Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A verdade, toda a verdade

Interessantíssima a história que nos é apresentada. O site da mais importante revista do país põe no ar uma reportagem informando que dois grandes bancos preparavam uma fusão. Pouco depois, exatamente 22 minutos, a reportagem foi retirada do ar por se basear em notícias erradas, simples boatos. Os dois bancos desmentiram a notícia, a revista desculpou-se e reforçou o desmentido: a informação incorreta trazia indícios de sua falsidade, já que uma notícia desse tipo tem de ser mantida em absoluto sigilo, por força de lei, e comunicada em primeiro lugar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Então, tá. Algum foquinha delirante ouviu um boato na fila do caixa, resolveu publicar um furo sensacional e, sem ouvir nenhum jornalista mais experiente, botou a matéria no ar. Claro, claro, é tão óbvio! Qualquer um pode fazer isso, né?

Agora falemos sério: as coisas não funcionam assim. Houve informações, houve apuração, houve todo o aparato de elaboração de matéria. O erro certamente não esteve aí. É fato, entretanto, que uma notícia que envolva o mercado financeiro, as bolsas, a economia como um todo, não sai sem aprovação de órgãos oficiais – órgãos de preservação de concorrência, por exemplo. E a divulgação é feita em momento predeterminado, depois do fechamento da Bolsa, sempre em nota oficial, para que não possam pairar dúvidas sobre o que aconteceu.

Alguém errou feio, sem dúvida. Mas não foi ao interpretar mal um boato ouvido na rua, ou ao confundir um novo modelo de banco de jardim de ferro fundido com uma fusão bancária. O erro é outro. Pela lei, só se saberá direitinho onde é que erraram depois que o negócio for concluído ou desfeito. Já houve negociações importantes na área bancária que acabaram sendo esquecidas. O embaixador Walther Moreira Salles, da União de Bancos Brasileiros, antigo Banco Moreira Salles, e o empresário Amador Aguiar, do Banco Brasileiro de Descontos, chegaram a anunciar o fechamento do negócio. A fusão foi divulgada oficialmente, as diretorias foram apresentadas, o nome do banco definido e em seguida o caso foi deixado pra lá, sem maiores explicações (exceto algumas folclóricas, boca a boca).

 

Jornal, enfim

Em 15 de novembro, a Polícia prendeu, em Taubaté, SP, três ladrões que carregavam um tablet. Dentro, listas detalhadas de famílias de origem libanesa e chinesa, com descrição de hábitos, investigações sobre a vizinhança, avaliações sobre seu patrimônio. Da lista, um foi morto quando viajava a outra cidade; quatro famílias foram assaltadas, houve reféns, houve torturas praticadas pelos bandidos. “Entendemos que todos os nomes do tablet estavam marcados para sofrer ataques do crime organizado”, disse o delegado Juarez Toti, titular da Delegacia de Investigações Gerais de Taubaté, que comanda as investigações.

Pois bem: faz dois meses. De lá para cá, esta coluna, sozinha, contou o caso. A imprensa escrita se manteve olimpicamente fora. E, finalmente, um grupo impresso adotou o caso: a rede Bom Dia, capitaneada pelo Diário de S.Paulo. Beleza: numa reportagem muito bem-feita, em 9 de janeiro, Nany Fadil entrevistou o delegado, pegou o nome dos bandidos que traziam o tablet, estabeleceu ligações entre as cidades que sofreram a ação dos criminosos organizados. É um feito jornalístico, um bom furo de reportagem. Resta agora aos demais veículos impressos ir também atrás do caso – ou, no mínimo, dizer por que não seguem o bom exemplo jornalístico da rede Bom Dia e do Diário de S.Paulo.

 

Boa notícia

A Folha de S.Paulo estreou na semana passada um instrumento de inestimável utilidade para uso de reportagem em computador: a Folha Íntegra, que dá acesso à íntegra de documentos utilizados nas matérias. Por enquanto, são assuntos relacionados a 19 editorias, retroagem ao início da história da Folha, há 90 anos, e até a épocas anteriores. Ali é possível encontrar, por exemplo, o texto do discurso de Getúlio Vargas como orador da turma de Direito, em 1907. E é possível consultar todos os textos do processo do mensalão.

 

Más notícias

Aziz Ahmed, o grande nome de um dos mais antigos jornais do país, o Jornal do Commercio, do Rio, deixa o jornal; sua tradicional coluna, “Confidencial”, publicada com êxito há 50 anos, provavelmente a mais antiga da imprensa brasileira, saiu com ele. Ahmed trabalhou no Correio da Manhã, foi chefe de Reportagem em O Globo, transformou-se numa das estrelas da Última Hora, nos tempos de Ary Carvalho. Talento múltiplo, comandou a parceria do Jornal do Commercio com a UniverCidade, do Rio. Escreveu O Calvário de Sônia Angel, em parceria com o pai da militante política torturada e assassinada pela ditadura militar; e preparou o prefácio do Alcorão, o livro sagrado islâmico, traduzido pela primeira vez, direto do árabe, por Mansour Chalitta. Aziz Ahmed parou por alguns dias e retorna em breve, com seu blog, que certamente terá sucesso.

Rodolpho Gamberini deixa o SBT – de acordo com a versão oficial, não houve desentendimentos. Gamberini, 59 anos, estava no SBT desde o início de 2009. Foi repórter especial e apresentou, como substituto, os diversos telejornais da empresa. Relembrando: em seus tempos de TV Cultura, criou e apresentou o Roda Viva, em 1988. Até hoje é o principal produto jornalístico da estatal.

Antônio “Cacá” Carlos Leite, que comandou por dez anos a Rede Gazeta, de Vitória, Espírito Santo, e contribuiu fortemente para ampliar o prestígio dos veículos da família Lindenberg. Cacá já tinha sido um destaques do Diário Popular, de São Paulo, antes da época em que a Globo resolveu aventurar-se nesta estranha cidade em que nem existe Avenida Vieira Souto. Cacá ainda não anunciou seus novos planos.

 

Coisas do Brasil

Uma fantástica faixa (oficial, claro), encaminhada por uma leitora assídua e dotada de muito senso de humor:

“Brinque o Carnaval com segurança. Previna-se, use camisinha e juntos vamos combater o mosquito da dengue”.

Pois é. Não estarão exagerando o risco da picadura?

 

Quem sai aos seus

Um de seus ancestrais, Miguel, foi um dos fundadores do Sport Club Corinthians Paulista – o que já seria glória suficiente para várias gerações da família. Não foi: Vital Battaglia, jornalista, foi um dos grandes astros do Jornal da Tarde em suas grandes fases, numa carreira marcada por excelentes matérias e pela falta de oportunidades que deixou àquela gente, mais famosa pelo que não escreveu do que pelo que revelou, de aproximar-se com propostas indecentes. Não patrulhou, não aceitou patrulhas, só fez o que quis na vida: trabalhar com Esporte.

Battaglia, 45 anos de carreira, lança agora Ah – atestado de óbito do JT e outras histórias – que pode ser encomendado direto à Editora Detalhe (http://www.detalheeditora.com.br/). É um livro com bastidores de cem reportagens que escreveu. Coisas finas: por exemplo, estava na equipe que ganhou o Prêmio Esso com o casamento de Pelé, publicado na primeira edição do Jornal da Tarde. Ganhou, no total, nove prêmios Esso, sendo oito em equipe e um individual – “As aventuras de um rei do futebol”, este em 1973 (e o “Rei, claro, era Pelé”). Há também a cobertura de duas Copas do Mundo, 1978 e 1986. Dureza estar do outro lado: Ricardo Kotscho e este colunista, que fizeram a cobertura da Copa do México de 1986 pela Folha de S.Paulo, souberam o que era enfrentar o repórter Battaglia.

É um livro para duas categorias de leitores: quem gosta de futebol, quem gosta de jornalismo. E para uma terceira, especial: quem gosta de ler coisa boa.

 

Como…

De um grande jornal impresso, noticiando uma etapa do Rali Dacar:

** “Nani Roma foi o vencedor (…), entre Arequipa, no Peru, e Arica, na Argentina”.

Nani Roma foi mesmo o vencedor. Mas Arica, que já foi peruana, fica há mais de um século no Chile.

 

…é…

De um dos maiores portais noticiosos da internet:

** “Os outro quatro mortos foram (…) Os três pessoas estão internados (…)”

Faltou concordância. Para combinar com a primeira frase, a segunda deveria ser montada mais ou menos como “os três pessoa estão internados”. Ou, por que não?, “os três pessoas está internados”.

 

…mesmo?

Também da internet, que nunca nos falha:

“(…) as vítimas que sobreviveram haviam sido socorridas a hospitais da região”.

“Socorridas a”? Este colunista deve estar ficando velho: houve tempos em que pessoas com problemas de saúde eram “socorridas em” hospitais.

