As notícias sobre o estado de saúde de Hugo Chávez vão de confusas a positivamente exóticas, passando pelo macabro. Esta semana, o presidente venezuelano aparecia entubado, supostamente no seu leito de hospital em Cuba, na capa do diário El País. O jornal espanhol foi desmentido (a foto era uma fraude) e teve de recolher a edição. Logo depois, corria na internet outra imagem surpreendente, esta do mandatário visivelmente debilitado, mas em pé e (pasmem) caminhando, apoiado entre seu irmão Adán e seu pai. A agência Reuters disse que a foto era de 2011.
Enquanto os blogueiros insistiam na morte certa de Chávez – com direito a imagens do líder já embalsamado no caixão – o sempre criativo porta-voz do chavismo, o ministro da Informação, Ernesto Villegas, esbanjava otimismo. Embora sua saúde inspirasse cuidados, o líder venezuelano, garantiu Villegas, já se encontrava em franca convalescença, emitindo ordens e até indicando ministros. Quem diz é a cúpula chavista que segue pela ponte aérea Caracas-Havana, fazendo jus à ideia de que as duas capitais sejam de fato pontos extremos de um só país. Seriam perdoados os tantos “cubazuelanos” que não entendessem coisa alguma.
Como entender a boataria bolivariana sobre Chávez? Com perdão do mestre Mark Twain, as notícias de sua vida são muito exageradas. É aí que entra o ponto visceral. O paciente venezuelano é, sim, vítima de um câncer grave, mas também do capuz de silêncio que ele mesmo costurou. Apesar dos apagões elétricos e da escassez de mantimentos básicos, a Venezuela ainda ostenta profissionais competentes e equipamentos médicos de primeira. E graças à “bolsa-petróleo”, os serviços que o país não tem, pode importar à vontade.
Sob liberdade vigiada
Só que Chávez contratou não a competência, mas o plano Seguro Havana e, pelas mesmas razões que rejeitou o convite brasileiro para se tratar nos melhores hospitais de São Paulo, o sigilo companheiro. É a cortina de cana que blinda a ilha castrista contra bisbilhotice e informações inconvenientes.
Missões bolivarianas contra pobreza, promessas de casa própria e até cinema à bolivariana e livre do ranço de Hollywood – a revolução para o século 21 de Chávez oferece de tudo. E sustenta-se em grande parte por esse portfólio de benesses, mesmo quando mal as consiga entregar. Mas sua maior obra talvez seja o esforço para administrar a realidade. Não é a censura bruta (embora também exista). Pois, na Venezuela, pode-se dizer o que quiser, desde que seja aos meios tolerados e de peso relativo.
Na mídia impressa, consumida pela elite caraquenha, pode soltar o verbo. Quem anda de boina vermelha não compra os jornais El Universal, Tal Cual e afins. Mas na televisão a história é outra. As grandes redes abertas – como a RCTV – já foram desplugadas. Resta a Globovisión, um canal por assinatura (leia-se, burguês), que opera sob liberdade vigiada.
Purgatório da desinformação
Há poucos dias, a emissora foi intimidada a não cobrir a sucessão presidencial. Segundo o chavismo, debater a posse de um presidente ausente poderia violar a lei de responsabilidade social. Não foi censura. Mas ignorar a advertência governamental resultaria em sair do ar por 72 horas e ainda pagar uma multa equivalente a 10% do faturamento total que a emissora teve em 2012.
A torcida bolivariana aprova, pois no quesito “massagem à mensagem”, Chávez também fez escola. Os presidentes da Nicarágua, Daniel Ortega; da Bolívia, Evo Morales; e da Argentina, Cristina Kirchner, patrocinaram leis e emendas constitucionais para não ouvir o que não querem.
O equatoriano Rafael Correa, em campanha para reeleição, fez mais do que isso. Além de criar dezenas de canais oficiais, processar jornalistas de oposição e multar a mídia independente do país, agora, está oferecendo subsídios para profissionais de “pequenas empresas de mídia”. Código “correaista” para azeitar a mão da mídia amiga.
Mas a mão que controla também atrapalha quem ela pretende proteger. Chávez, pelo que se sabe, paira em algum lugar entre o Palácio Miraflores e o mausoléu. Para os venezuelanos, bolivarianos ou não, sobra o purgatório da desinformação.
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[Mac Margolis é colunista do Estado de S.Paulo, correspondente da Newsweek e edita o site brazilinfocus.com]