Texto? Absolutamente impecável, elegante, divertido. Conhecimentos? Amplos, múltiplos, variados. Sucesso? Em tudo: como cronista, como redator, como crítico, como biógrafo, como pesquisador. É bem humorado quando quer, ácido quando necessário, brilhante sempre. O talento é visível em cada linha que cria. Quando nasceu, os deuses do jornalismo lhe disseram: vai, Ruy Castro, vai ao mundo escrever como se deve.
Ruy escreveu sobre Garrincha, sobre Carmen Miranda, sobre Nelson Rodrigues, sobre bossa nova, sobre o Rio, sua cidade de adoção. E bateu todos os recordes no último dia 25, num curto e notável artigo na página 2 da Folha de S.Paulo, enfrentando o desafio de falar sobre si mesmo. Pois Ruy, em tantos aspectos o favorito dos deuses, teve de enfrentar um demônio que ameaçou destruí-lo.
Naquele pequeno texto, narrou como, há 25 anos, trêmulo, doente, fragilizado, tomou, um atrás do outro, quatro copos cheios de vodca pura, gelada, preparando-se para uma internação que lhe permitiria combater o alcoolismo. Conta rapidamente o inferno dos primeiros dias, quando lhe parecia insuportável a abstinência de álcool; e o ressurgir da segunda fase do tratamento. Ruy Castro conheceu o céu e o inferno. Venceu (ou melhor, está vencendo: cada dia que passa sem álcool é uma vitória). E preferiu ficar aqui na Terra.
Por várias vezes, ao longo dos anos, Ruy Castro mencionou a época em que foi dependente do álcool. Mas agora, num texto conciso, corajoso, abriu-se inteiramente, contando tudo o que é necessário saber sobre esta fase terrível de sua história de vida. É dificílimo expor seus problemas em público; mas é essencial, para que outras vítimas de dependência saibam que não estão sós, que existe solução para seus males, que pessoas amplamente admiradas também sofrem e chegam à beira da queda, mas que a vida pode continuar, plena, feliz, cintilantemente produtiva, após a penosa, mas possível, travessia do túnel que separa o renascimento da destruição.
Ruy Castro viveu, leu, pesquisou, entendeu. Seu talento nasceu com ele; como utilizou seu talento no jornalismo e na literatura é uma realização pessoal. Mas seu artigo sobre a própria luta contra o alcoolismo é uma questão de coragem. O talento o ajudou a escrever; mas a correta decisão de expor-se nada tem a ver com o talento, mas com algo que nele é ainda maior, o caráter.
O limite da crítica
Um jornalista de tradição e prestígio, Ricardo Boechat, da Rede Bandeirantes, bateu duro no governador socialista do Ceará, Cid Gomes, por ter gasto R$ 650 mil do dinheiro público num show comemorativo da inauguração de um hospital em Sobral – por coincidência, pura coincidência, base eleitoral da família Gomes. As palavras de Boechat provocam até hoje viva discussão nos meios jornalísticos: chamou o governador do Ceará de “canalha”. Foi mais longe: “Os jornalistas são muito cerimoniosos quando fazem críticas a políticos, o que geralmente se confunde com ser educado”.
Este colunista está totalmente ao lado de Boechat na crítica ao governador – não apenas pelo uso de dinheiro público num espetáculo, no momento em que o Ceará precisa urgentemente de recursos para atender às vítimas da seca, como pelo ridículo que é inaugurar um hospital com um show de estrelas da música. Construir hospitais é obrigação de Governo, não merece comemorações especiais. Falta pouco para contratar Adele ou Lady Gaga para um espetáculo em que se comemore a conclusão do projeto executivo do asfaltamento de uma rua, que um dia, sabe-se lá quando, será mesmo asfaltada.
Mas este colunista não concorda com os termos utilizados na crítica, embora concorde com ela em todos os demais aspectos. É possível (e desejável) criticar sem insultar. Insulto é arma de quem não tem argumentos – e neste caso, definitivamente, não há qualquer falta de argumentos para criticar o governador gastão, que adora desperdiçar com seus caprichos o dinheiro dos outros.
Boechat explica sua opção pelo adjetivo duro: “Pegar dinheiro público para pagar um cachê é uma canalhice. Isso é questão do uso da língua. Quem faz canalhice é canalha, quem faz idiotice é idiota”.
Não é a primeira lambança do governador Cid Gomes. Como lembra o próprio Boechat, Cid Gomes já levou a família inteira para a Europa, sogra incluída, num jato fretado com dinheiro público – na época, calculou-se a despesa em R$ 388 mil. “Como um cara pega um jatinho e vai para a Europa com o dinheiro desse contribuinte? É um canalha, um canalha reincidente”.
Cá entre nós, discorde-se ou não da forma utilizada, a questão profunda é outra: Boechat tem toda a razão.
Os mais iguais
O julgamento dos réus do mensalão, no Supremo Tribunal Federal, foi integralmente transmitido pela televisão. O julgamento do casal Nardoni, alvo de intensa comoção popular, foi amplamente coberto por rádio, TV, jornais, revistas, internet.
Já o caso de Rosemary Noronha, que foi chefe de Gabinete da Presidência da República em São Paulo, apanhada na Operação Porto Seguro da Polícia Federal e sobre quem há suspeitas de muitas irregularidades, está protegida da imprensa. Os repórteres fotográficos não podem registrar imagens no Fórum Criminal Federal de São Paulo sem prévia autorização. Rose fez o pedido alegando estar “com trauma” da exposição que sofreu desde que seu caso foi divulgado.
Este colunista entende a posição de Rosemary Póvoa de Noronha: também detestaria estar na posição dela, também estaria com trauma da exposição. Só que na hora do bem-bom Rose não imaginou as consequências; ou imaginou que, ocupando uma área estratégica, estaria livre desse tipo de constrangimento.
O fato é que nem gente poderosa, ligada ao Governo, como a Turma do Mensalão, foi tratada com tanta gentileza quanto Rose. Por que será ela mais igual que os outros?
Ô, gente chata!
Está cada vez mais difícil ter paciência para acompanhar opiniões de consumidores de informação sobre o noticiário divulgado pelos veículos. Desde que a tropa do cheque tomou a vanguarda dos comentários, tudo ficou previsível e chato. O Delúbio Soares só não será canonizado porque o papa está sendo influenciado pela imprensa direitista e pelo pessoal da zelite, o Supremo (em que os ministros, menos um, foram escolhidos por presidentes da República hoje unidos em torno do governo petista) virou “tribunal de exceção” porque se atreveu a condenar mensaleiros, uzianque lutam bravamente, a golpes de manchetes, para sabotar o tratamento do cumpañero Hugo Chávez. Um jornalista chegou a escrever um “Eu acuso”, garantindo que os ministros do Supremo não levaram em conta as provas do processo – como se ele tivesse lido as 50 mil páginas, como se, mesmo que as tivesse lido, chegasse a entendê-las. Parece que a base do besteirol foi o J’Accuse, de Emile Zola. Mas a falta de talento fez com que nem o plágio tivesse condições de funcionar.
Não, não é exclusividade de petistas e assemelhados. Após o episódio Rosemary, passaram a circular na internet dezenas de informações sem base sobre irregularidades financeiras que atribuem ao ex-presidente Lula. Até agora, nenhuma informação concreta – mas os jornalistas são bombardeados o dia inteiro com e-mails e telefonemas de gente indignada porque não publicam “a verdade”. E por que é “a verdade”? Porque acreditam nela, uai! É como a tal reportagem atribuída à revista Forbes segundo a qual Lula teria uma das maiores fortunas do mundo – uma reportagem que, a propósito, a Forbes jamais publicou. Até as capas que saíram na Internet eram falsas.
Mas um bom exemplo dos atuais dodóis é uma pesquisa do Ibope que mostra que o número de eleitores que não segue partido algum é hoje a maioria no país, com 56%. Há alguns números interessantes na pesquisa: por exemplo, este número de eleitores sem fidelidade a partidos sempre oscilou perto dos 40%, e passou a subir por volta de 2010. Outro número mostra a queda de eleitores fiéis ao PMDB, que chegou a 25% durante a Constituinte (que durou até 1988) e, de lá para cá, veio caindo até chegar a algo como 5%. O PSDB, ao vencer no primeiro turno, com Fernando Henrique, as eleições presidenciais de 1994, tinha 10%. Hoje está na faixa dos 5%. E o PT, que continua sendo o maior partido do país, chegou a 33% em 2002, com a eleição de Lula, manteve este número até 2010, e hoje caiu para 24%.
E daí? Daí que a Turma do Dodói reclama que a matéria tinha de ter como abertura a posição predominante do PT, como maior partido do país, e como o lead não foi este os jornais não são sérios. A posição predominante do PT poderia ser o lead; a queda de todos os partidos, inclusive do PT, poderia ser o lead; o PMDB imenso no Congresso e nas prefeituras, mas mínimo no eleitorado, poderia ser o lead. A pouca substância do PSDB no eleitorado poderia ser o lead. E a ascensão do apartidarismo entre os eleitores é também um excelente lead.
O duro é aguentar os chatos. E entender como é que gente se dispõe a perder tempo procurando erros de digitação para interpretá-los como malignas tentativas de prejudicar seus chatos partidos.
A lírica de Temer
Professor de excelente reputação, constitucionalista respeitadíssimo, vice-presidente da República (e, ninguém é perfeito, defensor das candidaturas de Renan Calheiros à presidência do Senado e de Henrique Alves à da Câmara), Michel Temer mostra agora um novo talento: o de poeta. Segundo diz, escreveu os poemas em guardanapos, durante as viagens entre Brasília e São Paulo. Seu livro Anônima Intimidade será lançado pelo CIE-E, Centro de Integração Empresa-Escola, na quinta-feira (31/1), a partir das 18h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. Vale para conhecer uma nova faceta do professor; vale pelo networking, já que metade das cabeças coroadas da República deve estar por lá.
O historiador best-seller
Muitos o conhecem como Peninha – uma alusão ao personagem de Walt Disney. Muito mais gente o conhece como Eduardo Bueno, o historiador que cansou de vender livros – e vendê-los ao público, não a governos – sobre a História do Brasil. Pois está saindo um novo-velho livro de Eduardo Bueno: uma versão compacta de Brasil, uma História, um apanhado deste país de 1500 até agora. Não é um tratado erudito para especialistas: é um livro para leitores não especializados, que querem conhecer a História brasileira sem mergulhar em documentos nem na linguagem dos séculos anteriores. Já nas livrarias.
Como…
Um grande jornal impresso, de circulação nacional, deve ter considerado importantíssima a iniciativa da presidente Dilma Rousseff de manter contato com empresários. Tão importante que deu a mesma notícia, com o mesmo título, “Dilma aumenta contato com os empresários”, e o mesmo texto, em duas páginas seguidas.
O mesmo jornal, talvez com alguma sobra de espaço, repete em duas páginas a mesma notícia, sem mudar o título nem qualquer vírgula do texto: “Estudantes e sem-terra invadem Instituto Lula”.
…é…
Manchete do portal online de um grande jornal:
** “Paulistão 2013 começa hoje e com desfile de astros”
Estaria perfeito, se o Campeonato Paulista de Futebol não tivesse começado na véspera.
…mesmo?
De um press-release a respeito do lançamento de um livro (devidamente copiado em portais, sites e jornais menores):
** “Caso queira entrevistar o autor ou a capa do livro, por favor entre em contato.”
O tempo passa, o tempo voa. Pois não é que este colunista é do tempo em que nenhuma capa de livro dava entrevista?