Talvez hoje, com o aumento do calibre das armas, tenha havido mudanças. Pode ser que os professores tenham mais medo de ensinar direito seus alunos.

 

As não notícias

O sujeito anda na rua, em cidades do interior paulista, exibindo o pênis para as mulheres que visse. É descrito como “suposto tarado”.

Garantia total: o repórter jamais poderia ser acusado de interpretar incorretamente a atitude do cavalheiro que, talvez, no calor habitual das cidades interioranas de São Paulo, estivesse apenas ventilando partes de seu corpo.

A moça foi morta na rua, perto da entrada de um prédio. Mas, conta o jornal, ela “moraria no (…), que também fica no complexo de prédios do condomínio residencial (…)”. Em resumo, morava ou não por ali? Qual o motivo para colocar em dúvida o endereço da falecida? Aliás, para que dar o endereço exato, se a frase “moradora nas proximidades”, ou coisa parecida, seria informação suficiente?

Mas passemos a não notícias mais leves. Por exemplo, o interesse de um clube por um jogador. Como é que sai?

** “Manchester teria interesse em ‘sensação’ que jogou com Neymar”

Qual dos Manchester? O United. Quem é a “sensação” que jogou com Neymar? É Leo Baptistão, do Rayo Vallecano, que jogou com Neymar em algum time sub-15, e olhe lá. E, afinal de contas, o Manchester United está ou não interessado na sensação do Rayo Vallecano?

 

E eu com isso?

Tem gente indignada exigindo que se tome uma posição quanto à posse, ou não posse, de Hugo Chávez. Este colunista já tomou uma posição claríssima: do lado de fora. Se nem conhece a Venezuela, como é que vai dar palpite? Os venezuelanos que se entendam! Outros querem, mais furiosos ainda, conhecer sua opinião sobre o abastecimento de energia. O colunista também tem uma posição: acha ótimo que haja abastecimento abundante e seguro de energia, água, pãezinhos quentes com manteiga fresca e bebidas geladas, tudo a preços razoáveis.

E chega! Desde quando jornalista tem de opinar sobre tudo? Há aqui um monte de acontecimentos agradáveis e que não requerem opinião nenhuma:

** “Vanessa Giácomo revela que não dorme com cabelos molhados”

** “Rihanna promete à Nossa Senhora que vai mudar”

** “De shortinho, Viviane Araújo participa de ensaio de rua no Salgueiro”

** “Cantor Elton John e seu marido são pais pela segunda vez”

** “Nicole Bahls usa camisola sensual e causa alvoroço”

** “Justin Bieber revela que já mora sozinho”

** “Murilo Benício e Débora Falabella são fotografados em Ipanema”

** “Estrelas brilham no ‘People's Choice Awards’”

** “Cauã Reymond curte férias no Havaí”

** “Se for menina, filha de William e Kate Middleton receberá o título de princesa”

Ainda bem: seria ruim receber esse título se fosse menino.

 

O grande título

A variedade de manchetes é grande, mas a tendência geral é a mesma: a realidade do absurdo. Comecemos:

** “Tatuado concorre à presidência da República Tcheca”

Tudo muito bom, tudo muito bem, este candidato citado no título é muito tatuado. Mas como é que se sabe que os outros não têm, digamos, uma meiga borboleta em locais menos visíveis?

Há um que, para este colunista, é surpreendente:

** “Crime ambiental: homem é flagrado atirando em jacarés em rua de Manaus”

Apenas para entender: se, nas ruas de uma grande cidade, capital de um grande estado, há jacarés circulando, olhando as vitrines, passeando entre as pessoas e escolhendo o cardápio do almoço, atirar em algum é crime ambiental?

Outra manchete entra naquela área de culpar a vítima. Um carro, rodando normalmente, passa por cima de asfalto oco. Abre-se o buraco e o carro fica só metade para fora (tirar o motorista de lá foi um sufoco!) A manchete:

** “Carro ‘engolido’ segue interditando rua”

Carro mais sem-vergonha, parado no buraco atrapalhando o trânsito!

O melhor título, na opinião deste colunista, não foge à norma do absurdo, mas busca sua inspiração no grande Federico Fellini.

O prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, do PDT, inicia seu segundo mandato exigindo dos secretários mais trabalho e menos campo para críticas. Sua notável e definitiva frase:

** “Fortunati avisa: ‘Não quero ver ninguém com a bunda na janela’”

Este colunista viu a foto da reunião do secretariado. E faz questão de associar-se integralmente, de coração, às palavras de Sua Excelência, o prefeito.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados Comunicação]