Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Somos todos japoneses

Fim de ano em Nova York. Num dos incontáveis balanços televisivos, a CBS revelou, por instantes, as expressões tidas como insuportáveis pelos americanos ao cabo de 2012. A primeira era whatever, que se pode traduzir como “tanto faz”. É uma típica manifestação na língua inglesa de indiferença frente a quaisquer alternativas. Você prefere isto ou aquilo? Whatever, tanto faz, não escolho.

A segunda era you know…, algo como “você sabe…” Em vez de explicar ou argumentar, o falante simplesmente vocifera um you know… Pouco importa que o interlocutor saiba ou não o que o outro quis dizer, mas tanto faz, fica o não dito pelo dito.

Na verdade, são expressões antigas no falar quotidiano, mas de algum modo devem ter passado das medidas no ano que passou, para se justificar a sua inclusão no balanço das coisas irritantes. Ou então, não passariam de clichês linguísticos que se tornaram sintomáticos da escassez de palavras na interlocução comum.

Para começar a entender, basta assistir à entrada de casais, jovens ou mais velhos, num restaurante. Tiram os casacos de inverno, sentam-se e sacam dos bolsos seus Iphones ou Ipads e começam a “conversar”, só que com alguém que manifestamente não está ali, mas no Facebook, no Twitter, algo assim. A nova humanidade eletrônica perfaz-se numa realidade segunda, que os analistas chamam de “virtual”, mas que é certamente real para os usuários.

Diálogos na web

Décadas atrás, os turistas japoneses eram objeto de observação divertida quando, aos magotes, desciam de um ônibus para ver um monumento ou uma catedral, mas em vez de realmente olhar, fotografavam e retornavam a seus assentos no veículo. Em casa, na volta da viagem, certamente apreciariam a imagem com mais vagar.

Hoje, quase todo mundo é “japonês”. As tecnologias eletrônicas da informação tornam universal a velha obsessão oriental pela duplicação. A second life não é mais uma atração específica na internet, e sim toda a internet, onde atualmente se mora, talvez sem que disto as pessoas se deem conta. E essa “vida”, assim como esse território que se habita, é feita de informação materializada em bytes. A “matéria” informacional é ubíqua (uma ubiquidade quase divina) e parece tornar obsoleto o material informativo veiculado em suportes jurássicos, como o papel.

Nos lobbies dos hotéis, mesmo nos grandes hotéis nova-iorquinos, não se vê praticamente ninguém como um jornal na mão, como antes. O que os hóspedes querem mesmo saber é se ali tem ou não tem wi-fi.Claro, não faltam números positivos sobre a leitura de impressos, mas o fato é que o fenômeno não é mais visível, mora na virtualidade das estatísticas que, na definição de um dos nossos afamados ministros da Economia, “são como o biquíni, por mostrar o supérfluo e esconder o essencial”.

Jornal, se há, está online.

Diálogo, se houver, estará na web.

Já existe em Washington um grande museu da notícia. Falta o museu do leitor.

Necessidade de reinvenção

Por mais apocalíptica que possa parecer esse tipo de conjetura, ela não decorre de nenhum pessimismo teórico, ao modo dos diagnósticos típicos da crítica cultural pós-modernista a partir dos anos 1970. Advém, sim, da mera observação de sintomas, que se registram tanto em nível macro quanto no nível dos incidentes miúdos do quotidiano.

Assim é que, desta vez num táxi parisiense, em meio a uma grande manifestação de imigrantes sem documentos, o motorista chileno queixa-se de não ter visto nada daquilo anunciado nos jornais. Sem nada saber da ligação de seus passageiros com o mundo do jornalismo, proclama a morte da imprensa como algo velho e mentiroso. Cheio de humor cáustico, diz ter em casa guardado um jornal de 14 anos atrás que previa a morte de Fidel Castro para a semana seguinte. “Fidel deve ter uma pilha desses jornais nos arquivos dele”, comenta, arrematando: “Agora é o Chávez”.

Certo, tudo isso é da ordem da impressão, mais do que do grande fato que faz a fortuna da “objetividade” jornalística. Mas com tudo isso se vai formando uma convicção nada desprezível de que é preciso reinventar o jornalismo. Glórias do passado e bom mocismo nostálgico não põem mesa.

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[Muniz Sodré é jornalista, escritor, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro]