Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

BNDES e meta de inflação enriquecem a pauta

Não há como descrever a modernização do Brasil desde os anos 1950 sem destacar o papel do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Foi um dos principais instrumentos da industrialização e, mais que isso, do fortalecimento da base produtiva. Financiou com recursos de longo prazo tanto o investimento empresarial quanto a expansão e a transformação da infraestrutura. Sua atuação, durante mais de meio século, foi orientada principalmente pela identificação de grandes problemas – em geral gargalos – e pela fixação de metas nacionais. Mas qual é hoje a sua função estratégica, e qual tem sido em anos recentes? Essas questões voltaram à pauta, há poucos dias, com mais uma história de participação em um mau negócio.

O primeiro a entrar no assunto foi o Valor, com uma reportagem sobre a participação do BNDES, por meio do BNDESPar, na criação da LBR – Lácteos Brasil, resultante da fusão de dois grupos em 2011. O banco já era acionista da gaúcha Bom Gosto, uma das empresas, e entrou com R$ 700 milhões na formação da nova gigante do setor de laticínios. A companhia foi mal nos primeiros dois anos. O banco, detentor de 30,8% do capital, terá de engolir uma perda resultante de mais um investimento furado. Mas a grande questão vai além do prejuízo em reais.

Qual o sentido de uma participação tão grande em um grupo fabricante de laticínios? A mesma pergunta vale para outras aventuras dos últimos anos, como o envolvimento com grandes grupos da indústria frigorífica, as operações de socorro a empresas de setores tradicionais ou a concentração de investimentos em grandes clientes, presumivelmente capazes de captar recursos baratos no exterior. Além disso, o BNDES quase se envolveu na tentativa de fusão do Pão de Açúcar com a filial brasileira do Carrefour. Quando recuou, evitando um negócio legalmente complicado, a imprensa já havia chamado a atenção para o risco.

Matéria ampla

A reportagem sobre o novo mico do BNDES diversificou o cardápio da imprensa em uma semana dominada – com bons motivos – por assuntos mais comuns, e mais dramáticos, de política econômica. Os jornais deram muito espaço à inflação distante da meta e às ações do governo para frear o avanço dos índices de preços ao consumidor. “SP e RJ adiam reajuste de ônibus para frear a inflação”, noticiou em manchete, na terça-feira (15/1), a Folha de S.Paulo. Os prefeitos das duas cidades, informou o jornal, haviam decidido atender ao governo federal.

A ideia da presidente Dilma Rousseff e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, era desconcentrar certos aumentos de grande impacto no custo de vida. O governador paulista entraria também na colaboração: “Mantega pede e Alckmin segura alta da tarifa de metrô”, informou na sexta-feira (18), no alto da primeira página, o Estado de S.Paulo.

A matéria mais ampla sobre o conjunto da operação saiu no Valor de quinta-feira (17). Toda a última página do primeiro caderno foi dedicada às ações do governo federal para administrar a evolução do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), usado como referência para a política de metas. A estratégia inclui, além do adiamento de ajustes de tarifas de transporte público, a redução das contas de energia elétrica, cortes de tributos e a contenção dos preços dos combustíveis. A página contém, além de um texto sobre as iniciativas oficiais, opiniões de técnicos sobre essas ações “não ortodoxas” e uma referência a países latino-americanos, como Chile, Colômbia e Peru, com maior crescimento econômico e menor inflação.

Ladainha manjada

O noticiário sobre a reunião periódica do Comitê de Política Monetária (Copom), publicado na quinta-feira (17), manteve o foco no desafio dos preços. “Inflação sobre, mas BC mantém juros”, informou na primeira página o Globo. A Folha de S.Paulo remeteu no título à nota oficial emitida na quarta à noite, logo depois da reunião: “BC mantém juros em 7,25%, mas vê piora na inflação”.

O pessoal do Estadão preferiu um título menos condimentado: “Sem surpresas, Copom mantém Selic em 7,25%”. O tempero veio numa retranca auxiliar: “Meta de inflação ‘verdadeira’ é de 5,5%, afirma Pastore”. O texto cita um trabalho do escritório de consultoria do professor Affonso Celso Pastore. A acomodação do BC a taxas bem superiores a 4,5%, por longo tempo, indica, segundo o estudo, a adoção informal de uma nova meta.

É um bom tema para discussão nas próximas semanas. Os jornais deixaram de gastar espaço com a ladainha previsível dos pelegos sindicais e industriais. Política monetária vale uma discussão mais séria. A imprensa tem dado sua contribuição na cobertura do dia a dia.

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[Rolf Kuntz é jornalista]