Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que os protestos revelam sobre democracia e mudança digital

Os protestos que ocorreram na China recentemente sobre o controle do governo envolvem um jornal e a censura oficial – não um tanque militar em uma praça pública. O país vem caminhando na estrada frágil da modernidade e do capitalismo sem democracia. Mas a história continua repetindo uma mensagem sobre tentar equilibrar os avanços econômicos sem liberdade. A informação, por sua natureza, é democratizar – comenta Tom Rosenstiel [Poynter, 11/1/13].

Na China, a caixa da informação já está aberta. Metade do público está online, segundo dados de 2012 do Pew Research Center. Mais de 90% dos chineses têm celulares; 62% estão engajados em redes sociais; metade do público chinês compartilha suas opiniões nessas redes. A maior parte – 86% – diz que escreve sobre “cinema e música” e apenas 10% dividem suas opiniões sobre “política”. Ao mesmo tempo, metade escreve sobre “questões comunitárias”.

Esses números são um problema para as autoridades. A linha de cultura, passando por comunidade e política é, em um certo ponto, apenas retórica. A ex-União Soviética tentou realizar um controle rígido ao registrar cada máquina de escrever no país. Mas, no final dos anos 1980, os aparelhos de fax, TVs por satélite e videocassetes impossibilitaram saber quantas pessoas estavam aprendendo e compartilhando. Os líderes soviéticos criaram, então, os primeiros institutos no país para realizar pesquisas de opinião. Quando eles não podiam mais controlar o que as pessoas sabiam, começaram a tentar estudar o que as pessoas pensavam, para então começar a influenciá-las. Eles também passaram a adaptar a programação de rádio e TV para demandas populares, depois tentaram tirá-las do ar, o que gerou algumas tensões.

Por um período, os chineses tentaram ter um soldado para cada máquina de fax no país. Isso remete à fonte dos protestos atuais. Eles começaram quando autoridades censuraram um editorial de Ano Novo do Southern Weeekend, jornal liberal bem conhecido no país, que pedia aos novos líderes do governo chinês para agir bem nos direitos articulados na Constituição chinesa. Essa ação levou jornalistas e seus defensores a emitir uma carta aberta, que repercutiu na blogosfera.

O que tornou violentos os protestos da Praça da Paz Celestial, em 1989, foi também o jornalismo – uma série de colunas noWorld Economic Herald, como Jonathan Mirsky relembra em um artigo no New York Review of Books. Não havia blogosfera na época para reunir as pessoas; portanto, eles se encontraram em uma praça e enfrentaram tanques.

A centelha dessa vez é semelhante. É um lembrete que, mesmo na era digital, jornalismo e democracia são inevitável e intrinsecamente relacionados. Fundamentalmente, o ato de produzir jornalismo é um ato de colocar mais informações e ideias nas mãos de mais pessoas. Isso, por sua vez, inspira a conversa pública. Ao olhar para o passado, é possível vincular o nascimento de uma imprensa periódica ao Iluminismo e à evolução da teoria democrática. Ao fazer uma análise mais ampla, é possível ver que sociedades com mais jornalismo, de todos os tipos, tendem a ter mais liberdade.

Rosenstiel, ao encontrar com jornalistas em todo mundo, percebeu que eles compartilham uma causa. Seja qual for o sistema em que operam, a seu modo todos estão preocupados com precisão e veracidade. Está na natureza do negócio encontrar notícias e torná-las públicas.

A marcha em direção à liberdade – e para tornar a informação transparente – não é uma linha reta e geralmente dá-se um passo à frente e alguns atrás. Os protestos recentes na China podem perder o timing em vez de provocar mudanças imediatas. Palavras como “Southern” e “Weekend” agora estão proibidas da internet chinesa. No longo prazo, entretanto, com o fluxo da informação, as ideias também fluem. Isso é essencial para a liberdade de imprensa e de expressão.

Controle “inabalável”

O principal órgão de propaganda da China, o Departamento Central de Propaganda, declarou que o controle do Partido Comunista sobre a mídia chinesa é “inabalável” e acusou agitadores “externos” de fomentar os protestos.

Em um memorando urgente enviado para a mídia, na semana passada, o departamento disse que cada “unidade de trabalho” deveria imediatamente “pedir que editores, repórteres e equipes descontinuem o apoio online ao Southern”.

O documento ordenava, ainda, que sites e toda a mídia chinesa publicassem em destaque um editorial – que foi divulgado no Global Times, tabloide nacionalista de propriedade do principal porta-voz do partido, o People’s Daily. O editorial culpava “ativistas” por incitar a censura. Alguns jornais publicaram o texto, mas incluíram uma nota alertando que não representava o ponto de vista do diário.

Ainda na semana passada, Dai Zigeng, membro do Partido Comunista e publisher do Beijing News, renunciou em protesto após ter sido forçado a imprimir o editorial do Global Times. A renúncia foi divulgada nas redes sociais por jornalistas do Beijing News e também pelo South China Morning Post. Logo depois, os nomes “Zigeng” e “Beijing News” foram banidos dos sites de busca. Fontes familiares disseram que ele renunciou depois de tensas negociações, tarde da noite, entre um autoridade do Departamento de Propaganda e membros da equipe que protestaram contra a publicação do editorial. O representante oficial disse que se não fosse publicado, o jornal fecharia. O editorial foi publicado, mas nas páginas de notícias, não nas de opinião. Na mesma noite, jornalistas do Southern Weekend chegaram a um acordo com autoridades locais, possibilitando que o nova edição fosse impressa. Com informações de Keith B. Richburg [The Washington Post, 9/1/13].

Leia também

Aumenta o conflito entre jornalistas e censores

A censura ridiculariza o país