, para que cada um pudesse formar a sua própria opinião fundamentada sobre a 'inteligência' e 'competência' dos seus autores, tal como o terá feito, no uso do seu direito à crítica, a funcionária que foi alvo de processo disciplinar.”