A não notícia
Belíssima safra. Cada vez mais jornais e jornalistas fazem o possível para dizer que disseram mas não disseram, o famoso não foi bem assim. O problema é que o leitor não sabe se os fatos aconteceram de verdade e, se aconteceram, se foi do jeito que os órgãos de comunicação fingiram que informaram. Há exemplos ótimos:
** “Suspeito confessa ter matado ex-mulher”
O cavalheiro se entregou à polícia, depôs por três horas, confessou o crime numa boa, deu detalhes que só o autor do assassínio poderia conhecer. Mas, para a imprensa, é suspeito. E para a polícia é um assassino sem nenhuma periculosidade: como não foi preso em flagrante, fizeram a gentileza de soltá-lo tão logo terminou de contar como tinha matado a ex-mulher.
** “Vídeo mostraria irmão carregando corpo de atriz assassinada em mala”
Como perguntaria qualquer consumidor de informação, o vídeo mostra ou não mostra? Que história é essa de “mostraria”?
** “Vídeo flagra suposto estupro cometido por deputado na Bolívia”
O fato foi gravado em vídeo. Mas mesmo assim é “suposto”.
Mas ainda existem notícias (de preferência internacionais, onde não há qualquer risco de processo) em que os meios de comunicação contam direitinho o que aconteceu. Por exemplo,
** “Segurança é preso após dar tiro acidental no próprio pênis”
E eu com isso?’
E chega de chateação. O BBB não sabe escrever palavras difíceis? Mude de canal! Não fique nervoso, caro colega: vamos nos dedicar à única parte do noticiário que, temos certeza, é lida e memorizada pela maioria dos leitores. A ela!
** “Aline tira a calça durante o programa de Ana Maria Braga”
** “Após 5 meses, o nome do filho de Adele é revelado”
** “Luiza Brunet e a filha Yasmin fizeram compras em uma loja na zona sul do Rio”
** “DiCaprio volta a ser visto com Margot”
** “Andressa Urach deixa calcinha à mostra em ensaio”
** “Cynthia Howlett se diverte com a filha na praia”
** “Ana Lima é fotografada tomando chuveirada na praia do Leblon”
** “Natalie Portman vai à clínica cheia de malas”
** “Cintia Dicker não vive sem protetor solar”
** “Bieber mostra bumbum na web e deleta a foto”
Cá entre nós, fez bem: é branca e chatinha, chatinha.
O grande título
Esta é a semana dos fatos estranhos. Como o Grande Incêndio Lácteo da Noruega:
** “Queijo em chamas por 5 dias causa fechamento de túnel na Noruega”
Nem juntando todos os roedores de uma certa cidade brasileira seria possível consumir rapidamente a matéria-prima do incêndio.
Há dois títulos que parecem enredos de novela: ambos tratam de filhos que não são filhos ou que talvez o sejam, mas nem tanto.
** “Musa do vôlei que levou 50 pontos no rosto perde bebê e vê marido pedir guarda de filhos com ex-mulheres”
** “Ex-marido deve pagar pensão a filhos concebidos com esperma de amigo”
Temos um título altamente revelador de um certo vício jornalístico: juntam fatos que não têm nada um com o outro mas que, puxa, até que poderiam ter relação, se relação houvesse:
** “Morre síndico de prédio que caiu no Rio”
Morreu em consequência da queda? Não, nada disso. Ele era mesmo o síndico de um prédio, o prédio efetivamente caiu. E, passado um ano, entrou em óbito, como diria um boletim policial, por algum motivo que nada tinha a ver com o assunto ocorrido doze meses antes.
E há um grande título, que mostra como podemos ser injustos em nossos julgamentos:
** “Família diz ter achado jabuti após 30 anos”
Dizem que o bichinho estava perdido num quarto de entulho. Bem que aquele senador que bota cueca vermelha por cima do terno e adora massacrar Bob Dylan sempre garantiu que não tinha deixado o jabuti escapar.
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[Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação]