Ninguém a favor da forma de regulação da mídia proposta pelo juiz Brian Leveson comprou efetivamente a briga, avalia David Puttnam [The Observer, 5/1/13]. Qualquer um que examinar o Código de Prática dos Editores britânico, que existe há mais de uma década, pode concluir que se as normas criadas ali tivessem sido seguidas, não haveria razão para uma investigação. O Inquérito Leveson foi criado para lidar com o abuso sistemático e o mau uso da liberdade de imprensa duramente conquistada, em circunstâncias nas quais o código foi completamente ignorado.
Na tentativa de estabelecer um argumento persuasivo a favor do estatuto, Puttnam ficou preso ao fato de que a melhoria genuína não acontece até que o “paciente” reconhece a natureza do problema. O comentarista Philip Stephens resumiu isso perfeitamente, no Financial Times: “O mais impressionante sobre o comportamento dos jornais na linha de tiro do juiz Leveson foi a completa falta de arrependimento. É quase como se o verdadeiro crime dos grampos telefônicos fosse ser pego. O juiz Leveson está certo: a imprensa não pode esperar mais para fazer seu próprio dever de casa, tampouco os ricos e os poderosos”. Puttman acrescenta que, frequentemente, a imprensa, os ricos e os poderosos são os mesmos e é nesse ponto que o status quo fica insuportável.
A frase mais usada nesse debate foi, certamente, “liberdade de imprensa”, mas ninguém sério ainda argumentou contra o conceito de uma imprensa “livre e justa”. O problema só surge quando a imprensa cruza a linha e faz um mau uso de suas liberdades – não para revelar grandes verdades, mas para distorcer e desinformar em busca de sua própria agenda.
Hipocrisia e falsidade
Os níveis de hipocrisia e falsidade nos últimos meses foram de tirar o fôlego. Em novembro do ano passado, por exemplo, o Daily Mail usou sua capa e dez páginas para “expor as más ações” de um dos assessores de Leveson, David Bell, e, nas palavras do jornal, “suas redes incestuosas políticas, empresariais e financeiras promovendo sua própria agenda política de maneira ilícita”. A princípio, pode-se pensar que a tentativa histérica de ofender uma pessoa cujo histórico na vida pública tem sido exemplar pode ter sido resultado de falta de julgamento editorial. No entanto, a questão não era sobre Bell, mas sobre alguém que teve a audácia de apoiar Leveson e suas propostas.
Outro “momento de loucura” foi o artigo publicado no Sunday Times imediatamente após o primeiro-ministro David Cameron ter rejeitado a recomendação crucial de Leveson sobre o estatuto. Depois de informar ao mundo que “algumas das recomendações de Leveson não são aproveitáveis e representariam uma ameaça real à influência política e ao controle da imprensa britânica”, o artigo sugeria que a preocupação de Cameron não era sobre as manchetes de hoje, amanhã ou das próximas eleições. “Cameron bravamente enfrentou a pressão política para pedir que jornais se autorregulem; políticos apontaram uma arma para a imprensa e muitos dedos estão prontos para puxar o gatilho”.
Há muitas pessoas com boas motivações nas redações. Com a demissão do editor do Times, James Harding, por exemplo, a Grã-Bretanha perdeu uma voz influente e cuidadosa. Ele havia escrito, em um editorial equilibrado: “O fracasso da News International em lidar com o que aconteceu em um de seus jornais sugere que o grupo cedeu à ilusão mais perigosa dos poderosos, de que pode ter suas próprias regras”. Harding parece ter pagado um preço alto por aderir à sua independência editorial. Seu argumento é, em essência, o que Leveson concluiu quando ofereceu suas recomendações. Agora, cabe ao primeiro-ministro e ao Parlamento encontrar coragem para aceitá-las e transformá-las em uma legislação.
A imprensa também tem que se repensar, pois o que está em jogo é a recuperação da confiança dos leitores e de seu direito de acreditar que os privilégios da liberdade de imprensa e das responsabilidades que vêm com ela não serão mais usados para manipular e distorcer, mas para promover a emergência de uma democracia confiante e informada.
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