Desde sexta-feira (22/9), e sobretudo após a história de uma suposta e fracassada compra de informações sobre as atividades ilícitas de alguns membros da oposição, uma certa espécie de mídia dedicou-se a encobrir o que realmente de novo apareceu no caso do esquema dos sanguessugas. São litros e litros de tinta e toneladas de papel, horas e horas de televisão, empregados numa única função: como impedir que as novas denúncias dos Vedoin sejam apuradas.
Naturalmente, tal tentativa está condenada a não prosperar. As revelações dos Vedoin na entrevista dada à IstoÉ não vão ser apagadas porque se escrevem litros de tinta para escondê-las, ou porque se tenta confundi-las com um suposto dossiê que nem apareceu. O que está na IstoÉ já é material suficiente que demanda apuração urgente.
Por outro lado, tal tentativa de abafamento parece mais própria a manicômios do que a órgãos de imprensa, pois desde que a Polícia Federal, convocada pelos ministros Humberto Costa e Saraiva Felipe, estourou o esquema dos sanguessugas, os seus organizadores, Darci e Luiz Antônio Vedoin, tinham se transformado nos oráculos da mídia e da oposição ao governo. Com base nas declarações e documentos apresentados por eles, foram acusados e estão sob processo de cassação 72 parlamentares e, segundo alguns, podem chegar a mais de 120.
Mas, pelo jeito, a oposição e essa mídia acham que isso somente vale quando o alvo são parlamentares da base governista. Quando é o seu próprio terreiro, aí trata-se de “armação”, de “baixaria”, ou seja lá que tergiversação diversionista se escolha. No entanto, não pode ser assim. Afinal, todos não são iguais perante a lei?
Realmente, a mídia oposicionista foi muito imprudente. Ela açulou o PSDB e o PFL para que formassem a CPI dos Sanguessugas, ela os impulsionou a tomar de assalto essa CPI, ela dirigiu, com suas pautas diárias, os interrogatórios, ela fez com que os parlamentares oposicionistas levassem colegas ao pelourinho – e fez tudo isso promovendo os Vedoin de réus a acusadores.
Era uma imprudência porque, desde o início, era claro que o esquema existia desde 1998, ou seja, por coincidência, desde que o José Serra assumiu o Ministério da Saúde. Sem dúvida que as revelações não ficariam nos parlamentares da atual base governista. No entanto, essa foi a ilusão, desde o início. Bastava os Vedoin falarem alguma coisa, que era tido por verdade inabalável. Qualquer menção deles a alguém, transformava-se imediatamente numa sentença à pena capital. O prêmio pela delação não era apenas escapar da cadeia: era a notoriedade ofuscante sob os refletores da mídia.
Muito a investigar
Pois bastou os Vedoin chegarem aonde a mídia e a oposição não queriam para ser um Deus nos acuda e tudo virar ao contrário. E isso, literalmente, de um dia para o outro. Aliás, algumas horas depois que a IstoÉ saiu às bancas com uma entrevista dos Vedoin, lá estavam os mesmos escribas, os mesmos locutores e os mesmos tucano-pefelistas que antes os incensavam como a fonte do “desmascaramento do maior esquema de corrupção da História da República” (sic) deblaterando contra a falta de credibilidade daqueles que eram os seus heróis na manhã daquele mesmo dia.
Mas o que não se quer investigar? O que disseram os Vedoin na IstoÉ? Vejamos alguns trechos:
Darci – A confiança de pagamento naquela época era tão grande que nós chegamos a entregar cento e tantos carros somente com o empenho do Ministério da Saúde, antes de o dinheiro ser liberado. Isso acontecia no País inteiro. Sempre quando se tratava de parlamentares das bancadas ligadas ao governo.
IstoÉ – Os srs. estiveram reunidos pessoalmente com o ex-ministro José Serra alguma vez?
Darci – No ano de 2001 estivemos com ele em dois eventos no Mato Grosso. Um na capital e outro em Sinop.
IstoÉ – O ministro sabia que nos bastidores daqueles eventos havia um esquema de propinas?
Luiz Antônio – Era nítido a todos.
Darci – Posso te afirmar que as emendas quando eram destinadas para esses eventos saíam ainda mais rápido.
IstoÉ – Quem é Abel Pereira?
Luiz Antônio – É um empresário de Piracicaba que operava dentro do Ministério da Saúde para nós. Era ele quem conduzia todo o processo e fazia sair todos os empenhos… Era um operador, uma pessoa indicada e muito ligada ao Barjas Negri, secretário executivo do Ministério quando José Serra era o ministro e seu sucessor.
Darci – O Barjas Negri é o braço direito do José Serra. Nosso esquema já funcionava no Ministério. Quando o Serra saiu, o Barjas assumiu o Ministério e foi indicado o Abel para continuar a operar.
IstoÉ – O Abel, então, deu continuidade a um esquema que já existia?
Darci – Quando nós iniciamos a montagem, em 1998, já existia esquema dentro do Ministério da Saúde, com os parlamentares. Nós acertávamos com os parlamentares e o dinheiro saía. Naquela época era muito mais rápido para sair os empenhos e os pagamentos.
IstoÉ – A que época o sr. se refere exatamente?
Darci – Entre 2000 e 2002. Quando o Serra era ministro foi o melhor período para nós. As coisas saíam muito rápido.
Tudo isso é essencialmente corroborado pela documentação e pelos dados do próprio Ministério da Saúde. Por exemplo, das 891 ambulâncias que a empresa dos Vedoin entregou entre 2000 e 2004, 70% delas (681) foram até o fim de 2002, ou seja, durante a gestão de Serra e de Barjas Negri.
Sobre os documentos referidos na reportagem da IstoÉ encontram-se “cópias de pelo menos 15 cheques emitidos pela Klass [outra empresa dos Vedoin]”, que foram entregues ao mencionado Abel Pereira, somando R$ 601,2 mil. “Um deles, o de número 850182, datado de 30 de dezembro de 2002, tem o valor de R$ 87,2 mil. No mesmo dia, há outros sete cheques, seis deles são de R$ 30 mil e recebem os números de 850183 a 850188. O cheque 850181, também de 30 de dezembro de 2002, tem o valor de R$ 45 mil”. Segundo Darci Vedoin, “depois que eles perderam a eleição, o Abel me procurou e passamos a fazer muitas liberações”. E, realmente, como observa a revista, em 2002 a empresa dos Vedoin vendeu mais ambulâncias, pagas com a verba do Ministério da Saúde, do que em qualquer outro ano: 317.
Barulho inútil
Há também vários depósitos em conta de empresas, indicadas por Abel Pereira. Por exemplo, uma denominada Kanguru Factoring Sociedade de Fomento Comercial, com o CGC 003824340/0001-25, que fechou após a posse do presidente Lula. Outros foram feitos na conta de empresas como a Datamicro Informática, de Governador Valadares (MG) e a Império Representações Turísticas, de Ipatinga.
Já se sabe que Abel Pereira é hoje um emérito vencedor de licitações na Prefeitura de Piracicaba, cujo prefeito chama-se Barjas Negri.
Portanto, o que investigar, naquilo que os Vedoin já disseram, é o que não falta. Quanto mais não seja para descobrir como a gestão ministerial daquela época não conseguiu perceber, em meio a tal enxurrada de ambulâncias, que elas eram superfaturadas. Diante de questões tão evidentes, não há barulho que possa impedir as investigações de continuarem.
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Psiquiatra, São Paulo