“Mais quatro anos” não é um bordão que valha título, nem lide. O “four more years” que reelegeu Barack Obama à presidência dos Estados Unidos é a antinotícia. É o discurso de quem está confortável, apesar do cenário de crise econômica e da disputa eleitoral acirrada com o milionário Mitt Romney. Obama sabe disso, sua equipe de marqueteiros também. Eles foram os responsáveis pelas manchetes do mundo inteiro reproduzindo o bordão “Yes, we can”, quatro anos atrás. O “sim, nós podemos”, na época em que livros de autoajuda encabeçavam a lista dos mais vendidos, foi responsável por iniciar uma onda de empolgação na mídia mundial. Nos jornais brasileiros não foi diferente.
Há quatro anos, em 2009, no dia seguinte ao discurso de posse de Obama, ele, o presidente, era a notícia. Na primeira página da Folha de S.Paulo estampou-se a manchete “Obama toma posse com promessa de reconstruir os EUA e liderar o mundo”. A força de um título como esse é incomparável ao politicamente correto “Obama abre 2º mandato com defesa de gays e imigrantes”, em destaque da capa do mesmo jornal na terça-feira (22/1). O discurso do óbvio – poucos arriscariam declarações contra gays, imigrantes, democracia ou a favor da corrupção em um discurso de posse – reflete os cabelos brancos do homem negro que envelheceu junto com a notícia.
Pasta de amendoim
A reeleição de Obama não empolgou do lado de cá do Equador. É inegável o poder do primeiro negro a ser eleito presidente dos EUA, o que torna a manutenção dele quase que sonolenta, principalmente para quem não acompanha as disputas no Congresso norte-americano, sem ver de perto as brigas entre os republicanos, os democratas, os democratas-quase-republicanos, os republicanos-quase-democratas e o presidente.
Em 2008, não importava quão difícil era a vida de presidente ou as negociações entre partidos. A verdade era uma só: todos queriam ver o Barack Hussein Obama sentado na cadeira de presidente. Eu, estudante de jornalismo da Universidade Federal Fluminense, participava de um programa acadêmico do Departamento de Estado e da embaixada dos EUA para observar in loco as eleições. Assisti a um dos últimos discursos de Obama e pude testemunhar o carisma que despertava entre os chamados cidadãos comuns.
Enquanto George W. Bush (quase persona non grata) pagava a hospedagem, eu acompanhava de perto como o seu opositor ganhou a confiança dos norte-americanos, publicava textos de impressões pessoais em um blog em O Globo junto com outro estudante, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que participava da viagem de 15 dias de duração.
À época, a notícia pulava à nossa frente. Cada pessoa que anunciava que votaria no candidato negro merecia um estudo sociológico para entender a mudança que acontecia na sociedade dos EUA com aquela eleição. A inovação era legítima e estava ali para quem quisesse ver. Em um comício do Obama, era possível ouvir de cada um dos emocionados participantes que os EUA precisavam de mudança e ela viria do novo prometido.
Quem dizia que não votaria em Obama merecia um estudo ainda mais profundo. O demonizado Tea Party estava na disputa, com Sarah Palin, suas armas e seu discurso de “soccer mom”, ou seja, mãe de família, classe média, conservadora e preocupada com a segurança dos filhos. Sarah era vice do veterano da guerra do Vietnã John McCain, e vale anotar aqui que veterano de guerra nos EUA ainda parece algo bom, enquanto, para nós, ser citado junto com a guerra tem uma conotação ruim.
Tudo isso transformou aquele Obama, de cabelos pretos, em um típico herói, sendo ele o representante da minoria, enfrentando “inimigos” que pegavam em armas e pegavam pesado nos ataques. “Daqui a pouco vão me chamar de comunista porque eu dividi meu sanduíche de pasta de amendoim quando era criança”, rebateu Obama a uma das críticas dos opositores, parecendo ainda mais bonzinho. Ganhou destaque aqui e ali pela postura generosa e bem humorada.
A obviedade
Quatro anos depois, a crítica ao opositor de Obama – Romney – foi a de ele ser rico. No Brasil, as pessoas – e a mídia jornalística – pareciam não ter mais certeza do que queriam para o futuro dos EUA. A antes óbvia preferência por Obama agora já não era tão clara, o que não pode ser creditado a um aumento da imparcialidade do jornalismo. A aparente vitória de Mitt Romney em um dos debates na televisão foi noticiada da mesma forma que a recuperação de Obama no debate seguinte. Tudo parecia girar em torno das técnicas usadas pelos debatedores, e não pelos próprios candidatos em campanha.
O noticiário desapaixonado e desapaixonante da segunda vitória de Obama indica o que a imagem do presidente no discurso de posse deixou óbvio: assim como o primeiro presidente negro dos EUA, a pauta ficou velha.
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[Marcos de Vasconcellos é jornalista, chefe de Redação da revista Consultor Jurídico]